A Matança do porco

Em Martinchel, Abrantes, foi recriada uma matança do porco. Mas como a tradição já não é o que era, antes de ser abatido o animal foi anestesiado por um veterinário e para o chamuscar foi usado um maçarico em vez da tradicional carqueja.

Às 10h00 da manhã de sábado, em frente ao Ecomuseu de Martinchel, Abrantes, está tudo a postos para a matança do porco. O animal, de 80 quilos, chegou ao local onde se realiza todos os domingos o mercado rural, na carrinha de Augusto Serras, um criador de porcos.Luís Magalhães, 65 anos, um mestre na lide da matança do porco, é o responsável por dar a facada ao animal com a longa e afiada lâmina de dois gumes, própria para aquelas ocasiões. Ao contrário do que acontece normalmente, não se ouviram os guinchos de sofrimento porque o animal foi anestesiado, alguns minutos antes, pelo veterinário municipal, Pedro Godinho. Uma exigência da Direcção Geral de Veterinária, que autorizou a recriação.Depois do abate, cinco voluntários reúnem-se à volta da mesa de madeira ao ar livre para chamuscar o animal. Não usam carqueja como antigamente, mas a chama do maçarico ligado a uma botija de gás. “Nem acenderam uma fogueira”, queixa-se um popular mais antigo. Enquanto se queimam as cerdas do porco, o cheiro característico a “chamusco” vai atraíndo alguns curiosos, A pele é entretanto lavada com água e um esfregão. O porco ainda está deitado sobre a mesa de abate quando lhe começam a retirar as vísceras, algumas das quais serão cozinhadas. Um prato a que chamam fressura. Entretanto as funcionárias do Ecomuseu arranjam alguidares para colocar a carne de melhor qualidade.O animal é transportado para o interior para acabar de ser limpo e inspeccionado pelo veterinário. Todos se afadigam a pendurá-lo num gancho. “Tantos homens para pendurar um porco. Eu sozinho já o tinha pendurado”, critica um dos observadores.Alguns minutos depois, com a colaboração dos populares, a sala está transformada numa sala de desmancha. Sobre três mesas colocadas em fila os mais experientes vão cortando as febras para assar, enquanto algumas mulheres as salgam. Para fazer render a carne, a presidente da junta, que ajudou no corte e no tempero, de mangas arregaçadas, propõe um guisado para alimentar os populares durante a tarde. “Ficam cá até ao fim da tarde? Podemos ir buscar umas couves e fazer um cozido”, convida.Na rua prepara-se o guisado da fressura num pequeno fogão a gás. Fernando Pedro revela os temperos desse “primeiro petisco” – a que chama miangas e que espalha um cheiro que vai deixando os populares de água na boca - “salsa, sumo de laranja, sal, cominhos, alho e vinho”.Os mais novos, desinteressam-se das artes da desmancha e vão para perto do assador de pão na mão, à espera que saiam as primeiras febras. Um dos observadores mais críticos da matança do porco gostou da ideia, mas garante que “não foi feita como antigamente”. José Luís Júnior, 71 anos, diz que no seu tempo usavam carqueja, giestas ou caruma para chamuscar o porco. “O toucinho era colocado em cima de uma manta de palha de centeio para se manter amarelo. Durante a matança do porco reuniam-se os amigos, a pessoa mais credenciada dizia algumas palavras e comia-se. Era uma verdadeira festa e às vezes ouvia-se mesmo o som do acordeão”, recorda.A matança do porco insere-se nas actividades do Eco-museu. O padre da aldeia encarregou-se de fazer a divulgação do evento na missa e toda a população foi convidada a participar na actividade. A iniciativa foi realizada num só dia, apesar de tradicionalmente a matança do porco se prolongar para o dia seguinte com a preparação da carne para os enchidos. Também por isso muitas das partes do porco não foram aproveitadas, como “o sangue que era usado para fazer morcelas”, como recorda uma das vendedoras do mercado rural, Clarice Inácio.

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