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“A minha grande ansiedade foi sempre conhecer mundo”

“A minha grande ansiedade foi sempre conhecer mundo”

José Andrade foi deputado, vereador, presidente da Feira do Ribatejo, piloto de ralis e futebolista no Sporting

José Andrade assume-se como um “bom vivant”. Esteve sempre ligado à agricultura e continua a tradição familiar apesar dos rendimentos já não chegarem para manter o património que herdou. Foi deputado aos 25 anos, participou na discussão do projecto que originaria a polémica reforma agrária e defendeu de espingarda em punho uma propriedade do pai que queriam ocupar. Em meados dos anos 60 vendeu um cavalo e foi para Londres viver no terreno a revolução cultural e social que mudou o mundo.

Formou-se em Agronomia em 1974, uma época conturbada…Havia sobretudo uma certa ansiedade de mudança. Na altura do 25 de Abril estava a fazer o estágio. Para os universitários a revolução foi a concretização dessa ansiedade. O problema foi o período subsequente porque houve exageros de toda a ordem. E foi isso que me levou a ter uma participação social e política. É nessa altura que se envolve activamente na política partidária?Quando o Spínola pede a demissão de Presidente da República (30 de Setembro de 1974) entendi que deveria empenhar-me activamente porque as coisas estavam a tomar um caminho contrário à minha maneira de pensar e entro para o PPD (hoje PPD/PSD). Teve uma ascensão rápida. Entra logo para a Assembleia da República.Fui dos mais jovens deputados da primeira legislatura, em 1976. Era um miúdo recém-formado com 25 anos. Tudo aquilo era uma grande novidade. Mas integrei-me relativamente bem e considero que fui um deputado activo sobretudo nas questões mais polémicas na altura, que eram as questões agrárias. Qual foi o seu papel nas questões agrárias?Fiz parte de uma comissão restrita do PPD constituída por três elementos que conseguiu negociar com o ministro António Barreto, do PS, a primeira reforma agrária em 1977. Foi um primeiro passo para consolidar o direito agrário em Portugal. É o seu grande marco político?Não gosto nada de me valorizar. Digamos que foi o meu primeiro contributo para a sociedade e um marco muito importante para a agricultura.Também foi por causa das questões agrárias que chegou a estar preso.Estive preso dois meses em Caxias porque defendi uma propriedade do meu pai, em Évora, que ele tinha comprado com sacrifício e que ainda nem sequer estava totalmente paga. Foi ocupada por homens armados ao serviço do Copcon e do PCP. Arranjei um grupo de amigos e fomos para o terreno armados. Houve troca de tiros e feridos.As pessoas na altura estavam a ser influenciadas politicamente?A ideia de que as ocupações de terrenos após o 25 de Abril eram feitas por trabalhadores não era bem assim. A maior parte das situações foram feitas, infelizmente, por operários instrumentalizados. Outras eram mesmo uma forma de ocupação política que fazia parte da estratégia do PCP.Agora precisávamos de outra reforma agrária?Precisamos é de uma política agrícola diferente. Sofremos de diversos inconvenientes até decorrentes do período revolucionário. Depois, quando entrámos para a União Europeia esta mudou a política agrícola e nós nunca conseguimos consolidar o sector. Por isso é que a agricultura está no estado em que está. A sua família era abastada. Teve uma infância privilegiada?Andei em bons colégios, mas o meu pai fez sempre questão de me colocar no ensino público, felizmente. Isso foi importante porque permitiu que tivesse contacto com a realidade social de Almeirim que tinha carências graves. Mais de metade dos meus colegas da instrução primária andavam descalços e eu era um privilegiado porque já tinha sapatos. Como sabia jogar bem futebol isso facilitou a minha integração nos ambientes mais humildes.Qual foi o episódio que