ESPECIAL S.Martinho | 06-11-2008 11:39

Veiga Maltez diz que a Golegã não quer ser uma pequena cidade mas uma boa e grande vila

Veiga Maltez diz que a Golegã não quer ser uma pequena cidade mas uma boa e grande vila

José Veiga Maltez fala da sua política de preservação da identidade única da Golegã, a propósito da Feira Nacional do Cavalo – S. Martinho, confessa o seu interesse pela personalidade do Rei D. Carlos I e diz que está a chegar ao fim do seu ciclo autárquico.

Defender a tradição é congelar uma época?A tradição não é estanque. A tradição integra sempre elementos modernos. Tem alguma continuidade.Em ocasiões especiais o senhor veste um traje de lavrador do século XIX. Com isso pretende simbolizar a preservação da tradição da Golegã. Mas quem escolheu um traje daquela época e não de outra foi o senhor. Podia ter recuado mais cem anos ou duzentos e vestir-se de maneira bem diferente mantendo a tradição.Eu uso o que os meus tios e os meus avós usavam. Mas uso uma camisa dos tempos de hoje, por exemplo. Uso o meu relógio de pulso em vez de um relógio de bolso com corrente. Não uso colete. Adoptei o traje mas introduzi-lhe alguma modernidade. Actualizei-o. Coloquei-o nos tempos de hoje sem o desvirtuar. O Presidente da Câmara, nos dias de festa, veste a roupa dos seus avós. Aconselha os goleganenses a fazerem o mesmo?Não o devo fazer. Talvez com alguma persuasão pudesse levar pessoas a fazê-lo mas não pode ser uma obrigação. As pessoas têm que se sentir bem e fazer as suas escolhas. Mas se reparar bem, não é só o Presidente da Câmara que enverga o traje tradicional. De um modo geral as pessoas que estão ligadas ao cavalo fazem-no. Há restaurantes onde é obrigatório usar gravata. Há cerimónias onde é exigido traje de noite. Na Feira da Golegã também há regras ao nível do vestuário?As pessoas quando vão para o Picadeiro Central, que é uma espécie de sala de visitas da Golegã, têm que estar trajadas a rigor. Podem estar trajadas à portuguesa, à espanhola, à húngara, à inglesa. Mas têm que estar trajadas de forma a honrar o local e o acontecimento. Não dizemos às pessoas o que devem vestir mas exigimos que se vistam de forma a respeitar a Feira.Na manga os cavaleiros podem andar vestidos como quiserem. Calças de ganga, inclusive. Aí é diferente. A Feira continua a ser uma romaria e numa romaria aparece gente de todo o lado. Já não vêm negociantes vender mulas ou burros como antigamente mas manteve-se a vertente popular. Já há poucas feiras destas. Este lado genuíno é que faz da Feira da Golegã uma das mais típicas e tradicionais. Aqui as pessoas encantam-se. Vem muita gente exibir-se à feira com os seus cavalos, as suas charretes. É uma feira de vaidades?Cada pessoa terá as suas motivações mas nós aqui não encenamos nada. Este é um espectáculo espontâneo. Com conteúdo e substrato. Isto não é nenhuma invenção folclórica. Nós aqui não inventamos nada. Limitamo-nos a redescobrir as potencialidades. A maior parte daquelas pessoas que aqui vem trajada a rigor, não fez a roupa para se exibir na Feira. Usa-a noutras ocasiões de cerimónia. Tem orgulho em fazê-lo.No editorial da revista da Feira diz que o 25 de Abril matou a Feira Nacional do Cavalo que tinha surgido em 1972 mas que a Feira de S. Martinho se manteve e foi possível recuperar a Feira do Cavalo em 1977 graças a isso. Qualquer revolução é feita de modo abrupto. Muitas vezes anula o que está mal e o que está bem. Aqui havia coisas que estavam bem mas que não podiam existir na altura de acordo com o pensamento dos revolucionários eufóricos porque eles viam os nossos usos e costumes como algo retrógrado. Depois da euforia as pessoas reflectiram e perceberam que as coisas tinham que voltar a ser como eram.Um regresso ao passado?Nada disso. Um regresso aos nossos valores. Ao que era e é nosso. O concelho da Golegã tem uma identidade multi-secular e um legado civilizacional e histórico tão rico que não pode ser anulado. Tem alguma coisa contra o 25 de Abril?Eu costumo dizer que se não fosse o 25 de Abril eu não seria Presidente da Câmara.Não será bem assim. Para um filho de uma família de trabalhadores seria difícil chegar a presidente de câmara no antigo regime mas o senhor é filho de uma das grandes famílias do concelho. Só não seria presidente da câmara se não quisesse.Como era um bocadinho rebelde num certo número de coisas, com certeza que a União Nacional não