O Dó, o Ré, o Mi e o casal Sá na partitura das muitas histórias de vida de uma vila com tradição cultural
Silvina teve que casar com João aos 15 anos para poder viajar com o conjunto do sogro onde era baterista e vocalista
Ele toca e ela canta. João de Sá e Silvina de Sá dizem que são artistas e que nunca tiveram qualquer outra profissão. Quando se lhes lembra que ele é electricista e que ela foi contínua na escola da Chamusca mais de duas décadas, encolhem os ombros e sorriem como se lhes estivéssemos a falar das vidas de outras pessoas. O que verdadeiramente conta na vida de cada ser humano é o que é feito com paixão. Cantemos pois a canção destes dois apaixonados.
Casaram muito cedo por causa da música e a música manteve-os unidos até hoje. João de Sá e Silvina de Sá. Pisaram muitos palcos. Tocaram e cantaram nos mais diversos tons e em quase todas as circunstâncias. Fazem quarenta e oito anos de casados dia 21 de Maio, Quinta-feira de Ascensão. Dia de uma festa em que também se celebram pessoas como eles, que tantas festas ajudaram a animar. Silvina tinha 15 anos e um pai à moda antiga. Desde os bancos da escola que namorava João de Sá, um ano mais velho. Estavam há anos unidos pela música. O pai do João era maestro. Ensaiava o Rancho Folclórico da Chamusca onde Silvina andava. E tinha um conjunto familiar chamado “Luz e Vida” que a fadista Hermínia Silva havia de rebaptizar para “Melodia Ribatejana”. Quando Silvina passou a ter que viajar com o conjunto o pai foi intransigente. “Só a deixaria ir se ela casasse com o namorado. Para não haver falatórios”.“O conjunto tinha contrato para ir tocar à Madeira. O meu pai impôs as suas condições e casámos a 21 de Maio de 1961. Eu tinha 15 anos e o João 16. A Hermínia Silva foi a madrinha. Casámos por causa da música”, conta a noiva.É domingo ao fim da tarde. João de Sá acabou de chegar de um ensaio com o Rancho Folclórico da Azinhaga. A televisão está ligada mas ninguém liga ao que está a dar. Silvina recebe-nos com queijos, pão e vinho fresco. No final adiciona o jornalista à lista de amigos. Regista o momento com uma dedicatória no CD “Os Sons do Tejo”, produzido por um outro amigo e conterrâneo, José Cid. Tem um sorriso cativante. Uma das canções que gravou chama-se “Vem de longe o teu sorriso”. Uma balada de amor assinada por quatro autores, José Luís Gordo, Mário Rainho, Carlos Alberto Moniz e Braga Ferreira.Vêm de longe os cartazes e programas que o marido foi buscar a uma outra divisão.”Isto é a nossa história. Eu estreei-me no Sporting da Chamusca em 1959”. Mostra o cartaz. João Manuel Nunes de Sá ao acordeão e Joaquim José Nunes de Sá (o irmão), ao saxofone. “Saxofone alto” explica. “Tocámos quatro ou cinco números. Ainda estávamos na aprendizagem”.As explicações de Silvina e João cruzam-se e entrecruzam-se. Saltam desordenadas pela imensa pauta de uma vida a dois. Há tanto para contar. Tanto para reviver. Nas paredes e em cima dos móveis há fotografias. As mais antigas a preto e branco. Espectáculos aqui e ali. Em Angola, a maior parte deles. Penteados e roupas dos anos sessenta. “Fomos para a Madeira com uma companhia de circo. Circo Royal. Fomos como atracção. Fazíamos um número de pista, dançávamos folclore… estivemos lá duas temporadas. Quarenta e cinco dias seguidos de cada vez. Inaugurámos a boite do Hotel Santa Maria, do Savoy”, conta Silvina. E continua o relato. “Na minha família não havia tradição musical mas quando casei fui obrigada a aprender música. Tinha carteira profissional de baterista quando fui para Angola. Fiz exame no Sindicato Nacional de Músicos. Se o meu sogro tinha falta de algum instrumento no conjunto punha logo alguém a aprender a tocá-lo. À filha pô-la a tocar saxofone mas ela gostava da bateria. Quando ele não estava, eu e ela trocávamos. Eu cantava e ela tocava bateria. Chegou a ser baterista na Orquestra Oficial de Angola. Maria José de Sá”.João de Sá tenta pôr alguma ordem na conversa. Ensaia um relato cronológico. “O meu pai, José de Sá, veio de Benavente para a Chamusca, contratado para escriturário da Casa do Povo. Em Benavente ensaiava o Rancho Folclórico da Casa do Povo e veio com a condição de ensaiar o Rancho da Chamusca. Eu tinha 9 anos. Andava na escola e nas horas vagas aprendia solfejo com ele. Aprendia eu e aprendíamos todos. Os meus irmãos, a Silvina…” O investimento do maestro não tinha fins meramente culturais. Formou um conjunto e arranjou contratos. João de Sá mostra um programa antigo. 1 de Novembro de 1962. Ali se anuncia uma actuação da orquestra típica “Luz e Vida” no Solar de Hermínia Silva em Benavente. “Algum tempo depois, por sugestão dela passámos a ser “Melodia Ribatejana. Nessa altura já cantava a Silvina. E dançávamos o fandango”, explica. Foi ao solar de Hermínia Silva que um empresário foi contratar o conjunto de José Sá para ir tocar em Angola. “Fomos para Angola em 1964. Também fomos com um circo. Durante três anos pagaram-nos a estadia. O circo fazia a temporada da cacimba – tempo seco – de 15 de Maio a 15 de Agosto. Um mês em Luanda e dois meses a correr as maiores cidades. Nós fazíamos o ano todo”, conta João de Sá.Chamusca Viçosa PapoilaO único CD de Silvina de Sá, “Os Sons do Tejo”, foi gravado em 2003 no estúdio Artes&Som de José Cid, que foi o produtor. Os músicos foram José Cid, João de Sá, Luís Petisca, Pedro Pinhal, José Triguinho e Amadeu Magalhães. Tem doze temas. O último é uma marcha de exaltação da terra natal da cantora. “Chamusca Viçosa Papoila”. Podia muito bem ser o hino da Festa da Ascensão. É um disco próprio de quem quer dar testemunho de tudo o que já cantou. Tem baladas, canções, folclore, fado. Abre com um tema de José Cid, letra e música. “A vida é como um fandango”. Tem seis poemas de Maria Manuel Cid. A terceira canção é dos tempos de África. Silvina de Sá canta Frenezi, de Guerreiro Bruno e Casal Ribeiro, uma canção que ganhou um festival da canção de Angola.
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