“Um encontro entre o país e uma das suas cidades mais antigas e nobres”
António Barreto fala das Comemorações do 10 de Junho em Santarém
O responsável pelas comemorações do dia de Portugal, fala de Santarém como uma terra de pão, vinho e azeite, os três mais nobres produtos do campo e uma cidade com um formidável património medieval e gótico, talvez único em Portugal. António Barreto aproveita a anunciada homenagem nacional a Salgueiro Maia, para dizer que “é mais que tempo de os portugueses tratarem bem os seus soldados”.
O que Santarém pode esperar das comemorações nacionais do 10 de Junho?Estas comemorações são de carácter nacional e institucional. Têm um figurino e um programa que são, no essencial, mantidos. Como se desenrolam, cada ano, em cidade diferente, esforçam-se os organizadores por adaptar as cerimónias à realidade local, sem perder o seu carácter nacional. Tentaremos, por exemplo, valorizar o extraordinário património local. Entre os convidados a participar, encontram-se nomes relevantes da comunidade local. A Câmara Municipal de Santarém terá um papel relevante. Pessoas e instituições locais poderão organizar actividades e participar nas cerimónias. A cidade estará, nesses dias, nas primeiras páginas de todos os jornais e nos ecrãs de televisão. Este é um encontro entre o país e uma das suas cidades mais antigas e nobres.Que oportunidades únicas vão ter os habitantes da cidade e da região durante essas comemorações?É uma excelente oportunidade para a cidade mostrar ao país o que de melhor tem.Fala-se na exposição de documentos únicos da nossa História, como o Tratado de Tordesilhas. Confirma?Apesar de anunciadas, algumas actividades têm um factor de surpresa. Não espera que eu desvende tudo, pois não?Que imagem tem de Santarém?Uma bela cidade, muito antiga. Uma cidade mais velha que a nacionalidade. Uma cidade que é um ponto de encontro entre Norte e Sul, entre campo e cidade. Uma cidade de trabalho. Uma região de pão, vinho e azeite, os três mais nobres produtos do campo e do antigo comércio. Uma cidade com um formidável património medieval e gótico, talvez único em Portugal. Uma cidade que atravessou tempos difíceis, que viu degradar-se o seu património construído para além do razoável. Mas uma cidade que, em tempos recentes, faz um esforço colossal para se arranjar e valorizar o que tem de melhor e mais significativo. Além disso, Santarém é hoje uma das cidades que mais cresce em Portugal. Espero que saiba colher as lições de um passado pouco organizado e pouco cuidado, como tantas outras no país, a fim de tornar compatível a modernidade com a sua história.Há alguma recordação especial que guarde da cidade?É um facto muito pessoal. Sou amante e amador de fotografia (minhas e antigas de colecção). Meu Pai também o era, na sua juventude. As fotografias mais antigas, feitas por ele, que ainda guardo, são de Santarém. Sejam alguns edifícios, sejam imagens do rio e da ponte.Ficou surpreendido com a escolha de Santarém para as comemorações do 10 de Junho?De todo. Tinha de chegar a sua vez, como a todas as capitais de distrito e cidades importantes do país. A escolha de cada uma, tanto quanto sei, foi fruto de oportunidade, não de hierarquia de valores.O que espera que Santarém apresente ao país nesses dias de grande visibilidade nacional?O seu património. O seu compromisso de prosseguir o esforço de conservação. O orgulho na sua cidade.Tem acompanhado os preparativos das comemorações na cidade?Dentro das minhas competências, com certeza.Tem sido fácil articular as tarefas com a câmara municipal?Tanto quanto sei, tudo se tem passado num clima de grande cordialidade e de excelente cooperação.Que significado deve ter, hoje, o Dia de Portugal?Como sabe, este dia já teve várias designações. Conforme ao espírito do tempo. Hoje, para mim, o Dia de Portugal é o Dia dos Portugueses. Dos que vivem cá e lá fora. Mas também de todos os que vivem em Portugal, sem olhar à origem. Em tempos de Europa, é bom não esquecer quem somos. Sem nacionalismo. Sem bairrismo.O que pensa de todo aquele ritual de condecorações do 10 de Junho?Nesse dia, o país, por intermédio do Estado, presta homenagem a alguns dos seus. É dever do Estado reconhecer e distinguir quem merece. Desde que o faça sem pompa balofa. Mas tem de o fazer com a dignidade do acto e com o orgulho do mérito.A parada militar não