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“Presidente da Câmara de Torres Novas exagera no quero, posso e mando”

“Presidente da Câmara de Torres Novas exagera no quero, posso e mando”

Carlos Tomé é a principal voz da oposição no concelho, onde é vereador desde 1993

Tem sido nos últimos anos a principal voz da oposição em Torres Novas. Vereador na câmara pela CDU desde 1993, confessa alguma frustração por as suas propostas nem sempre serem ouvidas e lamenta que o trabalho feito não seja reconhecido eleitoralmente. Carlos Tomé, cidadão de Riachos interventivo na comunidade, advogado ligado às questões laborais, diz que Torres Novas cresceu muito mas não cresceu bem.João Calhaz / Alberto Bastos

É a principal voz da oposição em Torres Novas há muitos anos. Nunca lhe apeteceu desistir?Desistir não. Às vezes fico um bocadinho frustrado, porque muitas vezes aquilo que se diz acaba por não ter grande eco junto do poder. Embora me pareça que as minhas opiniões na maior parte dos casos são ouvidas. Mas depois não têm reflexo prático, não se traduzem em medidas concretas.Acha que os eleitores do concelho têm reconhecido devidamente o seu esforço?Talvez não. Não é uma visão individualista, porque não trabalho sozinho e nunca defendi uma posição com que a CDU não estivesse de acordo e vice-versa. Mas o nosso trabalho, não só de oposição mas também apresentando propostas - e somos a única força política que o faz quotidianamente - não é depois reconhecido eleitoralmente.Na política o que é que o tira do sério?A hipocrisia, a mentira e a mania do quero, posso e mando. Às vezes há exageros a esse nível.Está a fazer a descrição do actual presidente da câmara?Não, não estou. Este fato se calhar cabe-lhe, mas tenho uma relação pessoal razoável com ele. Respeito-o. Acho que por vezes exagera nalgumas situações onde podia não exagerar. Se calhar por feitio, ou por ser presidente da câmara. Isso por vezes é que aborrece. Porque ele até pode ter razão nalgumas coisas, mas exagera no quero, posso e mando. Quando se tem uma visão de que parece que o concelho é nosso, que nós é que mandamos no concelho e não se ouve mais ninguém, isso aborrece-me e irrita-me.Torres Novas tem crescido muito. Tem crescido bem?Tem crescido muito, mas acho que não tem crescido bem.Mas a qualidade de vida das pessoas melhorou?É possível que sim, de algumas pessoas. Mas também melhorou no resto do país. A vida que temos agora não é a mesma que tínhamos há dez ou vinte anos. Temos outras condições de vida.O actual presidente em 2013 já não se pode recandidatar. O que é que o seu sucessor vai encontrar?Uma situação financeira muito difícil, complicada. E espero que tenha coragem para inverter a política de desenvolvimento que tem sido praticada.O que gostava que o sucessor de António Rodrigues não copiasse do seu antecessor?Que não copiasse os seus métodos incorrectos e autoritários, que não copiasse também a sua visão centralizadora das coisas. E que pudesse ter o dinamismo que ele tem mas uma visão mais esclarecida, mais correcta e ouvisse mais as pessoas. Para que o desenvolvimento de Torres Novas seja mais harmonioso e não seja apenas o desenvolvimento da cidade. Pelos vistos a população do concelho gosta de lideranças autoritárias, já que lhe vem dando sucessivas maiorias absolutas.Sim. Pois gosta. Tal como também gosta do Sócrates. O que é que a gente há-de fazer? Mas não vou mudar por causa disso. É importante que se continue a manter uma outra visão das coisas. Houve uma forte aposta nos equipamentos urbanos, na cidade, em detrimento das freguesias rurais. Pelo menos é essa a perspectiva da CDU. É uma aposta errada?Esta visão concentracionária da cidade e do desenvolvimento do concelho, com a concentração de equipamentos na cidade, vai ter efeitos a curto e a médio prazo, porque vai destruir a desejável qualidade de vida que as pessoas deviam ter nas