Faltam brinquedos novos mas há comida na mesa
Festa da Obra das Mães de Alhandra continua a ajudar famílias carenciadas
Este Natal a Obra das Mães de Alhandra voltou a distribuir ajuda por quem mais precisa. Não há brinquedos novos, porque a comunidade também sente o peso da recessão, mas há um cabaz para ajudar a compor a mesa em noite de consoada.
“Eu sou uma princesa”, diz a menina que se vai entretendo a brincar consigo mesma enquanto desce a escadaria do salão da Igreja de Alhandra, concelho de Vila Franca de Xira. A Obra das Mães de Alhandra escolheu o local para distribuir no sábado à tarde a prenda que costuma entregar nesta quadra a todas as famílias carenciadas. Este ano não há brinquedos novos, avisa a secretária da obra, Alice Pedro. Os brinquedos que as crianças vão receber são fruto de dádivas da comunidade que também sente o peso da recessão. “Não há brinquedos novos, mas o importante é que haja comida na mesa”, diz a presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha. “Queremos agradecer à senhora presidente que já depositou 500 euros na nossa conta”, congratula-se Alice Pedro. Lá em cima, no salão, com vista sobranceira para o rio, em bancos de madeira encostados à parede as famílias agradecem. Sem a ajuda da obra das mãe sobreviver seria uma tarefa quase impossível. Sem a ajuda das mulheres e dos homens que não são indiferentes às necessidades dos mais pobres. Que o diga Maria Celeste Gonçalves, 42 anos, mãe de três filhos. O marido morreu em 1998. No mesmo ano que Maria Celeste caiu numa cama. Ficou desempregada. A si e aos três filhos valeu-lhe a ajuda de uma vizinha que lhe deu a mão e lhe falou na Obra das Mães. Trabalha há cinco anos como empregada de limpeza em Alverca. Mas o trabalho é temporário. “Às vezes mandam-nos para casa um tempo”. Dos 420 euros que recebe 217 euros são retirados para pagar a renda de uma pequena casa na Verdelha. Fica muito pouco para o resto. Mesmo com a pensão que recebe pelo falecimento do marido de 130 euros. Parte da comida que entra em casa é oferecida pela obra. Tal como a roupa e os sapatos. “Há dez anos que não compramos nada novo”, diz Maria Celeste Gonçalves. Em situação semelhante está Maria Teresa Costa, 51 anos. Tem a seu cargo os duas netas. A filha está desempregada e o pai dos meninas na prisão. Trabalha como empregada de limpeza a dias, mas o que recebe é pouco para a alimentação da filha, dos dois netos e do pai com quem ainda vive. Também não compra roupa ou sapatos. “A menina está vestida pela obra das mães”, ilustra. “Se não fosse a obra o que seria de nós?”, desabafa.Uma cama como presente de NatalUm jovem casal com um bebé de seis meses que dormia no chão numa casa arrendada no Bom Retiro, Vila Franca de Xira, vai ter uma cama nova e um guarda-fato este Natal. O pequeno Tomás dorme há cerca de um mês na cama de grades que foi arranjada pela Obra das Mães.Carolina e Alexandre chegaram há um ano a Portugal. A jovem estava a trabalhar, mas foi despedida quando descobriram que estava grávida. O marido ainda estava sem trabalho. “Foi a minha mãe que veio do Brasil e foi trabalhar numa pastelaria para nos sustentar aos três”. O bebé começou a tomar leite de pacote mais cedo porque o leite em pó era demasiado caro. Carolina é manicura e está novamente à procura de emprego agora que já arranjou uma ama para o bebé. O marido, Alexandre Silva, 22 anos, lava carros no Prior Velho, em Lisboa, e recebe 420 euros. Ainda pouco para quem paga 273 euros de renda. “A nossa casa tem muita humidade. Queremos mudar para o andar de cima, mas pedem-nos 350 euros. Tenho mesmo que arranjar um emprego”, explica. Agora a mãe quer trazer os dois filhos mais novos do Brasil. Carolina e Alexandre vão ficar por sua conta. “Se tivéssemos sabido mais cedo que eles precisavam já lhe teríamos arranjado a cama porque temos algumas mobílias”, assegura o presidente da Junta de Freguesia de Alhandra, Jorge Ferreira, que preside actualmente a Comissão Social das Freguesias que inclui a freguesia de Alhandra, São João dos Montes e Sobralinho e que conta com a colaboração de mais de 20 entidades. O autarca lembra que existe um centro de recolha e distribuição de bens que ajuda a obra. A comunidade entrega mobílias e electrodomésticos de que já não precisa, mas Jorge Ferreira garante que há o cuidado de verificar se tudo está em boas condições. “Temos este lema: o que não serve para nós não serve para os outros”, diz o autarca que faz suas as palavras do escritor e pensador Gabriel Garcia Marquez: “aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”.Pedidos de ajuda aumentaram nos últimos dois anosGéneros alimentares com prazo alargado de validade, sobretudo leite em pó para crianças, são os produtos que a Obra Mães de Alhandra mais necessita para ajudar as cerca de 48 famílias das freguesias de Alhandra, São João dos Montes e Sobralinho, concelho de Vila Franca de Xira, que apoia actualmente.Os pedidos de ajuda aumentaram 25 por cento nos últimos dois anos. É sobretudo a doença e o desemprego que leva as famílias a pedir auxílio. Muitos agregados são monoparentais. A Obra das Mães faz uma análise prévia a cada família de modo a perceber o nível de carência. Depois educam as pessoas para gerir o pouco que têm.A recolha de alimentos é feita nas juntas de freguesia, Igrejas, misericórdias e, este ano, foi colocado um barco no mercado diário de Alhandra para a comunidade depositar as dádivas. Alguns reformados fazem trabalhos manuais de artesanato para ajudar a causa. O dinheiro vai para a instituição comprar bens necessários para as famílias.A Obra Mães de Alhandra foi criada em 2000 e surgiu devido ao aumento de procura por parte de famílias carenciadas, sobretudo mães com crianças pequenas que pediam ajuda. Quem preside à obra é o padre José Correia Gonçalves da paróquia de Alhandra. Um grupo de cerca de sete elementos distribui na última sexta-feira do mês um avio às famílias carenciadas.A Obra não tem razões de queixa da comunidade. “Mesmo quando não têm muitas posses financeiras as pessoas dão sempre uma ajudinha. Quem passa por maiores dificuldades sente na pele os problemas e gosta de ajudar”, refere o pároco.O sacerdote está preocupado com o futuro e receia que os pedidos de ajuda aumentem no próximo ano. Mas o maior orgulho da Obra é verificar que há famílias que já recorreram à ajuda da instituição, mas entretanto conseguiram endireitar a vida.
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