o marcou mais na juventude?Em 1966 com 16/17 anos fui para Londres para viver nesta cidade a revolução dos anos 60. E o pai a pagar…Não! Ele não nos dava dinheiro facilmente. Dava-nos condições mas se quiséssemos fazer despesas extras tínhamos que arranjar dinheiro. Na altura vendi um cavalo que o meu avô me tinha dado. A partir dessa altura a minha grande ansiedade foi sempre ter mundo, conhecer o mundo e vivê-lo. Que é o que faz falta em Portugal porque a maior parte dos políticos é provinciana. Quando é que começa a ter contacto com o campo, com os trabalhos agrícolas?Desde muito novo que ia para o campo com os trabalhadores e aprendi a andar a cavalo. O seu pai era uma pessoa austera como alguns grandes proprietários da época?Era um homem muito rigoroso, mas muito compreensivo e muito amigo dos filhos. Foi o meu melhor amigo. Alguma vez chegou a pegar numa enxada?Imensas vezes. Já abri muitos buracos para plantar árvores. Também gosto de podar. É como um vício. Ando sempre com tesouras dentro do carro. Sempre entendi que dar o exemplo é fundamental e que é importante que as pessoas que trabalham para nós vejam que sabemos fazer e que também nos esforçamos. Ainda no tempo do meu pai quantas vezes estivemos a semear noites inteiras, mesmo à chuva. Depois do seu pai morrer a casa agrícola teve problemas.Até à morte do meu pai mantivemos sempre a casa unida. Depois houve uma série de sarilhos com partilhas. O meu irmão ficou com as propriedades e as duas ganadaria que tínhamos no Alentejo e eu fiquei com os terrenos do Ribatejo. Ele não gosta destas coisas do campo e vendeu tudo. Foi o fim de uma tradição?Foi o acabar com um conjunto de coisas que eram obra da família, dedicações. O exemplo disso foi o fim das duas ganadarias, uma que vinha do meu avô e outra do meu pai, porque não tinha espaço para os animais. Tive imensa pena. Fiquei apenas com os cavalos da coudelaria Lima Monteiro, do meu bisavô, que ainda mantenho. Ainda mantém culturas de regadio na quinta da Azervada em Coruche quando muitos têm optado por arrendar os terrenos. Ainda acredita na rentabilidade da agricultura?Há alturas em que temos que arrendar terras, mas ainda resisto em manter a ligação à produção, apesar de ser uma actividade de risco. Mas já está a virar-se para outros negócios. É sócio de um lar de idosos e de um jardim-de-infância que está a ser construído nas antigas adegas…Para quem teve o azar de herdar um património grande em telhados tem que fazer um esforço enorme para conservar as edificações e a agricultura não gera meios suficientes para isso. É uma questão de criar condições para manter o património de pé. A minha primeira experiência foi adaptar a quinta da Azervada para turismo rural e as coisas estão a resultar. Isto dá motivação para continuarmos a gostar e a manter o que temos. O que vai acontecer a esta casa onde vive e que era do seu pai?Isso é uma grande interrogação. Tenho a sensação que nenhum dos meus filhos quer esta casa, que é muito grande e por isso representa um grande encargo.Esta casa é um autêntico museu de família. Há quadros pintados pela sua mãe, pelo seu irmão Manuel. Não herdou o gosto pelas artes?Não tenho jeito nenhum para pintar. Gosto imenso de escrever. O meu grande passatempo à noite é escrever histórias, relatos do quotidiano, questões técnicas ligadas à equitação. É uma coisa que me dá prazer mas nunca pensei editar livros. Também não é um boémio?Não gosto muito de álcool. Bebo às vezes um pouco de vinho tinto mas muito moderadamente. Não gosto de confusões. Incomoda-me os ambientes de discoteca, o barulho. Mas gosto de viver e posso dizer que ao longo da minha vida fui sempre um bon vivant. É um marialva?Não sou marialva no sentido mental, no sentido da ostentação.
“A minha grande ansiedade foi sempre conhecer mundo”

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