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Os Anjos na Guerra

Tenho trinta anos de vida e habito numa pequena aldeia ribatejana, aqui o tempo passa devagar e as notícias correm ligeiras de boca em boca. É nos cafés que são divulgadas as novidades do dia, muitas são banalidades quotidianas. Mas gosto de escutar as pessoas da minha terra e particularmente de ouvir os testemunhos da vivência de gerações anteriores à minha. Foi numa destas conversas de café que tomei conhecimento de algo que me intrigou, a estima e o brilho nos olhos que os ex-combatentes da Guerra Colonial deixaram transparecer ao falar das suas Madrinhas de Guerra.  Depois de alguma pesquisa e de ouvir os curiosos testemunhos dos meus conterrâneos, descobri que as Madrinhas de Guerra faziam parte de uma das áreas de intervenção do Movimento Nacional Feminino (M.N.F.), mais propriamente da área de Apoio Social. Este Movimento foi criado por um grupo de mulheres da alta sociedade portuguesa na década de 60, eram guiadas e regidas por valores católicos e tinham o apoio do Estado Novo, chegaram a reunir 82 000 mulheres de vários estratos sociais nas suas áreas de intervenção. Um dos seus objectivos era prestar auxílio aos desalojados e repatriados das ex-colónias, outro objectivo era prestar apoio aos soldados no Ultramar e às suas famílias durante os anos da guerra, sendo extinguido após o 25 de Abril de 1974.Durante estes anos a secção das Madrinhas era muito requisitada pelos soldados que combatiam nas ex-colónias. O M.N.F., para tornar mais eficaz o seu apoio, analisava os pedidos destes e seleccionava a madrinha para trocar correspondência, tendo em conta que deveria ser da mesma proveniência (região ou povoação vizinha) do soldado requerente. As madrinhas correspondiam-se com os seus "afilhados" através dos aerogramas, também conhecido entre os soldados como "bate estradas". O aerograma, um inteiro postal isento de franquia, foi mais uma iniciativa do M.N.F."Nacionalidade portuguesa, maiores de 21 anos, moral idónea, coragem, capacidade de sacrifício, confiança na vitória e capacidade de transmissão dessa ideia", estes eram os requisitos para se ser Madrinha de Guerra. Por vezes estes requisitos só eram mantidos durante a primeira troca de correspondência, dando lugar a compaixão e até a verdadeiras paixões, muitas das quais duraram até depois da guerra.  Imagino que sucedessem trocas de correspondência mais intensas, trocavam fotos, juras de amor e esperavam ansiosamente por notícias que deveriam parecer levar anos para chegar. Mulheres e homens de tenra idade, que certamente choravam as amarguras da guerra e a distância que os separava. Uma boa parte destas mulheres tinham pouca escolaridade e certamente mal saberiam escrever, mas as letras bem desenhadas e as palavras ternurentas e verdadeiramente sentidas inundavam de fé e de amor o coração toldado pelos males da guerra dos jovens soldados.Este é o meu tributo a todas as mulheres daquele tempo, Madrinhas de Guerra, namoradas, esposas, mães, irmãs e amigas. Todas foram e são essenciais para o equilíbrio psicológico dos soldados daquele tempo, foram verdadeiros anjos na guerra.José Duarte R. dos Santos Biscaínho-Coruche

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