Especial 25 de Abril | 21-04-2010 17:18

O que fizeste do teu 25 de Abril?

Tínhamos 17, 18 anos, estávamos a acabar o liceu. Não seriam muitos os que teriam grande consciência política, mas o facto de vivermos numa região onde a luta contra o regime esteve sempre presente, não permitia um completo alheamento, nem aos mais distraídos. Alguns tinham já uma participação activa em organizações e manifestações de índole associativo e cultural, e iam tentando interessar os colegas mais próximos, formando uma pequena rede que se ia espalhando e aprofundando.Vivemos o impacto inicial com estupefacção, receio, entusiasmo, percebemos rapidamente que grandes mudanças se avizinhavam, que as relações de poder, mesmo as que se processavam no âmbito da escola, nunca mais seriam as mesmas, fizemos a nossa aprendizagem da democracia em curso intensivo e acelerado. Os mais preparados politicamente foram ocupando os respectivos campos de influência, e começaram a surgir aí as primeiras angústias de um processo que a princípio parecia prometer encantamento permanente: a divisão entre colegas, entre amigos, consoante o “campo” político escolhido. Os anos seguintes foram intensos, turbulentos, confusos por vezes, fruto das lacunas que quase todos os quadrantes experimentavam em matéria de vivência em democracia, mas compensavam em entusiasmo, em capacidade de criar, de inovar, em permissão para sonhar. A sucessão de governos, as convulsões económicas e sociais, a instabilidade, apesar de nos afectarem, perdoavam-se, não só pela novidade e tenra idade do “processo revolucionário em curso”, como pela nossa própria juventude, pela alegria e empenhamento com que acreditávamos poder ajudar a fazer a diferença.Passaram 36 anos, o dobro daqueles que tínhamos na altura. Todos os anos, quando se aproxima esta data, fazemos questão de voltar a falar dela, mas existe já um distanciamento irreparável, uma sensação de obrigação, de cumprimento de calendário, que perpassa nos colóquios, na repetição dos filmes e documentários alusivos ao tema, até nas esparsas manifestações de rua que teimam em manter uma tradição que só sobrevive amparada num caderno reivindicativo de actualidade. E penso no que significou, não só para nós, mas para o País e para o Mundo, aquele 25 de Abril de 74, e parece impossível que tenha resvalado tão rapidamente para esta indiferença característica das datas festivas que não pressupõem consumo! Será que deveríamos ter convencionado oferecer presentes pelo 25 de Abril? Cravos vermelhos só que fossem? Não, não seria por aí, afinal também nos queixamos que o espírito natalício foi abafado pela vertente consumista…Lembro-me de uma pergunta que ficou célebre e apetece-me, modificando-a um pouco, perguntar aos meus companheiros desse tempo: o que fizeste do teu 25 de Abril? A quem e como o contaste? Como é que o vives e o sentes hoje?Suponho que as respostas seriam díspares, algumas surpreendentes, a maioria frustrante. O percurso de vida de cada um terá necessariamente marcado uma memória que nunca é colectiva, porque mesmo os factos mais concretos sofreram ao longo destes 36 anos a influência da subjectividade pessoal. Não posso garantir, mas suspeito que a maioria me responderia que não é da sua responsabilidade pessoal manter viva a história, mesmo que neste caso a do País se misture indissociavelmente com a sua própria, tenha decorrido no mesmo espaço temporal, e tenha consubstanciado uma mudança fundamental nas suas vidas. De entre outras, esta é uma das piores heranças que nos ficaram desses 50 anos antes de Abril de 74: a convicção de que a responsabilidade social não é nossa, é de um qualquer ente suficientemente vago e nebuloso que nunca se materializa para a assumir, pelo que nunca podemos confrontá-lo, e muito menos a nós mesmos, com os falhanços sucessivos de que simultaneamente nos queixamos.Se há “ensinamento” que se possa retirar do que se passou no dia 25 de Abril de 1974, independentemente de todas as teorias sobre a génese socio-política, de todas as tentativas de apropriação da “paternidade” do processo, ela é, penso eu, que foi uma massa não politizada, e ainda muito menos enquadrada politicamente que, naqueles momentos decisivos em que o equilíbrio militar era absolutamente instável, conseguiu, num movimento intuitivo de cidadania (no que esta também tem de instinto de sobrevivência social), desequilibrar as forças, demonstrando de forma inequívoca a sua vontade, eventualmente a sua determinação em arriscar a vida numa “aventura” que não planeara mas de que se sentiu imediatamente parte integrante. Não nos voltou a ser pedido tamanho sacrifício, e talvez seja por isso, temos esta dramática tendência dos grandes gestos e tudo o resto, quotidiano, banal, não mediático, parece pouco interessante para cumprir o nosso fado de grandeza. E vamo-nos acomodando, perdendo de vista os sonhos, convencendo-nos de que outros têm as responsabilidades e nós o direito de protestar, de reivindicar, que somos vítimas mas nunca co-autores desta realidade que não nos agrada mas não tentamos modificar… E o leitor, o que fez do seu 25 de Abril? * Autarca da Freguesia de Vila Franca de Xira

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