A Dona Mirita, o Senhor António e o David

A minha missão era entrevistar um casal que perdeu o filho num acidente de viação na ponte Salgueiro Maia, em Santarém, no verão de 2007 – três dias antes de completar 28 anos. Um desafio nada fácil uma vez que sabia que ia tocar em feridas que ainda não estavam saradas e lidar com uma enorme carga emocional. Mas trabalho é trabalho e encarei-o com o maior profissionalismo.Quando cheguei ao local encontrei uma senhora magra, de baixa estatura, vestida de preto que me comoveu. A dor estava estampada no rosto. Bastou fazer a primeira pergunta sobre o filho para o olhar da dona Mirita se iluminar. A meio da conversa juntou-se o marido. De pele e olhos claros. Também vestido de preto. Ficou de pé a observar a nossa conversa. A meio do diálogo não aguentou o reavivar das memórias e desabafou. Disse o que lhe ia na alma e estava silenciado há tanto tempo. Todos os dias antes de irem trabalhar vão ao cemitério visitar a campa do filho que perderam num estúpido acidente.Foi com o coração apertado e um nó na garganta que vi o senhor António chorar a morte do filho à minha frente. Senti-me culpada por estar a fazê-los reavivar momentos dolorosos. Foi com dificuldade que me despedi deste casal.Também o David não foi capaz de me deixar indiferente. Um jovem que teve a infelicidade de ficar preso a uma cadeira de rodas após ter sofrido um acidente de viação. Tinha 20 anos. Que apesar de todas as adversidades da vida não baixou os braços e foi à luta. O seu sorriso encanta qualquer um. E a sua vontade de vencer, voltar a andar e ser independente não deixa ninguém indiferente.O acidente afectou-lhe a fala mas isso não foi impedimento para que conversássemos bastante sobre os mais variados assuntos. David garantiu-me que não vai desistir enquanto não conseguir voltar a andar e a falar. Disse-me, com um enorme sorriso no rosto, que ainda tem uma vida inteira pela frente e quer aproveitá-la da melhor forma possível.Uma das regras do jornalismo manda que o repórter seja imparcial e não se envolva emocionalmente nos trabalhos que realiza. É verdade. Mas nem sempre isso é possível. Existem histórias que nos marcam e fazem-nos ver o mundo sob outra perspectiva. E que acabam por contribuir para o enriquecimento da nossa formação pessoal e profissional.

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