me tinha como um bom filho. Mas não era um oposicionista.Não. O meu pai era um crítico. Nunca votou, o que naquela altura era complicado para um servidor público. Fomos habituados a analisar, discutir, criticar. Eu agora não conseguiria viver noutro sistema que não fosse o democrático.A Feira de S. Martinho era uma manifestação popular. A Feira do Cavalo era uma manifestação da burguesia rural.Nesta Feira, campinos, coudeleiros, lavradores, trabalhadores rurais, comerciantes estavam todos envolvidos. Aqui todos eles conviviam. Ainda hoje é assim. Há um respeito mútuo. Uma casa agrícola tem orgulho nos seus campinos e os campinos têm orgulho em pertencer a uma Casa que dá bons produtos e que divulga bem os nossos valores. Isto é assim. É aceite naturalmente. Não é imposto. Por isso é que, passada a euforia revolucionária e recuperado o bom senso a Feira voltou a ser como era. Aqui na Golegã o campino não é o rei da Festa.Tem razão. Associam muito mais o campino ao Colete Encarnado, por exemplo. À antiga feira do Ribatejo. Aqui o rei da Festa é o cavalo.À antiga Feira do Ribatejo? E porque não à actual?Actualmente quando estou na Feira do Ribatejo no CNEMA (Centro Nacional de Mercados Agrícolas em Santarém) não me sinto no Ribatejo. Aquilo é igual ao que acontece em Feiras que se realizam em Frankfurt ou Paris, por exemplo. Se não fossem os olivais ao longe eu nem me sentiria na Península Ibérica.O que aconteceu em Santarém não pode vir a acontecer aqui?Nunca! Nunca! Se tirarem a Feira deste local matam a Feira. Este é um local único.As recentes polémicas à volta de eventuais fraudes na genealogia de cavalos lusitanos pode afectar a Feira?De modo algum. Eu como criador do puro-sangue lusitano não gosto que estas situações aconteçam mas os casos foram sanados ou estão em vias de o ser e o que se passou não maculou a criação. E ainda bem que assim foi porque são divisas que entram no país, principalmente pelas vendas para a Europa e América. Ainda há quem levante a questão da comercialização da água-pé?Penso que continua em vigor a lei que permite a venda da água-pé no S. Martinho numa única localidade de Portugal que é a Golegã. Mas continue ou não, este produto é tão nosso que seria ofensivo que alguém pretendesse tocar-lhe. Eu só espero é que venha frio porque nos últimos anos não tem havido frio suficiente para fazer água-pé tão boa como nós desejávamos.Gosta de água-pé?As minhas bebidas preferidas são a água e o vinho tinto. Tenho pena que aqui na Golegã só exista um produtor de vinho tinto.“D. Carlos é um Rei interessantíssimo que vale a pena descobrir”Decidiram integrar as comemorações D. Carlos 100 anos na Feira Nacional do Cavalo. Tem alguma costela monárquica?Primeiro que tudo sou constitucionalista. Mas repare, na Europa civilizada, a monarquia tem preponderância. Espanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega.Está a falar como um monárquico.Eu só não sou monárquico porque não aceito que o filho do Rei, mesmo tendo alguma deficiência congénita, tem que ser rei. Mas os monárquicos rebatem esta minha objecção muito facilmente, arranjam logo uma saída.O cavalo é monárquico? É, de alguma forma, uma referência da monarquia?Não. Há essa associação porque a transição para a era do automóvel coincide com o fim da monarquia. É uma coincidência a perda de importância do cavalo ter acontecido na altura da queda da monarquia. O rei D. Carlos também se deslocava de automóvel.Sim, sim. Não sei se conhece a história mas o irmão do Rei D. Carlos, o Afonso, era popularmente conhecido pelo “Arreda”. Ele era endiabrado e tinha um automóvel. Quando passava com ele, a velocidades que para a época eram elevadas, pelas ruas de Lisboa, as pessoas gritavam: “Arreda, arreda”.Voltemos ao Rei D. Carlos. É a fotografia dele a cavalo que foi escolhida para a capa dos programas da Feira Nacional do Cavalo – Feira de S. Martinho, deste ano. Ele tinha alguma ligação à Golegã?Para além de qualquer ligação D. Carlos é um Rei interessantíssimo que vale a pena descobrir. Era um cientista, um pintor, um diplomata. E para além de todas as qualidades que lhe são reconhecidas era um exímio apaixonado pelo cavalo. Há registo da vinda dele regularmente à Golegã?Penso que não. Nunca procurei. Quem vinha aqui regularmente era o pai dele, o Rei D. Luís. Foi várias vezes fotografado pelo Carlos Relvas. Dizem que o Carlos Relvas foi uma das