é uma demonstração de força sem sentido no contexto actual?Não creio que se possa falar de “manifestação de força”. É, isso sim, uma demonstração de unidade nacional. E de homenagem do Estado e do país aos seus soldados, tanto os actuais, como todos aqueles que serviram o país. Convém não esquecer que muitos ficaram feridos ou morreram a cumprir o seu dever, em África, na Europa e na Ásia, ao longo das últimas décadas. As razões políticas de cada momento são ou foram circunstanciais: o essencial é o acto de servir o país, de cumprir o dever e de tudo arriscar por isso. O Estado e o país devem agradecer-lhes. Deixe-me dizer-lhe, a título pessoal: é mais que tempo de os portugueses tratarem bem os seus soldados, os seus mortos e feridos, os seus veteranos de todos os conflitos e de todas as missões. Podem discutir-se os motivos e as circunstâncias de cada guerra, de cada conflito e de cada missão. Mas que isso não perturbe a razão: os soldados cumprem os seus deveres e arriscam mais do que qualquer outro cidadão.Em que sentido teria sido a evolução do país se não tivesse havido o 25 de Abril?Um verdadeiro estertor.Não poderia ter havido uma transição tranquila para a democracia, como aconteceu em Espanha?Teríamos ganho tempo e recursos. Ou antes, não teríamos perdido anos e esforços. Se juntarmos os anos de guerra e ditadura, mais os de revolução e contra-revolução, com todos os erros e desperdícios, conflitos e sequelas, talvez cheguemos à conclusão de que perdemos o equivalente a vinte ou trinta anos de desenvolvimento.O Portugal de hoje corresponde às expectativas que criou após a revolução de 25 Abril de 1974?Nunca o presente ou o futuro correspondem às expectativas do passado. Ficam sempre aquém. É a natureza da vida das coisas humanas. Mas também é bom lembrar que, após a revolução, nos dias seguintes, as expectativas eram exageradas e ilimitadas, mas sobretudo contraditórias. Havia de todas as formas e feitios, incluindo as mais negativas, isto é, as que dispensavam a liberdade.Ainda hoje há quem fale do 10 de Junho como o Dia da Raça. É um sinal de que ainda há uma geração que não se conseguiu libertar do peso do passado?Também há quem diga Diário do Governo ou Assembleia Nacional. São tiques ou lapsos que o tempo apagará.Qual é a sua perspectiva sobre a manutenção de ruas e praças com nomes e figuras do antigo regime? Encara isso com normalidade?Os nomes das ruas e das praças dependem das comunidades, não do Estado central, muito menos de decretos. As câmaras e as freguesias devem ter a liberdade de dar os nomes que entendam. Em democracia, prestarão contas à comunidade. Se os cidadãos não partilham as suas escolhas, devem substituir os autarcas e mudar a toponímia. Há, em Portugal, milhares de nomes de ruas de gente desagradável e de mau feitio, de maus governantes e de adversários da liberdade. Cada comunidade deve resolver esses problemas e encontrar as soluções do seu agrado. Em liberdade.Como caracteriza a evolução da agricultura portuguesa e como comenta o facto de o sector primário ter perdido peso no Produto Interno Bruto?Por um lado, é um facto normal da evolução das sociedades. A indústria e os serviços, com mais capital, ciência, tecnologia e mais produtividade, crescem muito mais. Por outro, é também o fruto de políticas erradas que encorajam a reduzir as actividades produtivas do sector primário, da terra, do mar e da floresta. As gerações futuras não perdoarão às actuais o que fizeram com a agricultura e a floresta. Em parte, foram trocadas por dinheiros europeus para estradas e outros investimentos industriais e nos serviços.A Política Agrícola Comum (PAC) tem sido madrasta para o nosso país, ou os agricultores portugueses não têm sabido aproveitar as oportunidades?A PAC não foi concebida para as agriculturas do Sul. Com a PAC, pretende-se reduzir a produção agrícola portuguesa, incluindo com desperdício de recursos. Os governos portugueses não prestaram atenção a certo tipo de investimentos que poderiam ter sido feitos com recursos europeus: na floresta, nas águas do mar e dos rios, no regadio, na hortofruticultura e na formação de agricultores e empresários. Os governos transformaram-se em agentes da PAC e não representantes dos agricultores. Estes também não têm sabido aproveitar todas as oportunidades.
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