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“Existe discriminação das mulheres no acesso ao emprego”

“Existe discriminação das mulheres no acesso ao emprego”

Conselheira Municipal para a Igualdade de Vila Franca de Xira diz que há um longo caminho a percorrer

As mulheres são as que mais sofrem o desemprego e a pobreza. Têm os ordenados mais baixos, mas ainda assim são as que acumulam mais horas de trabalho por serem as grandes cuidadoras da família. Os homens já partilham as tarefas, mas há um longo caminho a percorrer, diz a Conselheira Municipal para a Igualdade de Vila Franca de Xira, Helena Seita Gonçalves.

A existência de uma conselheira para a igualdade pressupõe que as diferenças não estão esbatidas.Não estão, de facto. Em termos legislativos, como em outras áreas no nosso país, estamos muito bem. A Constituição da República institui o princípio da igualdade referindo que ninguém pode ser beneficiado ou prejudicado em função do sexo, raça, religião ou orientação sexual. A realidade e as estatísticas dizem-nos que, embora os progressos nesta área tenham sido grandes nos últimos anos, estamos muito longe de uma igualdade de oportunidades e de direitos. Não queremos que os homens e as mulheres sejam iguais. O que se pretende é que as pessoas independentemente do sexo tenham os mesmos direitos e mesmas oportunidades.A que estatísticas se refere?Vila Franca de Xira acompanha a tendência nacional. O desemprego é sempre superior nas mulheres.E porquê? Em alguns casos é opção da família que a mulher fique em casa...Essa opção é cada vez mais rara, nomeadamente para as famílias da classe média que precisam dos vencimentos do homem e da mulher para sobreviver. Essas opções só acontecem em meios sociais privilegiados. O que eu acho é que existe discriminação no acesso ao emprego para as mulheres. Desde logo porque são as mulheres que são mães, que têm os filhos e isso pode ser um constrangimento para as empresas. Mesmo quando já têm filhos?Mas podem vir a ter mais. E não só por isso. Há determinados cargos que são tradicionalmente mais masculinos. No concelho, segundo dados do Instituto do Emprego e Formação profissional referentes a 2006, do total de desempregados 55,4 por cento eram mulheres. São também as mulheres que são mais vulneráveis aos fenómenos da pobreza e da exclusão social. São elas que mais recorrem ao rendimento social de inserção. Como justifica esta situação?As mulheres têm percursos profissionais mais instáveis que os homens por causa da questão dos filhos e muitas vezes estão também dependentes dos maridos. Quando há divórcio são elas que ficam com os descendentes. As famílias mono parentais, está provado, são mais vulneráveis à pobreza. A própria sociedade ainda não se adaptou. Há jardins-de-infância que funcionam em horários incompatíveis…Muitas vezes os horários não vão ao encontro das necessidades das famílias. Isso é também constrangimento para a empregabilidade das mulheres. Se alguém tem que prescindir dessa parte importante da vida, que é ter uma actividade profissional, são as mulheres, e não os homens.Mas alguns pais começam a levar os filhos ao infantário. Naturalmente que há progressos. Basta pensar como tudo funcionava há 20 ou 30 anos… Mas as mulheres continuam a ser as principais responsáveis pelas tarefas domésticas. As mulheres trabalham em média mais três horas que os homens. Continuam a ter uma sobrecarga. Aquilo que normalmente se chama a dupla jornada de trabalho. O ritmo a que as mulheres entraram na esfera pública não é igual ao ritmo em que os homens entraram na esfera privada. É comum ouvir dizer que “o marido até ajuda”…E não é correcto…Quando se diz que o marido ajuda em casa está a partir-se do princípio que as tarefas domésticas são da responsabilidade da mulher. Ainda não existe partilha verdadeira. E isto também as impede muitas vezes de terem oportunidades de carreira diferentes. Muitas vezes são condicionadas por terem a responsabilidade dos filhos. E com entrada acelerada da mulher no mundo do trabalho a situação dos filhos fica mais desprotegida? Passam a ficar mais tempo nas instituições…A família é o primeiro espaço de socialização das crianças, mas existem outros que podem ser tão enriquecedores. O facto das crianças estarem em instituições é positivo porque têm contactos com outras crianças e estímulos. O que interessa, tanto para mães como para pais, é