23º Aniversário | 17-11-2010 15:40

O excesso de generosidade da época de Natal devia ser dividido pelo ano todo

É uma pessoa alegre e determinada. Descobriu que tinha muito para dar e foi à procura do lugar certo para gastar toda aquela energia. A felicidade obtém-se através da partilha.

Na garagem de Ana Becho há quase sempre mesas, cadeiras, camas, sofás e outros objectos que podem fazer falta numa casa. Não é que ela tenha mobília a mais, ou qualquer vício de acumular tralha. Tem apenas vontade de ajudar quem precisa. Como as necessidades das pessoas são diversificadas, a acumulação de mobiliário em bom estado também faz parte das suas rotinas. “Por vezes o senhor dos Móveis do Norte traz-me algumas coisas que não vende ou que trouxe de casa de clientes que compraram mobílias novas. Outras vezes é o senhor da recolha da câmara que vê algum objecto em bom estado e tem pena de o levar para ser destruído. Também há pessoas que me telefonam e eu vou buscar”. Nessas alturas quem a ajuda é o filho. Ele e a irmã andam ocupados nas suas vidas mas gostam de saber que a mãe se dedica a algo que gosta e que lhe dá satisfação.Foi há pouco mais de uma década que Ana começou a dedicar mais tempo a acções de voluntariado e de auxílio a necessitados. “Estava a passar por uma fase complicada da minha vida e aproximei-me da Igreja. Sempre fui católica mas nunca fui de ir muito à missa ou de grandes devoções, mas fez-me bem”. Mulher activa e voluntariosa, descobriu rapidamente que tinha que fazer mais que rezar ou meditar para se sentir feliz. Primeiro começou a ajudar no bar. A seguir inscreveu-se como Vicentina na paróquia de Nossa Senhora de Fátima. “Descobri que tinha muito para dar. Agora sinto-me muito bem!”, diz com um sorriso a iluminar-lhe o rosto. Ana Becho nasceu em Alpalhão, concelho de Portalegre, onde viveu até aos 12 anos. A seguir passou oito anos em França. Voltou a Portugal para casar. Durante a conversa com O MIRANTE diz que não se recorda de participar em acções de solidariedade. Mais à frente lembra-se de umas senhoras idosas que conheceu quando trabalhou na farmácia em Riachos, a quem dava medicamentos e pagava algumas refeições. “Elas estavam sozinhas. Precisavam de alguém”, explica.O Entroncamento, cidade onde reside, surge nos primeiros lugares dos índices de consumo e conforto a nível nacional. Uma cidade rica, dir-se-ia. E era essa ideia feita que ela também partilhava antes de se dedicar de alma e coração aos mais necessitados. “Eu não tinha a consciência do que se passava. Esta cidade tem riqueza mas também tem a sua dose de pobreza. Distribuímos géneros que nos chegam através do banco alimentar. Vamos todos os dias ao quartel buscar sopa para dar. Temos pessoas que estão sozinhas a quem faz falta alguma companhia e conforto. Pessoas idosas, principalmente”. Nota-se decisão e determinação na sua voz. A mesma determinação que a faz pegar no carro e percorrer dezenas de quilómetros para entregar alimentos ou roupas a outras instituições de apoio social. “Por vezes temos aqui coisas a mais e damos a outras organizações. Ao Bom Samaritano, ao Lar dos Rapazes…”. Não hesita em falar de assuntos menos agradáveis. “Há pessoas que andam aí a pedinchar sem precisar. Há outras que precisam e que nem sonhamos que elas precisam. Só chegamos até elas através de vizinhos ou de amigos”.Confessa que por vezes enfrenta situações bizarras. “Há pessoas pobres que não aceitam fruta que esteja ligeiramente tocada porque já não dá para estar na fruteira. Geralmente levo-a para minha casa e faço doce para distribuir”, conta. E há também quem chegue a ser ofensivo. “Já tenho tido dissabores. Andei a ajudar uma pessoa idosa. A senhora acabou por ter que ir para um lar porque não podíamos ajudá-la em casa. Quando faleceu, o filho, que nunca a ia visitar, disse que eu e a irmã tínhamos posto a mãe no lar para ela morrer mais depressa”. Ana Becho diz que se sente magoada mas que segue em frente. “Tenho a consciência tranquila!”.Já anda no ar o espírito do Natal. A generosidade espalha-se como um vírus. Ana Becho activista da ajuda ao próximo lamenta o que se vai passar. "Há pessoas carenciadas que vão receber dois e três cabazes de Natal". É um tempo de excesso a que se segue um ano de penúria. "Há produtos que não é possível conservar muito tempo. Há pessoas que não têm capacidade para fazer durar a ajuda e vivem à rica, por uns dias. É excessivo. Temos que dividir a nossa boa-vontade pelo ano todo”.

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