Uma solicitadora que queria ser “princesa, fada e rainha”
Ana Isabel Palmeiro é um dos cinco profissionais do ramo que operam em Tomar
Foi com a morte repentina do pai, reputado solicitador em Tomar, que decidiu seguir a profissão paterna. Antes tirara uma série de cursos profissionais em diversas áreas.
Ana Isabel Palmeiro, de 38 anos, está há dez no escritório que era do pai, Fernando Palmeiro, situado ao cimo da Rua dos Arcos, em Tomar. Na porta, a placa indica a função de solicitador, um agente judicial que aconselha e acompanha os clientes do ponto de vista jurídico, representando-os perante os serviços de administração fiscal, cartórios notariais, nas diversas conservatórias e autarquias. “A nossa função está relacionada com o direito civil. Em matéria penal, nós não estamos habilitados a defender alguém de uma acusação de crime. Essa é a grande diferença entre ser solicitador e advogado”, explica. Quando era mais jovem, costumava ir nas férias para junto do pai, mas assegura que ser solicitadora nunca tinha feito parte da sua ambição. “O que eu queria era ser princesa, fada e rainha. Tudo ao mesmo tempo. Mas depois aprendi que era impossível”. O sonho era a sério, embora hoje Ana Isabel lembre o desejo de menina com algumas gargalhadas. Na juventude, os estudos dispersaram-se por diversas áreas. Tirou um curso de cozinha, outro de turismo e ainda um outro de cinema. “Eu não sabia bem o que queria e cresci na época do Cavaco, quando tínhamos facilidades em tirar cursos profissionais, mesmo quando não queríamos fazer nada com eles”. Enquanto tentava decidir-se qual a área que pretendia – “cheguei a pensar em ser realizadora enquanto tirava o curso” – ingressou no ensino superior, na área de Direito. Mas, entretanto, o pai, prestigiado solicitador da cidade, morre repentinamente. É nessa altura que Ana Isabel decide tirar o curso de dois anos e meio (hoje já equivale a curso superior) e encarar a profissão paterna.“Quando vim para aqui era muito verde. Percebi que tinha a teoria, mas faltava-me a prática”. Ainda recorda o primeiro serviço que realizou. Uma escritura em que os proprietários não podiam deslocar-se ao notário para assistir à mesma, por sofrerem de deficiências físicas. Só que Ana Isabel não sabia isso. E quando chegou o dia da escritura ficou sem palavras quando o descobriu. “A minha primeira escritura foi feita numa carrinha de caixa aberta. Fiquei para morrer de vergonha… Hoje a minha primeira pergunta é saber se quem vai fazer a escritura pode deslocar-se ao local”, conta.Dos casos que vai tratando, somam-se imensas histórias que merecem ser reveladas. Ana Palmeiro pode ajudar em divórcios por comum acordo. Já tratou de centenas, mas há um de que não se esquece – “Quando fez três dias a seguir à saída da certidão do divórcio, chegam ao pé de mim e dizem-me que já estavam juntos outra vez. Tanto trabalho para nada. Fiquei danada”. Outras situações não podem ser contadas publicamente, por obrigação profissional, mas há uma que se destaca – “Tenho uma cliente, uma senhora com alguma idade e com uma fortuna considerável, que todos os anos me manda tratar da herança para diferentes destinatários”. A dita senhora vai prometendo, ano após ano, a cada um dos dez sobrinhos, únicos herdeiros, que em troca de a deixarem viver com eles, ela lhes deixa todo o seu património. Só que o testamento ainda nunca foi feito. “Ainda comecei a tratar do processo nos dois primeiros sobrinhos. Ao terceiro, percebi que ela só fazia a promessa, por isso, deixei-me disso. Acho que a senhora é de facto muito inteligente e engana os sobrinhos com uma pinta…”, ri. A solicitadora tomarense, que confessa adorar a sua cidade, afirma por outro lado que não é uma viciada no trabalho. Casada, mãe de duas meninas de 7 e 4 anos, Ana Isabel Palmeiro não dispensa os momentos que passa com a família. “O trabalho é das 09h00 às 18h00. Enquanto aqui estou, é a cem por cento. Mas quando saio daqui já vou com a cabeça tão cansada que não daria rendimento. Preciso de estar com a minha família”. Quando chega a casa, cabe-lhe a tarefa de tratar das filhas, dar-lhes banho e ajudá-las nos trabalhos de casa. O marido tem a tarefa de fazer o jantar. Ana Isabel agradece a disponibilidade do companheiro, aliviada. A solicitadora já não troca a profissão por nada. “Adoro lidar com as pessoas”, embora fique impressionada com a ignorância que lhe vai aparecendo. “Surge aqui muita gente sem saber ler e escrever. Mas o pior são as pessoas, jovens ainda, com elevados graus de iliteracia. Não percebem nada do que lêem ou lhes dizemos”, refere. “Temos que melhorar a nossa educação, senão o país não vai lá”.
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