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Chamavam-lhe “o Papa”

O MIRANTE recupera parte da entrevista ao ex-presidente da Câmara de Santarém, publicada na edição de 8 de Dezembro de 1999

Ladislau Teles Botas ficará sobretudo para a história como o primeiro presidente da Câmara de Santarém eleito democraticamente. De 1976 a 1992 liderou o concelho mais importante do distrito, altura em que passou o testemunho. Nessa entrevista, o comendador Ladislau Botas dizia que não tinha grandes saudades da política e afirmava-se como um dos últimos líderes que a região teve.

Quase oito anos depois de deixar o cargo de presidente da Câmara de Santarém ainda sente saudades da vida autárquica?Não tenho saudades porque considero que uma pessoa vai para um cargo público cumprir uma missão. E quando cumpre essa missão não pode ficar a sonhar ou com pena daquilo que não fez ou não realizou. E o que é que lhe faltou fazer?Várias coisas. Uma delas tem a ver com o problema das instalações desportivas. Fui dirigente da União de Santarém muitos anos e sempre tentei que fosse o clube a tomar as iniciativas. A câmara tinha a obrigação de apoiar e não de fazer as coisas e dar depois de mão beijada. Nunca, em minha opinião, o município deve estar a fazer instalações para depois serem entregues a um clube. Até porque se põe sempre a questão de qual clube, porque há vários.Tem orgulho na obra feita.Fui presidente da câmara e como tal tinha uma equipa. Portanto não fui eu que fiz, foi o Partido Socialista, que estava no governo do município nessa altura. Não me posso estar a vangloriar que fiz isto ou aquilo. Fiz porque era minha responsabilidade fazer. Eu tinha obrigação de fazer. Disse que encarava a política como uma missão e não como uma plataforma para atingir determinados benefícios. Quando decidiu abandonar a câmara, em 1992, foi porque sentiu que a missão estava cumprida?Não. Saí devido à doença terrível que me atingiu. Tenho a doença de Parkinson em grau bastante avançado. Foi há quase quinze anos que vi que tinha a doença. Continuei a trabalhar enquanto vi que tinha condições. Quando verifiquei, e analisei com a família e com o partido, que não tinha condições disse: “Meus senhores isto é para fazer a cem por cento, de dia e de noite, sem hesitações”. Quando um autarca é chamado a resolver um problema, quando tem que ir a uma reunião, quando o autarca tem que fazer qualquer coisa, fá-lo! Não pode dizer que está doente. Acha que o PS corre o risco de perder a câmara?O PS só perde a câmara se os dirigentes responsáveis não souberem minimamente tomar a atitude correcta. Porque a certa altura os dirigentes têm obrigação de dizer: “é este!”. Porque há dezenas de jovens inscritos no Partido Socialista em Santarém, entre os 45 e os 35 anos, alguns até mais novos, com qualidade. O João Grego, o António Carmo... Eles são tantos que até me esqueço do nome deles. Pelas suas palavras parece que há um certo desvalorizar da oposição, nomeadamente do PSD?Eu não desvalorizo ninguém. É que eu conheço-os. E o PSD em Santarém nunca mostrou coragem política para pôr alguém com qualidades suficientes para isso.“As pessoas têm consideração por mim”Os políticos passam de bestiais a bestas com muita facilidade. Sentiu alguma vez isso em relação a si?Não, não tenho razões nenhumas para me sentir diminuído perante seja aquilo que for. Ainda hoje sou confrontado com cumprimentos em que me tratam por senhor presidente. A maior parte das pessoas trata-me assim. Sente-se recompensado?Não é bem isso. Sinto que a população de Santarém tem consideração por mim. Depois, como me dizia o meu amigo Mário Soares, político que não tem concorrentes ou adversários não é político. Portanto não vamos pensar que toda a gente está de acordo comigo ou que as pessoas que hoje me cumprimentam votaram todas em mim. Porque é que Santarém, capital de distrito, nunca teve uma figura política forte, como tem Matosinhos, Braga, Maia ou mesmo Abrantes, com Jorge Lacão. Não concordo com essa ideia. O que aconteceu em Santarém foi que a pessoa que sempre chefiou a actuação do partido nunca quis mostrar a sua força. Dizia o José Faustino, numa das últimas edições de O MIRANTE, que falta um líder em Santarém. Pois eu pergunto: Onde é que foi feita a escritura da constituição da Associação Nacional de Municípios? Onde é que foi feita a escritura da associação nacional dos municípios do Partido Socialista? Quem foi o único autarca que pertenceu ao secretariado nacional do PS como secretário nacional para as autarquias? Quem foi o autarca que teve de fazer o acordo com os outros três partidos, em Moura, para indicar o que é, desde então, presidente da Associação Nacional de Municípios? Quem era o representante habitual de Mário Soares aqui no distrito? Quem foi durante anos e anos o responsável pela Associação de Municípios da Lezíria do Tejo? Quais foram os três autarcas que estiveram nos Estados Unidos pagos pelo departamento de Estado? Fui eu, o Narciso Miranda e o Girão Pereira, de Aveiro...O que é que o senhor quer concluir com isso?Que durante anos e anos fui o líder do Partido Socialista aqui. Toda a gente me respeitava e considerava, porque tive sempre uma actuação discreta. Porque entendo que o líder deve sê-lo naturalmente, não se deve impor. Vejam o caso do Jorge Lacão: eu considero-o um bom militante e um bom líder, mas para conseguir isso tem dado cada cambalhota... Eu não vou nessas coisas. Eu sou muito amigo do António Guterres mas quando ele foi eleito pela primeira vez para secretário geral do PS não pude aceitar aquela fuga de responsabilidades perante o Jorge Sampaio e disse-lhe que não tinha razões nenhumas para deixar de apoiar o Jorge Sampaio. Diziam que não era bonito, que não tinha uma boa imagem. Mas eu continuei a apoiá-lo. Evidentemente, quando acabaram as eleições telefonei ao António Guterres a dar-lhe os parabéns e dizendo-lhe que podia contar comigo.Pelos vistos tinha uma actuação demasiado discreta para político?Claro que eu não falava nestas coisas. Um colega vosso, pouco tempo depois de eu ter saído da câmara, disse-me: “Já estamos com saudades suas. Você nunca aparecia a chatear a gente, era democrata e estes agora só nos chateiam”. A questão é esta: eu nunca quis impor a minha presença nem nunca fiz nada que fizesse pensar que eu estava à espera de alguma coisa. Eu era empregado bancário. Abandonei o emprego para servir o meu país, para servir o meu partido. Fui sindicalista, fui homem da Acção Católica e cumpri sempre as minhas obrigações com o sentido humano que cada um deve ter. Ser líder não é andar a impor listas cozinhadas à última da hora nos corredores. Ser líder é fazer com que as pessoas participem. Sabem como é que eu sou conhecido entre muitos autarcas, sobretudo da zona norte do distrito? Não.Pelo “Papa”.Não acha isso depreciativo?Não. O Papa é o chefe.

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