a qualidade do tempo que se passa com os filhos. As desigualdades sentem-se também ao nível económico.Parece irreal, mas é verdade que as mulheres auferem em média salários mais baixos que os homens. Em 2005 em Vila Franca de Xira as mulheres auferiam uma remuneração média mensal de cerca de 684 euros enquanto nos homens esse valor era de 891 euros. E porque é que isso ainda acontece?Porque há uma discriminação efectiva pelo facto de se serem mulheres. Tradicionalmente a mulher era a cuidadora e o homem o responsável pelo sustento da família. É aquilo a que chamamos de estereótipos de género e têm influência nas mais variadas áreas. Em alguns casos os homens também assumem funções de chefia com remunerações superiores. Mas as mulheres estão em maioria nas Universidades. Daqui a muito tempo isso obrigar-nos-á a pensar. As mulheres estão numa posição mais fragilizada, mas os homens também. O insucesso escolar é superior nos homens e cada vez mais são as mulheres que chegam ao ensino superior. A igualdade deve começar nos jovens…Deve começar na nossa casa. Nós condicionamos as escolhas de homens e mulheres. Começa no enxoval. As meninas têm a roupa cor-de-rosa e os meninos azul. Os meninos jogam à bola e as meninas brincam com bonecas. E porquê? São elas que vão assumir o papel de mães… Mas em termos biológicos nunca deixarão de o ser…Em termos biológicos há pai e mãe que devem participar de modo igualitário na educação dos filhos. Hoje a lei já prevê que o pai tire parte da licença de paternidade. Se isso acontecesse mais as empresas deixariam de preferir homens.Não sei se seria bem aceite pelas entidades patronais. Provavelmente não, mas é um caminho a fazer. A mudança está para breve?Já se deram passos importantes. Não podemos dizer que vivemos numa sociedade democrática enquanto homens e mulheres não tiverem de facto as mesmas oportunidades e direitos. Enquanto não puderem ser aquilo que são e o que querem ser nas mais variadas esferas da sua vida. Independentemente do facto de serem homens ou mulheres.Uma questão de igualdade de géneroComeçou por chamar-se Comissão da Condição Feminina. Depois foi designada Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher. Agora é Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Não foi por acaso que a organização governamental mudou de nome. “A visão é outra. Não é a promoção dos direitos das mulheres, mas a promoção de direitos de homens e mulheres e da igualdade de oportunidades”, explica a Conselheira Municipal para a Igualdade de Vila Franca de Xira, Helena Seita Gonçalves, referindo que em algumas situações os homens também são prejudicados. A socióloga, nomeada conselheira em Setembro deste ano, tem em mãos o Plano Municipal para Igualdade, um documento com medidas concretas a desenvolver no concelho, que deverá estar concluído no primeiro trimestre deste ano.É uma área de actuação que resulta de um protocolo que foi estabelecido entre a câmara municipal e a CIG. A função da conselheira é trabalhar com os outros técnicos da autarquia e também com os parceiros locais e as instituições do concelho. “Tenho que prestar aconselhamento na área e trabalhar com as instituições. Pô-las um pouco a pensar no assunto e a incluir esta perspectiva do género nas acções e nas políticas que desenvolvem no seu dia a dia”, explica.Há vários anos que a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira desenvolve medidas para promover a igualdade que não se limita à questão homem mulher. Também se debruça sobre outros públicos alvo vítimas de discriminação, nomeadamente as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os imigrantes, as minorias étnicas. O trabalho da conselheira contempla todos os grupos que sofrem discriminação, mas tendo sempre em conta a perspectiva do género. “Não é igual ter uma deficiência e ser homem e ter uma deficiência e ser mulher. É a questão das discriminações múltiplas. É sempre pior quando se é mulher. Tal como ser minoria étnica e ser mulher. As mulheres estão sempre em situação de desvantagem”. A intervenção nos bairros sociais onde existem centros comunitários e gabinetes locais tem permitido desenvolver trabalho através de equipas multidisciplinares que desenvolvem um conjunto de acções de apoio às famílias daqueles bairros. O mais recente desafio foi a criação de um gabinete de apoio a pessoas com deficiência. O município está também a