O culto que a igreja quis silenciar

Muitos dos habitantes de Asseiceira, Rio Maior, continuam a crer que Nossa Senhora apareceu ali várias vezes a um menino chamado Carlos Alberto. Cinquenta anos depois da primeira aparição, o culto mantém-se apesar da rejeição da Igreja Católica. No local pedem-se graças, pagam-se promessas e movimenta-se dinheiro.

Foi há 50 anos que Nossa Senhora apareceu a uma criança de Asseiceira. Pelo menos é essa a crença popular que se materializa todos os dias na reza do terço no chamado recinto das aparições e que no último fim-de-semana arrastou cerca de duzentas pessoas àquela aldeia do concelho de Rio Maior. Apesar da rejeição da Igreja Católica, que em tempos chegou a excomungar quem frequentasse o local.A maior parte dos devotos são oriundos do concelho de Rio Maior, mas a fama de Nossa Senhora do Rosário de Asseiceira também chega a outras paragens. Joaquina Raquel Alcobia, 62 anos, vem de Alcochete vender produtos hortícolas ao mercado de Santana e passa por ali todos os domingos para oferecer flores à imagem. É apontada como uma devota modelo. “Até que eu possa virei sempre. Nossa Senhora ajudou-me muito na minha vida”, diz. A romagem atinge o seu ponto alto todos os dias 16.Junto à “capelinha das aparições” não estão mais de 200 pessoas, na sua maioria já de idade. Há quem empunhe velas, terços, crucifixos, comprados numa espécie de loja de apoio ao recinto, onde se podem ainda adquirir retratos do vidente, em criança e em adulto, por um euro ou um livro sobre a sua vida.Mas a maior fonte de receita vem das dádivas em ouro, apesar de as ofertas já terem sido maiores. Um elemento da comissão garante-nos que num cofre-forte de um banco estão guardadas “dezenas de milhares de contos”, sobretudo em ouro. Muita gente ali deixou brincos e anéis a Nossa Senhora “pelo milagre que lhes concedeu”, conforme se regista no Livro das Graças. Gente que veio de vários pontos do país nos tempos áureos do culto – as décadas de cinquenta, sessenta e setenta. Gente que ali deixou vestidos de noiva, fatos de baptismo, fotografias, figuras em cera e até fardas militares para agradecer.Ainda hoje a Igreja trata o assunto com pinças. Não concede credibilidade ao culto ali celebrado e não participa nas actividades ali desenvolvidas. Mas, paradoxalmente, aceitou integrar os fiéis de Nossa Senhora do Rosário de Asseiceira na Comissão Fabriqueira da Paróquia de Rio Maior. E até admitiu para o seu domínio todo o espaço designado por “recinto das aparições”. Como contrapartida, o compromisso firmado em letra de lei prevê que sejam os católicos de Asseiceira a administrar as dádivas dos fiéis – que para já querem ver aplicadas no arranjo da capelinha e do recinto - e que o culto ali celebrado não seja objecto de “publicidade”. A esperança da hierarquia católica talvez passasse por tentar circunscrever o impacto do fenómeno, reduzi-lo na sua dimensão, já que não foi possível acabar com ele. Pouco depois das duas da tarde a imagem sagrada e os pendões que integrarão a procissão saem dos seus depósitos rumo à capelinha. Os fiéis seguem o cortejo entoando cânticos semelhantes aos que se escutam na Cova de Iria. Na letra, a Cova de Iria é substituída por um loureiro. O 13 de Maio é trocado por 16 de Maio, porque foi a 16 de Maio de 1954 que Carlos Alberto, então aluno da quarta classe da escola primária de Asseiceira, afirmou ter visto Nossa Senhora junto a um loureiro quando estava a rezar. Apresentou-se como “Mãe do Redentor”, quando o jovem se assustou com o “ramalhar” das folhas. A árvore ainda hoje se mantém de pé. A partir daí, até Janeiro de 1955, a criança garantiu que falou todos os dias 16 com Nossa Senhora. Por vezes à frente de milhares de pessoas. Há quem diga que chegaram a juntar-se 50 mil pessoas no local em 16 de Dezembro de 1954. A imprensa da época relata os exames a que o jovem foi submetido em Santarém e Lisboa para averiguar da sua sanidade mental – nada foi diagnosticado de anormal - e faz referência a grandes concentrações de pessoas em busca de um milagre. E ainda hoje são muitos os que dizem ter presenciado acontecimentos sobrenaturais ou assistido a milagres, como o do cego Silvério da Costa que de repente começou a ver.

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