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Um dos raros homens que conseguiu emprego como educador de infância

É homem, educador de infância, muda fraldas e prepara biberões para ganhar a vida. Jorge Marques reconhece que os profissionais do sexo masculino são discriminados mas acredita que com trabalho se pode vencer o preconceito.

No corredor da casa ouve-se um choro de criança. A menina de três anos acaba de acordar e pede colo a Jorge Marques. É o único educador de infância na instituição. A única referência masculina numa casa que acolhe crianças em risco em Santarém.Na Fundação Madre Andaluz o educador é uma espécie de irmão mais velho e amigo. Na cozinha que se assemelha a um espaço de família Jorge Marques movimenta-se à vontade. Está na hora do lanche. Senta a menina à mesa e coloca-lhe o babete. Pouco depois estão quatro crianças à espera da refeição a meio da tarde. Disputam os iogurtes, as bolachas e a atenção do educador, 27 anos. Os outros “residentes” da casa, de idades muito díspares, estão nas piscinas a aproveitar uma tarde de Agosto. Jorge Marques preocupa-se com a forma como as crianças se comportam à mesa e já conhece bem os gostos e temperamentos de cada um. Como qualquer pai. Está há poucos meses a trabalhar em Santarém, mas o balanço que a instituição faz é positivo.“Numa sociedade em que existem cada vez mais famílias mono parentais a existência da referência masculina é mais importante”, reconhece o educador. Uma situação que é agravada quando se tratam de casos de crianças que foram retiradas às famílias por ordem do tribunal e estão à guarda de instituições. Mas para muitas pessoas a figura do educador homem é ainda uma ideia estranha. As estatísticas confirmam o afastamento dos homens de uma profissão marcadamente feminina. De acordo com um estudo do Ministério da Educação “A Educação Pré-Escolar e os Cuidados para a Infância em Portugal”, publicado em 2000, dos 4005 educadores de infância existentes na rede pública do continente apenas 23 eram homens. A percentagem não chegava aos 0,57 por cento. Segundo dados do Sindicato de Professores da Grande Lisboa (que abrange a região de Lisboa e Vale do Tejo e Oeste) referentes a 2007 existiam apenas 24 homens num universo de 1454 educadores de infância. Na região de Santarém e nos concelhos de Vila Franca de Xira e Azambuja encontravam-se apenas seis educadores sindicalizados a exercer.“É uma questão histórica. Desde tempos antigos que é à mulher que cabe a responsabilidade de tratar dos filhos”, analisa o educador. Para Jorge Marques a situação agravou-se depois do processo “Casa Pia” que trouxe à ribalta o fantasma da pedofilia. “Há muitos casos de abusos que envolvem mulheres, mas associa-se sempre mais essa questão aos homens”, confirma o educador que trabalhou durante quase quatro anos numa creche de Torres Novas sem qualquer problema. Ali deixou laços fortes. Na primeira semana reparou que os pais e mães faziam questão de ir levar e buscar os filhos por curiosidade, mas cinco dias depois já estavam habituados. Trabalhou com crianças de dois e três anos. Mudou fraldas, preparou biberões, deu sopas e ajudou a adormecer meninos de colo. Teve a sorte de arranjar emprego pouco depois de acabar o curso. Se fosse mulher ainda lhe teria ocorrido lançar-se por conta própria, mas a diferença de género é castradora numa profissão que discrimina os profissionais do sexo masculino.Quando pensou em ingressar na faculdade teve vontade de tornar-se professor do primeiro ciclo. Só depois surgiu a possibilidade da educação de infância. O curso foi tirado na Escola Superior de Educação de Santarém. Era o único homem da turma. Não se registaram inscrições de alunos do sexo masculino no ano seguinte. Se elas se debatem com dificuldades para encontrar emprego a situação é muito pior para eles. Jorge Marques sentiu esse estigma na pele quando depois de acabar o curso enviou currículos para várias instituições de Santarém e não foi chamado para uma única entrevista. Mas encara o preconceito com uma certa naturalidade. “Acontece nesta área com os homens como acontece noutras áreas com as mulheres”, reconhece.

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