testemunhas de baptismo de D. Carlos. No dia de S. Martinho (11 de Novembro) é inaugurada a Exposição “D. Carlos, um Rei Constitucional” e o Coronel José Henriques profere uma palestra sobre o tema “D. Carlos e o Cavalo”…E vou receber pela primeira vez o legítimo herdeiro da coroa portuguesa em acto oficial.Nunca teve oportunidade de o receber antes?Eu só poderia receber oficialmente D. Duarte Pio de Bragança após 2006, altura em que o Estado Português deliberou conceder-lhe representatividade política, histórica e diplomática. Eu como Presidente de uma Câmara Municipal da República Portuguesa posso agora recebê-lo oficialmente, o que farei com todo o gosto.“Estou no fim do meu ciclo autárquico”Porque decidiu fazer um pórtico num das entradas da Golegã? O pórtico serve para dar informação imediata a quem entra, do local onde vai entrar e do que vai encontrar. E o que vai encontrar? A nossa urbe tradicional rural. Uma terra com uma identidade muito própria e com valores antigos. Temos muitas urbes citadinas à nossa volta. Entroncamento, Torres Novas, Tomar. Nós não queremos ser cidade. Não queremos ser uma pequena cidade ou uma má cidade. Queremos ser uma grande e boa vila. É isso que nós somos. Num mundo globalizado e uniformizado queremos manter as nossas características. Preservar a diferença. Aquele Pórtico. Aquela porta do Norte ou a porta de Fernão Lourenço - conselheiro de D. Manuel I que tinha terras aqui na zona e foi, em parte, responsável pela construção da Igreja Matriz – é a entrada da urbe. Não temos muralhas. Não temos castelo. Mas temos história. Em 1520 D. Manuel I deu Foral à Golegã e em 1537 D. João III elevou-a à categoria de vila.Quem desenhou o pórtico?Fui eu. Se não fosse médico seria arquitecto. É algo de que gosto. É uma ideia minha que defendi junto do executivo municipal que a aceitou. Fiz o esboço e a nossa arquitecta e os nossos serviços concretizaram a obra. O pórtico tem inspiração na arquitectura da portugalidade. A arquitectura de Raul Lino, que fez a Casa dos Patudos, por exemplo, e de Amílcar Pinto que sentiam e traduziam nas suas obras a maneira de ser portuguesa. Tem o beirado à portuguesa. Tem as cantarias. Tem o branco, o ocre. E depois tem uns elementos que achei interessante pôr. Os azulejos mouriscos iguais aos dos altares laterais da nossa Igreja Matriz quinhentista, por exemplo. Que importância tem para a Golegã?O pórtico para nós é importante por uma razão. Vai separar a urbe tradicional rural de tudo o que vai surgir na zona da Avenida D. João III, a que vulgarmente chamamos variante quando vier o IC3. Vai separar o que é antigo, da Golegã mais moderna onde se podem fazer construções de arquitectura mais arrojada e moderna porque não vale a pena andar sempre a fazer casas do século passado. Os críticos mais cáusticos já dizem que o pórtico parece a entrada para a quinta do Dr. Veiga Maltez.Acho interessante porque eu, efectivamente, trato o concelho da Golegã como se fosse a minha própria casa. Com dedicação e entrega. Dou atenção aos recantos. Aos pormenores. Quero que as pessoas se sintam bem na sua própria terra. Antes de eu ser presidente a Golegã vivia um síndrome ansioso - depressivo.Um síndrome ansioso - depressivo?Nós gostamos que as pessoas que nos visitam gostem da nossa terra e sintam que aqui se vive bem. E as pessoas tinham alguma angústia porque não estavam bem na sua pele. Acha que conseguiu tratar a doença?Consegui que a Golegã se sentisse melhor. Mas não consigo erradicar o mal. Pelo menos a minha oposição, de vez em quando, anda ansiosa ou deprimida. Pela maneira como fala está preparado para voltar a candidatar-se e continuar o seu trabalho.Eu trabalharei sempre em prol da Golegã.E como presidente de câmara trabalhará até ao limite que a lei lhe impõe?Eu acho óptimo o limite de mandatos. Mas isso não se aplica a si nesta altura.Eu estou disponível mas o meu maior interesse é que a Golegã continue na senda do progresso e do desenvolvimento nesta vertente traçada por nós, que a diferencia dos outros, isso dá-me uma maior tranquilidade e pode ser feito sem mim.Poderá fazer mais um mandato.Aprendi na política a não dizer nunca e jamais mas estou a chegar ao final do meu ciclo autárquico. Ele pode ter uma pequena prorrogação, mas está a chegar ao final. Sinto isso. As renovações são boas. Mas logo se verá.

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