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“Mataram o teatro de revista”

Norberto de Sousa, encenador do Grupo de Teatro da Casa do Povo de Aveiras de Cima

Norberto de Sousa ama o teatro como a sua própria vida. É encenador do grupo da Casa do Povo de Aveiras de Cima, Azambuja, que tem o privilégio de representar o que quer. Defende o rigor e a disciplina em palco. Recusa fazer cedências ao humor fácil e por isso não entra no Parque Mayer: “Mataram o teatro de revista”, desabafa.

O grupo de teatro de Aveiras de Cima venceu dois concursos do Inatel. O “Animar Portugal em 2004” e “Teatrália” em 2005.Lembro-me de ter comentado, antes de sair, que tinha a sensação de que o texto era pobre. Um limão sem sumo. E fiquei surpreendido quando o jornalista me disse que o diálogo entre o bêbado e o taberneiro era de uma riqueza enorme… Fomos completamente às escuras. Era a primeira vez que tínhamos uma experiência daquelas. Mas à medida que o concurso decorreu ficámos com esperança. Foi uma peça que escreveu propositadamente para o concurso.Foi um texto que juntei a um outro espectáculo que tínhamos feito. Chamava-se “Passado e Presente”. Decorria num largo em qualquer parte do país onde existia uma taberna onde se cantava e dançava. Com o rodar dos tempos instalaram-se lá os indivíduos da droga. Chegaram a comentar que nós não deixávamos esperança nenhuma… Em 2005 voltaram a ganhar…Isso já foi com um quadro de revista, a “Vendedeira da CEE”. Um clássico do nosso grupo. Nessa altura estava o professor João Mota a presidir ao júri e recordo-me que disse que acabava de assistir a um quadro da antiga revista à portuguesa. Não é daquela que se faz agora. É um crítico do teatro de revista. Quando veio para o grupo quis até distanciar-se desse formato…Da revista que se faz actualmente em Portugal. Vemos textos muito pobres, a piada fácil e o exagero no diálogo com o espectador. Tudo tem limites. A revista caiu em descrédito. O teatro de revista está completamente devassado. Se por acaso fossemos ver uma revista do Parque Mayer – eu não, porque não aguento – encontraríamos a Marina Mota, que é belíssima actriz, num espectáculo sem qualquer disciplina. E a disciplina é importante num grupo de teatro. O rigor do texto. O espectáculo tem que ser sempre igual. Temos que ter respeito pelo público para o público ter respeito por nós. Como funciona no grupo de Aveiras?Somos amadores, mas os nossos actores sentem a disciplina que temos que ter em palco. Os actores de revista abusam da interacção com o público, da piada fácil, do palavrão. O palavrão pode cair no momento exacto. Não pode cair a torto e a direito. Já escrevi várias revistas, um teatro musicado, por isso sou um crítico. E já tenho dito – não têm rigor e por isso é que a revista se afundou. Quando devia ser uma coisa potenciada até em termos turísticos. Porque é que isso aconteceu?Até ao 25 de Abril o autor tinha que atacar o regime de forma camuflada. Foi um treino ao longo de 48 anos de fascismo. As pessoas atingiram uma perfeição impressionante da piada camuflada que se podia entender de várias formas e que permitia que cada um tirasse as suas ilações. Além disso os actores eram muito disciplinados. Se a piada saísse a atacar o regime a revista era encerrada. O lápis azul passava por cima. E depois tínhamos grandes autores de teatro de revista. Com o 25 de Abril tudo mudou. A liberdade é muito boa, mas temos que saber utilizá-la. E as pessoas usaram e abusaram. Querem ganhar dinheiro, mas não podemos colher frutos sem semear. Mas os actores profissionais precisam de viver…Os actores têm que viver, mas temos actores a fazer bom teatro. O António Feio com as “Conversas da treta”. Acho que fazem um trabalho sério dentro do que é o teatro comercial. A única coisa que defendo é o respeito pelo público que paga o seu bilhete que não é tão pouco como isso. Preferia um teatro menos comercial?Não sou capaz de fazer teatro como “A Barraca”. Eles são os estudiosos do teatro. Mas também não podemos trazer esse teatro para cá. Teríamos uma sala às moscas. Fazemos um teatro que é do agrado do nosso público. Mas também transmitimos no teatro a nossa mensagem. O teatro tem que continuar a incomodar. Seja o teatro mais rural ou outro.Sente falta de apoio à cultura?Nós fazemos teatro porque amamos o teatro. E tudo o que é feito com amor sai sempre bem feito. Neste momento sentimos mais apoio, mas nunca podemos estar satisfeitos. Acho que queremos sempre mais. Porque as pessoas também exigem mais. Fazer teatro há 40 anos em Aveiras era fácil. Agora, com a televisão, não é fácil. A maior parte dos grupos amadores têm a sala às moscas. Podemos orgulhar-nos de fazer cinco e seis espectáculos com a sala cheia. Mesmo com entradas pagas.Como é que se consegue levar o público à sala?Com espectáculos que sejam do agrado do público. Aqui na vila, quer queiramos quer não, o público é rural. Temos que ser muito críticos de nós próprios, ter respeito pelo espectador e fazer um trabalho sério e honesto. Eles também nos retribuem com o carinho e as palmas. É um trabalho de base. Como é possível motivar um grupo de actores amadores?Eles adoram fazer teatro. Os que não gostavam foram-se embora. E também gostam que os dirija, permita-me a vaidade. Os amadores não são como os profissionais. Vão aperfeiçoando nas horas vagas. Primeiro ficamos motivados. Depois entramos num ritmo violento. É um grupo que podia ser profissional…Não… O ser amador tem uma beleza extraordinária. Um amador faz cinco ou seis espectáculos. Fartou-se, não faz mais. Um profissional tem que o fazer 30, 50 vezes. Os amadores podem dar-se ao luxo de fazer aquilo que gostam. É uma classe privilegiada. Ama o que faz.

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