23º Aniversário | 17-11-2010 15:33

Distribuir sorrisos, comida e palavras de conforto aos doentes

As colegas chamam-lhe num tom brincalhão “o galo da capoeira” e Felismino, voluntário no hospital de Vila Franca de Xira, responde com um sorriso. Entre 42 voluntários ele é o único homem. Uma honra que não gostava de ter. “Muitos homens têm vergonha de fazer isto”, lamenta.

Aos 68 anos Felismino Neves Gonçalves faz voluntariado de corpo e alma durante várias horas por semana no Hospital de Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira. O rosto de Felismino é conhecido por todo o hospital, sobretudo por ser o único homem a vestir uma bata amarela. Em 46 voluntários ele é o único homem. É reservado, não gosta de protagonismo e começa a tremer quando fala para o microfone.Durante as horas que passa no hospital alimenta os doentes que estão incapacitados de o fazer, distribui sorrisos, ouve desabafos, conta anedotas e às vezes empresta o seu ombro a um ou outro doente. Já lá vão dois anos desde o seu primeiro dia e, em largas centenas de horas de trabalho apenas faltou uma vez – por motivos de saúde. Não recebe nada em troca e garante que dá o melhor que tem.“Sou pessoa muito discreta, não gosto de aparato”, confirma. Enquanto despe a bata amarela as colegas garantem que ele é o “galo da capoeira”. Mas essa é uma honra que Felismino não gostaria de ter. “Faltam mais homens, gostava de ter aqui um camarada para falarmos de outras coisas, até de futebol, de preferência do Benfica. Infelizmente muitos homens têm vergonha de fazer isto”, lamenta. Diz que nunca se sentiu diminuído ou atrapalhado à frente das colegas. O facto de ser voluntário num local onde os médicos e os enfermeiros ganham o seu ordenado também não lhe mexe com o espírito.A história de Felismino no voluntariado começa com a morte da sua esposa, há sete anos. “Eu fiquei viúvo e precisei que me fossem a casa limpar e passar a roupa a ferro. Uma senhora que lá foi um dia olhou para mim e perguntou-me com ar sério se eu não gostava de ir fazer voluntariado. Eu disse-lhe que ia e acabei por vir ter com a Lurdes Assunção (fundadora das batas amarelas). Fui a uma entrevista e depois tive umas formações para estar neste serviço, não foi difícil”, conta.Apesar de não negar que a entrada no voluntariado se deveu à morte da companheira, Felismino garante que faria voluntariado na mesma. “Se ela não tivesse falecido (na sequência do rebentamento da aorta, no coração) provavelmente faria voluntariado na mesma, poderia era não ser no hospital. E se encontrasse outra pessoa a precisar de ajuda não tenho dúvidas que lhe daria uma mão”, garante.Felismino nasceu na freguesia de Alvaiázere e veio com quatro anos para Lisboa. Esteve na Charneca do Lumiar até aos 18 anos e embarcou para Moçambique nessa altura. Casou, teve dois filhos e regressou a Portugal em 1971. Foi morar para Camarate até 1996, altura em que por motivos de saúde da esposa foi forçado a comprar uma vivenda no Porto Alto, Samora Correia, concelho de Benavente, onde ainda hoje vive. Mas, confessa, o seu coração está sempre em Vila Franca de Xira. Felismino foi durante a vida maçariqueiro de neón. “Fazia os reclames luminosos das lojas e cafés, era um trabalho muito bonito, de valor, porque era tudo artesanal, feito à mão e com perícia”, revela.Este único voluntário homem do Reynaldo dos Santos diz sentir uma alegria forte e um “imenso bem-estar” quando ajuda os outros. “A minha vida mudou completamente. Eu estou a fazer aos outros aquilo que gostava que fizessem a mim se eu necessitasse. De maneira alguma eu receberia um tostão por fazer isto. Pretendo fazer voluntariado enquanto tiver força nas pernas para vir para o hospital, todos os dias que seja possível. Nestes dois anos só faltei uma vez, porque me marcaram uma consulta e não havia maneira de mudar”, conta.Felismino confessa a O MIRANTE que é preciso “um certo estofo” para realizar este tipo de voluntariado. Num hospital as situações más são em maior número que as boas e já enfrentou doentes que o marcaram psicologicamente. “Às vezes na cirurgia vejo coisas que não me agradam. Mas tentei mentalizar-me que iria encontrar situações difíceis e tenho resolvido isso à minha maneira”, explica.Para Felismino a sociedade precisa de mais pessoas altruístas. “Acho que faz muita falta mais voluntários, mais espírito amigo. As pessoas só olham para o seu bem e muito pouco para o bem comum. E esquecem-se que há pessoas que estão muito mal e precisam de alguém que os ajude”, conclui.

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