Estive quase a ser famoso

Eu de leis pouco percebo mas pelo que ouvi da sentença o Ministério Público é responsável por eu não ter aparecido nos telejornais das oito da noite. Confesso que não procuro fama nem glória mas daquela vez valia a pena. Eu ia entrar na história como o primeiro jornalista a ser condenado por derrotar eleitoralmente um candidato à presidência de uma câmara, graças a meia dúzia de textos satíricos publicados em O MIRANTE. Não entrava sozinho pela porta grande do reconhecimento público mas pelo menos ia bem acompanhado. Para além de mim havia mais dois acusados. O administrador do jornal, Joaquim Emídio e o Chefe de redacção, João Calhaz. O ex-presidente da câmara de Santarém, derrotado nas urnas por Moita Flores, acusava-nos, entre outras coisas, de sermos responsáveis pelo seu fracasso eleitoral.Há publicitários que se gabam de ter conseguido a eleição dos seus clientes políticos mas nunca se fez prova de tal coisa. Numa altura de grande fulgor da SIC, o então director, Emídio Rangel, terá dito que era possível vender um político como um sabonete. Mas uma coisa é dizer e outra fazer. Quando me sentei no banco dos réus não parava de pensar naquilo. Se o Tribunal considerasse que as minhas tiradas humorísticas tinham determinado o resultado das eleições eu teria conseguido provar décadas de teorias. No final tive azar. A acusação não estava nos conformes e ficou tudo em águas de bacalhau. Tive que me conformar. Nunca uma absolvição me deu tanta tristeza.Desabou em cima de mim o fardo do desapontamento. As minhas piadas sobre o queixoso não iriam ser citadas na blogosfera. As produções fictícias não me iriam convidar para integrar o grupo dos Gato Fedorento. O Herman José nunca pensaria em mim para lhe escrever anedotas. Os candidatos a presidentes de câmara da região não iriam recorrer aos meus serviços para derrotar os seus adversários instalados no poder. Depois daquele episódio confio um bocadinho menos na justiça portuguesa. Não há direito que falhem tão escandalosamente. E eu que pensava que falhanços daqueles, de baliza aberta, só aconteciam com o Nuno Gomes, o Lisandro Lopez e o Hélder Postiga. Só não me sinto pior por duas razões. Porque o juiz que presidiu ao colectivo tinha um sentido de humor fabulástico e porque houve quem tivesse ficado mais desapontado que eu ou que o próprio queixoso. Refiro-me à juíza que analisou o caso na altura do debate instrutório. Aquela que perante um pedido de um de nós para dizer qualquer coisa, nos condenou de imediato mesmo não sendo hora de ditar sentenças. “Não”, disse ela. E acrescentou “Já deviam saber que aqui não podem falar. Não é só escrever mentiras no jornal”. Isto antes de marcar o dia em que iria proferir - com toda a isenção e independência, pois claro - a sua decisão…aquela mesmo que tinha acabado de proferir.

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