suas freguesias. Contribui para a sua desertificação. Isto não quer dizer que não melhore a qualidade de vida na cidade. Vai melhorar porque há mais infraestruturas.E haverá mais tendência para as pessoas saírem da aldeia e virem para a cidade.Exactamente. E isso está-se a sentir em tudo. O encerramento das escolas é um exemplo. Isso ainda não foi discutido na câmara mas já disse que sou contra.Mesmo com a construção dos centros escolares?Sim. Porque os centros escolares são feitos para algumas situações. Estive a favor do encerramento de escolas com menos de 10 alunos, mas não posso estar de acordo com o encerramento de escolas com menos de 20. Senão iria estar de acordo daqui a dois anos com o encerramento de escolas com menos de 30. Esta tendência é que está errada. É uma tendência economicista que tem a ver com a centralização das coisas.Com as dificuldades financeiras que se atravessam, uma câmara tem forçosamente de olhar para as coisas com uma visão economicista. A adesão do concelho de Torres Novas à empresa intermunicipal Águas do Ribatejo é a melhor solução para levar o saneamento básico às freguesias rurais?Aí parece-me que é a visão correcta e votei a favor. Há muito tempo que digo que não há uma visão intermunicipal das coisas. Por exemplo com o vizinho concelho do Entroncamento.Com o Entroncamento não há nada. Não há um intercâmbio, um estudo, uma relação. Nada! Não conheço os vereadores do Entroncamento, tal como eles não me conhecem. Tal como não há nenhuma ligação com Ourém, com Alcanena ou com Santarém. Temos agora o caso da estrada de Casével que é uma coisa ridícula. Penso que se vai resolver agora, mas é um caso sintomático da falta de visão intermunicipal. Mesmo em relação à comunidade intermunicipal não se vê nada de palpável. Há tempos, numa reunião de câmara, criticou o aumento das despesas com a programação cultural do Teatro Virgínia e de certo modo reconhecia um esforço para meter mais artistas locais. Isso é também uma visão redutora das coisas: considerar que o Virgínia é só para esta cidade e este concelho.Admito essa visão. O que quis dizer é que até há pouco não havia qualquer abertura à comunidade local. A crítica que fazia é que quem veio dirigir o Virgínia estava a começar a casa pelo telhado. Estava a criar uma dinâmica que não passava pela comunidade local. E deve passar. Mas isso não significa que se feche a porta às outras comunidades em redor. E quanto aos gastos?Critiquei esses gastos porque estamos a atravessar uma fase difícil. Tem de se fazer cortes. E se o Virgínia der o seu contributo no sentido de reduzir um pouco a despesa… Sempre defendi, desde 1993, que estávamos a viver acima das nossas possibilidades. E agora estamos a pagar por isso. Por isso temos de reduzir custos. Costuma ir às festas da cidade?Sim.E concorda com o investimento feito pela autarquia?Acho que é um investimento demasiado grande, ainda que tenha sido cortada alguma coisa. Mas parece-me que o corte foi escasso. O problema das festas é que são rotineiras. E fica pouco da festa. As pessoas não sentem a festa como sua. Ao contrário do que se passa nas festas da aldeia, onde as pessoas trabalham para a festa. Na cidade é diferente.A dinâmica social de uma cidade é forçosamente diferente.Sim. Mas também não se faz por isso. “Nunca me inscrevi em qualquer partido político”Foi um dos fundadores da UDP do Entroncamento e é vereador da CDU na Câmara de Torres Novas desde 1993 mas nunca se inscreveu em qualquer partido político. “Sei que há pessoas no PCP que gostariam que eu fosse militante do partido mas nunca senti necessidade de o ser e isso não foi considerado impeditivo de eu ser o candidato da CDU”.Carlos Tomé nasceu para a política no pós-25 de Abril. “Foi uma época prodigiosa. Apanhou-me em cheio. Eu tinha 16 anos e andava no liceu Sá da Bandeira em Santarém. Até aí não tinha consciência política. Lembro-me