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Meninas que agarram os toiros pelos cornos

Meninas que agarram os toiros pelos cornos

Benavente tem o único grupo de forcados no feminino do país

Apertam uma cinta vermelha sobre calças de ganga e usam camisa branca. São as meninas forcadas de Benavente. Jovens, femininas e apaixonadas pela festa brava. Deixam o medo do lado de lá da teia e reclamam adrenalina em plena arena. Ana Santiago

“É hoje que vais levantar a praça, Susana?”, atira um jovem à entrada do Largo do Calvário, em Benavente, onde uma praça de toiros amovível foi montada no último fim-de-semana para um espectáculo de variedades taurinas. A cabo do grupo de Forcados Femininos de Benavente – uma das atracções da noite de sexta-feira, 23 de Julho - sorri. Rodopia sobre si própria para enrolar a cinta vermelha. A trança de noiva, onde arrumou os caracóis castanhos, dança ao mesmo ritmo. Tem o ar angelical dos 15 anos, 1,52 metros de altura e pesa 47 quilos. Chama-se Susana Frieza, mora em Benavente e lidera com garra o grupo de meninas que há dois anos lembrou o público da festa brava que as mulheres afinal também podem pegar toiros. As 18 jovens estão aconchegadas na associação da terra que acolhe também o grupo irmão dos Forcados Amadores de Benavente.Pouco antes da hora do espectáculo os cavaleiros preparam os cavalos, vendem-se bifanas, bebem-se cervejas e afastam-se os mosquitos. “Venho cá só para ver as miúdas”, justifica um pai de família que acaba de entrar na arena com a filha de colo. Apoiado numa tranqueira, Carlos Alberto, ao lado da mulher, espreita o ambiente da noite e usa uma tranca de árvore para afastar os insectos. É o avô da cabo. Sente-se empolgado com a participação da neta, apoia-a, mas diz que já sabe o que a casa gasta. “Duvido que isto seja para continuar. Há falta de apoio à festa. Se calhar as pessoas que estão aqui hoje nem são de cá”, diz despachado.As meninas não envergam uma jaqueta, tal qual os forcados. Usam camisa branca e calças de ganga. As meninas ouvem o toque de entrada. Cumprem as cortesias e aguardam nas trincheiras a vez de encerrar a noite com a última pega que lhes está reservada com o quinto novilho. Tiram os últimos pares de brincos, abotoam os punhos da camisa com laços vermelhos e fumam um cigarro. Antes de seguirem para a arena ainda aconselham o rapaz que foi à cara pela primeira vez. “Isso com o tempo vai, Russo!”. Luís Lourenço, 13 anos, faz a primeira pega pelo grupo masculino, fardado, e procura entre as ‘irmãs’ o conforto depois da arena. Na hora de passar para lá das trincheiras, Sónia Oliveira, 22 anos, concentra-se no que há a fazer e esquece por momentos o pequeno Ruben de três anos. A mãe, empregada fabril, está há pouco mais de dois meses no grupo, mas já partilha a emoção de pegar. E o medo? “O medo fica do lado de fora”. Quem fala assim é Nélia Pereira. Tem 26 anos e é repositora e distribuidora de uma fábrica. Mora na Venda do Pinheiro. A irmã também lá está. Nádia Pereira, a menina que quis ser cavaleira e que está à procura de emprego, é a grande responsável pela chegada ao grupo da menina alta, de tez clara, que faz lembrar uma boneca de porcelana. Tem 17 anos. Em noite de corrida Cátia Lopes deixa de lado o baton, o rímel e os sapatos altos. Mora na Malveira e juntou-se ao grupo porque gosta de toiros. As meninas pegam toiros. É uma paixão, mas também passatempo. Podiam praticar juntas ginástica de manutenção, explica Susana Frieza.“As meninas vêm pegar ovelhas?”A areia que o animal levanta na arena, momentos antes da pega, não as perturba. Não vacilam à entrada do novilho. Algumas benzem-se na altura de concretizar a aventura. Susana, filha e irmã de forcado, estudante no 10º ano do curso profissional de gestão, enfia com convicção o barrete verde. Dá o primeiro passo. Depois o segundo, o terceiro. Capta a atenção do toiro, mas falha a pega à primeira. Perde os dois sapatos. Não se desconcerta. À segunda é de vez. Fecha-se na cara do animal seguida pelas sete companheiras. A praça, com a grande maioria dos lugares vazios, aplaude. E Susana sente-se grande. O orgulho transborda da farda.No regresso às trincheiras há uma mancha de sangue na camisa até então imaculadamente branca. As cintas estão descompostas, as tranças despenteadas. “Parabéns!”, deixa um dos bandarilheiros à passagem. Um laço preto atado ao braço lembra que partiu um amigo do grupo num acidente de viação.A mãe Rosália e a Tia Verinha preparam panados, pastéis e rissóis para quando as meninas saírem. Já passaram este ano por algumas praças portuguesas. Pegam animais adequados ao seu peso e medida. Mesmo assim ouvem comentários desagradáveis. “As meninas vêm pegar ovelhas?”, perguntaram-lhes antes de uma actuação já este ano em Sousel. A ‘ovelha’ que lhes saiu na rifa tinha 420 quilos. “Susana Frieza fez uma das melhores pegas do ano que ainda há pouco estava a ser falada”, analisa orgulhoso o cabo dos Forcados Amadores de Benavente, António Vasco, que augura um bom futuro ao grupo de jovens. No final as mulheres do grupo feminino trocam beijos na testa. Quando as coisas correm bem, mas também quando correm mal, explica Susana Frieza. Sabem que enfrentam um mundo marialva, mas a discriminação que já sentiram na pele dá-lhes mais vontade de mostrar o que valem. “Acho que alguns homens não gostam porque sabem que nós podemos brilhar”, diz a menina com cara de boneca de porcelana.
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