desenvolver um plano local para a promoção das acessibilidades. “A mobilidade reduzida é um problema das pessoas com deficiência e das grávidas, mas também das mães que vão com os carrinhos de bebé”.Autarquia quer dar o exemploSão as mulheres que mais faltam na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira para prestar assistência à família. Quem o diz é a Conselheira Municipal para a Igualdade, Helena Seita Gonçalves, que revela que está a ser feito um diagnóstico à autarquia para verificar qual é a realidade no interior da organização. A iniciativa integra-se no âmbito de uma candidatura na área de igualdade de género que é um projecto virado para dentro da organização. “A diferença é abismal”, analisa a técnica. “Não existe uma repartição dessas responsabilidades e os homens também são prejudicados porque estão a ser afastados de um papel que é tão importante como outro: o de ser pai”.O objectivo é perceber como funciona a autarquia a este nível e produzir um conjunto de recomendações. “Estamos próximos da população e portanto podemos ser agentes importantes de mudança”.Mulheres em minoria, venham as quotasAs mulheres são a maioria da população, mas estão em minoria nos cargos políticos. A lei da paridade é por isso um “mal” necessário. “Tenho que concordar com as quotas. É preciso tomar algumas medidas quando não pode ser de outra forma. As mulheres continuam a estar sub representadas na vida política e não é por não terem capacidades”, diz Helena Gonçalves que acredita que enquanto existir diferenciação ao nível familiar as mulheres terão dificuldades em ascender a cargos políticos.“No nosso concelho não estamos tão mal porque temos uma presidente de câmara mulher e uma vereadora, mas só temos, por exemplo, uma presidente de junta em onze”, analisa.A conselheira admite que não tem um conselho mágico: “não é simples. É um caminho que se faz. Há que educar as crianças, em casa e nas escolas, não para as diferenças entre homem e mulher, mas para a igualdade de oportunidades”.Gabinete de auto-ajuda para vítimas de violência domésticaNoventa por cento das vítimas de violência doméstica são mulheres, segundo dados da GNR relativos ao concelho de Vila Franca de Xira referentes a 2007. O fenómeno atinge também crianças e idosos, mas em menor escala. Para fazer face à dimensão do drama no concelho Vila Franca de Xira vai ter um grupo de auto-ajuda para mulheres vítimas de violência doméstica, revela a Conselheira Municipal para Igualdade, Helena Gonçalves. Uma iniciativa que visa complementar as campanhas de sensibilização contra a violência doméstica, que incidiram este ano a nível nacional sobre a violência nas relações de namoro.A socióloga quer desenvolver ainda um trabalho de sensibilização junto das entidades empregadoras para reduzir a forma como as mulheres ainda são encaradas no meio empresarial. A conselheira aponta a Escola Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira, que tem um projecto na área, como um “exemplo de boas práticas a replicar no concelho” em termos educativos.Sexo e géneroHá uma diferença entre sexo e género, realça a conselheira municipal Helena Gonçalves. Sexo define a identidade biológica das pessoas. Diz respeito às diferenças físicas do corpo. O género remete para as diferenças sociais que existem entre homens e mulheres. “A identidade feminina e masculina é definida em grande medida pelos valores sociais e culturais da nossa sociedade”. A socióloga, a trabalhar há dez anos na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, coordenou os centros comunitários de Povos, Vialonga, Arcena e os gabinetes locais de Quinta da Piedade e Castanheira. Passou pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia no ISCTE.Tem 42 anos e um filho com 12 anos a quem começou a incutir desde cedo os valores da igualdade. “O ideal será quando atingirmos o conceito de indiferença. Não no sentido negativo, mas no sentido de ser indiferente ao que as pessoas são. Aí estaremos verdadeiramente numa sociedade democrática”. E a quem acha que a masculinidade fica beliscada com a luta pela igualdade Helena Gonçalves responde. “O que é isso da masculinidade? Antes de sermos homens ou mulheres somos pessoas e as pessoas devem ter os mesmos direitos. Não é porque uma mulher chega a um cargo de topo político que deixa de ser menos feminina”.
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