O padre exorcista e o jornalista doutor

Um dos privilégios da profissão é ter acesso a personalidades encantadoras que em cada depoimento acrescentam algo ao nosso disco rígido. Nunca vou esquecer entrevistas que tive o prazer de fazer com pessoas como Mariana e Francisco Viegas, Manuela Azevedo, Veríssimo Serrão, José Niza, Elvira Fortunato ou António Manuel Baptista. São pessoas que construíram o seu caminho sem favores e com muita dignidade. Cito-os para confessar que me tornei uma pessoa mais sábia e melhor formada depois de falar com eles. Evoco-os e saúdo-os (mesmo que a título póstumo no caso do doutor Francisco Viegas) para convocar outra personagem fascinante que só poderia conhecer mais de perto dada a minha profissão. Foi por e-mail que fiquei a saber que nos arredores de Fátima havia um padre exorcista. O padre Humberto Gama, homem culto e irreverente, transmontano de gema, que viveu nos Estados Unidos e em tempos foi autarca por terras de Murça e Mirandela, desceu até às terras dos pastorinhos para ajudar quem pensa estar atormentado pelo demónio. Pelas suas indicações, não havia nada que enganar: a sua casa era onde encontrássemos um magote de gente à porta. Chegámos à hora de almoço, comiam o padre e duas colaboradoras na varanda do primeiro andar da vivenda. Cá em baixo, para além de um Mercedes e de um BMW estacionados no quintal, nem vivalma. A hora não era propícia a entrevistas. Fomos também – eu e o camarada António Palmeiro – dar alimento ao diabo que nos roía as entranhas.Uma hora passada batemos à porta. Cavalheiro, o padre Gama manda-nos entrar para uma sala misto de templo, espaço de reuniões e sala de espera onde não faltavam revistas profanas. Um casal aguardava o exorcista. Gente simples, vinda do Norte, que teve de aguardar pelo final da conversa com os jornalistas onde o sacerdote banido pela Igreja Católica não deixou os créditos por mãos alheias. Nunca me esquecerei da passagem em que disse que sempre que sentia a proximidade de um morto arrotava. No final da entrevista, perguntámos se podíamos assistir a uma sessão de exorcismo. O padre Gama escusou-se, prometendo que permitiria quando tivesse um cliente que antecipadamente desse autorização. Trouxa arrumada e já dentro da carrinha, prestes a regressar a Santarém, o padre Gama bate-nos no vidro e faz-me sinal para sair. “Você vai assistir a um bocadinho da consulta e sai quando eu disser. Você é um doutor meu amigo”. Dito e feito.Sentei-me na sala da consulta, com o casal nortenho de costas para mim e de frente para o padre. A senhora queixava-se de ter tendências suicidas e outros comportamentos estranhos. Humberto Gama traçou-lhe o diagnóstico: era o espírito da mãe, que lhe morrera nos braços, que a apoquentava e a puxava para junto dela. Depois, virou-se para mim e disse: “Agora já pode sair doutor”. E foi assim que saí de Fátima com um doutoramento honoris causa passado pelo padre Gama.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo