Quando a Feira de Outubro marcava o calendário do povo
Memórias de um evento com origens centenárias
Era no bulício da Feira de Outubro, entre petiscos e água pé, que há trinta ou quarenta anos rapazes e raparigas se divertiam, conheciam e conquistavam. Uma feira para as famílias, os casais e os solteiros, de origem centenária, contada pelas palavras de quem a viveu ao longo dos anos.
À sexta-feira, ainda a Feira de Outubro estava por inaugurar, já os vilafranquenses petiscavam no Cevadeiro. Há cerca de três décadas, em barracas de caniço, com bifanas e sardinhas na grelha, a feira começava de véspera para os residentes, num dia dedicado ao convívio. Quem o conta é António Fortes, 72 anos, frequentador habitual da feira, quando jovem, e com uma mente cheia de memórias que viveu. “O sábado era só para homens. Conversava-se, convivia-se. Só se via uma ou outra mulher, senhoras da cidade”, relata o afinador de máquinas. Nas barraquinhas criadas por populares, mesmo à entrada do recinto, havia petiscos e bebida. Francisco Ruela, 69 anos, lembra-se da água-pé, “que às vezes saía dos tonéis ainda a ferver e do polvo assado, que cheirava mal mas tinha muito bom sabor”. Comiam-se também iscas e entremeadas, conquilhas, mexilhão e caldeirada. Pela feira, circulavam homens que apregoavam a “água fresquinha da mina”, saborosa, mas fruto de um embuste porque muitas vezes era recolhida mesmo ali, em Vila Franca de Xira, na Fonte Nova. Todos os anos o vilafranquense vinha da sua terra natal, na Vala do Carregado, Castanheira do Ribatejo, para ver de perto a feira, conviver e assistir às esperas e largadas de toiros. “Vínhamos também comprar bugigangas e roupa - camisa, calças”. Alguma da roupa nova, era também estreada por aquela época. Para alguns era das poucas vezes no ano que calçavam sapatos. “Andávamos sempre descalços, mas na vila era proibido e tínhamos de arranjar umas alpercatas”, conta. Entre os divertimentos favoritos dos jovens estavam os carrinhos de choque, recorda Francisco Ruela. “Arrojavam pelo chão, tinham pára-choques de metal batiam a sério uns nos outros”. Uma vez, quando saía de um, magoou o pé, a ser abalroado por um carrinho que surgiu a grande velocidade. Noutros pontos da feira, homens mais velhos faziam pontaria a latas e peças de barro. Era o chamado “Tiro ao canhão”. As largadas de touros, que tinham lugar todos os dias, eram outro do pratos fortes da feira. O entusiasmo com as diversões era tal que os jovens tinham um mealheiro especial onde juntavam dinheiro para a ocasião. “Uma vez gastei tudo e não tinha dinheiro para voltar a casa de comboio. Fui a pé para casa, caminhando ao lado da linha”, conta. Olga Casquinha, 78 anos, também frequentava a feira. Trabalhadora agrícola na lezíria, vinha pela época do evento a Vila Franca de Xira. “Vínhamos de barco à vela. Estávamos desertas que chegasse o dia, estrear as roupas, e era divertidíssimo. No meio do bulício, rapazes e raparigas trocavam olhares e gestos. António Fortes conta como. “No caso dos rapazes novos, os olhares cruzavam-se com os delas, íamos para o mesmo carrossel que elas, sentávamo-nos na cadeira ao lado de quem nos agradava, e depois às vezes tombava-se para o lado que covinha. Às vezes elas respondiam com uma chapada, mas tínhamos sempre espírito de conquista. Agora isso perdeu-se”, conta. Segundo Fernando Palha, ganadeiro e conhecedor das tradições vilafranquenses, não era apenas de petiscos e romances de que a feira era composta. Ao decorrer nos dias dedicados a São Miguel, ela era testemunho de um momento em que “morre um ano e começa outro”. Era a época em que se ajustavam os empregados, os que queriam mudar de patrão despediam-se, mudavam para outro, e como que uma vida nova começava. Nos sete dias da feira havia corrida todos os dias. E vendiam-se varas pata tocar os toiros, varas para apanhar azeitona, e canastras para a laranja. Festejava-se o que se acabava e o que se ia começar”.
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