Guia para sair do rame-rame

Um exército de obreiras enfurecidas ataca. São centenas de abelhas enfurecidas a defender as colmeias onde está o precioso mel. De fato branco de lona resistente que me cobre todo o corpo, capacete de rede e luvas, avanço empunhando a máquina fotográfica, no meio da névoa saída do gatilho do fumigador. Depois dos frascos enchidos chega o petisco. Assim se passa a manhã de um sábado. Ficar na cama? Era bom, para retemperar forças. Mas no final fica a sensação de ter valido a pena.Este é um daqueles privilégios da profissão. Fugir à rotina. Saber que não vou estar diariamente a fazer as mesmas coisas. Só penso de forma diferente quando apanho algum “pincel”. Daqueles bem áridos mas que me ocupam horas e horas. O desporto também proporciona bons momentos a um repórter ousado. Um dia fui com um entrevistado dar uma voltinha num Austin Healey. Sem bacquet nem cinto de segurança, até me doíam os músculos de ir tão contraído. De repente, o capot abriu-se e o condutor deixou de ver a estrada numa altura em que já devia ir a 200 à hora. Ganhei meia dúzia de cabelos brancos.O futebol ainda é mais tenso. Os adeptos enervam-se. Quem disse que só os árbitros é que ouvem das boas?! Num jogo entre equipas do campeonato distrital um melga moeu-me a cabeça durante 45 minutos. “És isto, és aquilo, faço-te isto e aquilo”. Não fez nada do que disse mas encheu-me os ouvidos de porcaria.Em cidades e lugarejos, que só nesta profissão é possível ficar a conhecer, vivo as tristezas e alegrias de quem lá mora. Como é bom relatar a felicidade de três irmãos idosos, a viver há trinta anos num casebre imundo, quando a câmara os realojou numa mini-vivenda.Na Parreira, o fadista João Chora que eu fora entrevistar disponibilizou-se para empurrar a carrinha do jornal que tinha ficado atolada junto a um tentadero. Que nunca lhe faltem as forças. Para cantar ou para ajudar os outros. Em Salvaterra senti-me como Sir David Attenborough a fotografar veados à solta. Na mesma semana visitei uma família que vive, em Santarém, dentro de um velho contentor frigorífico.Bebi uns fininhos na taberna da dona Cila, em Pontével, para sentir o pulsar da tradição. Em Riachos estreei-me a ver o desfile da Bênção do Gado. Mais recentemente vi de perto o Pantera Negra, o grande Eusébio, e assisti a um espectáculo da fadista Ana Moura em Coruche. Tanto palavreado para dizer que, apesar de ocasionais pensamentos negativos e das horas perdidas em detrimento de bons momentos com a minha filha Danielita, não troco por nada a caneta, a máquina e o caderno, nem as amizades conquistadas, ou as aldeias e vilas conhecidas à custa da profissão.

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