vagamente que o meu irmão, que estava a estudar no Técnico em Lisboa e que estava ligado a iniciativas contra o fascismo, contava umas coisas em casa. Digamos que eu tinha uma noção do que se passava mas nada mais que isso”, conta.No pós-25 de Abril o país fervilhava de entusiasmo e voluntarismo. Os jovens estavam na vanguarda de todas as mudanças. Carlos Tomé foi apanhado pela febre geral. “Estive na criação da UDP no Entroncamento, com o Carlos Matias, o Alcobia, o João Brandão...A sede era no nº 71 da rua Latino Coelho. Cheguei a andar a vender o jornal Ribatejo na Luta, na estação. Em 1977 estive na fundação do jornal Riachense. Na altura só havia O Almonda, um jornal ligado à igreja católica, que não nos servia. Sou ainda cooperante e presidente da assembleia-geral. Cheguei a ser director-adjunto. Escrevi muito lá”.Diz que o Bloco de Esquerda, onde militam muitos dos seus amigos da antiga UDP, não o atrai politicamente. “Aproximei-me da CDU nos anos 90. Tinha posições com as quais eu concordava. Era e acho que continua a ser a única força política instalada em Torres Novas com trabalho autárquico e trabalho político quotidiano, interessante. Com um passado interessante”.“Dei aulas mas não era coisa que gostasse de ter feito toda a vida”Há uma reprodução da Guernica de Picasso por cima de uma pequena estante repleta de caixas de arquivo. Carlos Tomé tem nas costas dezenas de livros a que não quer chamar livros. “Quando falo em livros não falo disto. Os manuais são instrumentos de trabalho. Leitura árida, aborrecida e complicada mas que tem que ser feita. Temos que comprar muitos para estarmos actualizados”. Do seu lado direito o monitor do computador e a impressora a seu lado. As cadeiras são forradas a vermelho. A luz entra por uma ampla janela. O curso de Direito foi feito em duas etapas. A interrupção foi motivada por um caso de amor que ainda dura. “Arranjei uma namorada, que é a minha esposa e parei no 3º ano. Casei em 1984. Estive a dar aulas na Escola Maria Lamas e foi durante esse tempo que acabei o curso. Ia a Lisboa fazer os exames. Achei interessante dar aulas mas não era uma coisa que eu gostasse de fazer para o resto da vida. O meu irmão (que tem mais 5 anos) é que é professor. Eu não. Não tinha vocação, nem jeito”. Barba e cabelos brancos. Sorriso quase permanente. “Nasci em 1958, em S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, na maternidade Alfredo da Costa, mas sou de Riachos. Os meus pais tinham o Café Central em Riachos onde agora está o banco. Quando eu nasci estavam em Lisboa, também no sector da restauração a que sempre estiveram ligados. Dois meses após o meu nascimento fui para Riachos. Voltaria para Lisboa com os meus pais dez anos depois. Eles tinham um café em Benfica. Dessa vez estivemos lá um ano e meio. Completei o ciclo preparatório nos pré-fabricados que havia na escola Maria Lamas. O liceu foi em Santarém, no Sá da Bandeira. Ia e vinha todos os dias de comboio”.Ri com gosto quando conta a sua meteórica passagem pelo clube de futebol da terra. “Foi nos infantis. Jogava a médio. Jogava é uma maneira de dizer porque a maior parte das vezes não jogava. Era suplente. Tive a sorte, ou o azar, de ter estado talvez na melhor equipa de sempre do Riachense. Eu gostava e ainda gosto muito de futebol. Passei ao lado de uma grande carreira”.Uma planta alonga o verde dos braços para além do vaso, junto a uma mesa ao fundo da sala. Numa modesta moldura a presença de outro pintor. Van Gogh. Num escritório de um advogado que também trabalha para alguns sindicatos seria uma surpresa encontrar sinais de ostentação. Uma miniatura dourada da balança da justiça, uma escultura em pau-preto, ou imitação. Uma casinha de barro pintado. Bibelôs nas estantes das leis. “Cada vez mais e cada vez piores leis”.Após a morte do escritor José Saramago retomou a leitura do seu último livro, “Caim”, que tinha interrompido muito tempo antes. Quando era novo leu os livros das colecções juvenis. Os Cinco, Os Sete, Júlio Verne. Mais tarde os clássicos. Portugueses e estrangeiros. Depois do 25 de Abril e da fase das leituras políticas, descobriu Fernando Pessoa. Leu António Lobo Antunes até aos livros mais recentes, aqueles que raros conseguem ler. Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto e outros escritores da nova geração vieram através de leitores mais jovens. “Temos a mania que o que é do nosso tempo é que é bom mas aprende-se muito com os filhos. Temos que estar receptivos e ser curiosos”.Um bairrista de Riachos que gosta de deixar a sua marca na comunidadeÉ uma pessoa com múltiplas actividades cívicas. Tem necessidade de intervir na sociedade?Gosto de intervir. Mas não é naquele sentido da caridade.Nem do protagonismo?Nem do protagonismo. Não estou vocacionado para isso. O facto de estar na câmara é um pouco no sentido da actividade cívica. É importante que a gente lute e faça alguma coisa para melhorar o sítio onde vive. Se estou na câmara, na Festa da Bênção do Gado ou no jornal de Riachos é também por isso: tentar transformar aquilo que podemos transformar.Gosta de deixar a sua marca na comunidade.Sim, acho que é importante. Ainda que sem querer o tal protagonismo. Não tenho jeito nem personalidade para isso. Importante é dar o nosso contributo. Possibilitar que se faça alguma coisa e que se consiga agrupar gente, arranjar consensos. Acho que há muita falta de consenso em torno de alguns problemas que são comuns.Sempre foi assim? O meio onde cresceu favorece essa militância cívica?Riachos sempre teve uma grande dinâmica associativa e pode ter influência nisso. É uma terra muito ligada às colectividades. Quando há um acontecimento qualquer em Riachos as pessoas aderem. As colectividades são ricas em património humano e funcionam de forma muito dinâmica e muito empenhada. O que significa ser de Riachos no contexto do concelho de Torres Novas?Acho que há o tal bairrismo, que muitas vezes se dizia ser excessivo e contraproducente. Acho que o bairrismo que existe em Riachos é importante. No fundo significa que existe um amor muito grande pela terra e que existe capacidade de intervenção e vontade de melhorar a sua terra. Este bairrismo não é contra ninguém mas sim de afirmação dos nossos valores.Não é um bairrismo feito contra Torres Novas?Não vejo isso assim. Embora haja alguma rivalidade, que até é importante, por exemplo, no desporto. É uma espécie de concorrência e até se ganha alguma coisa com isso. Mas como obsessão não deve ter qualquer valor. O que deve existir é o trabalho em prol da terra.A população vê-o como o vereador de Riachos? Pede-lhe que interceda pela terra junto da câmara?Não costumam pedir. Sou um vereador de todo o concelho. Gosto de Riachos porque é a minha terra, mas não quer dizer que não goste das outras. E as pessoas sabem que sendo vereador em Torres Novas sou vereador de todo o concelho.É advogado de alguns sindicatos. Não lhe tem faltado trabalho nos últimos tempos.Tem havido muito trabalho, até demasiado. Infelizmente. Tem havido muitos despedimentos, muitos conflitos laborais e tem havido uma realidade nova que são as insolvências.Envolve-se demasiado nos dramas pessoais e sociais que emanam dessas situações?Não me posso envolver muito. Tem que haver distanciamento. Como advogados somos intermediários. Defendo determinados princípios e determinadas causas, mas há que ter a noção que há outras partes e que há um tribunal que decide. Sei que há muitos problemas sociais, muitas dificuldades, muitas empresas a encerrar, mas depois tem de haver uma visão objectiva, interpretando a lei para que os trabalhadores defendam os seus direitos. Até porque são a parte mais fraca.
“Presidente da Câmara de Torres Novas exagera no quero, posso e mando”

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