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As intervenções nas zonas ribeirinhas tentaram aprisionar o Tejo mas ele tem mais força que os arquitectos

Maria da Graça Amaral Neto Saraiva professora, investigadora e apaixonada pelo rio

Faz parte da família Amaral Neto, uma das famílias mais importantes do concelho da Chamusca. Cresceu junto ao Tejo e é uma apaixonada pelo rio. Escreveu sobre ele em 1995. “O rio como paisagem : gestão de corredores fluviais no quadro do ordenamento do território”. Professora Associada da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e Investigadora do Centro de Sistemas Urbanos Regionais do Instituto Superior Técnico critica o facto de as pessoas não serem ouvidas antes de serem tomadas decisões que afectam as suas vidas.

Como olha hoje para o rio Tejo? Estou muito ligada ao Tejo. É um rio com o qual tenho uma relação emotiva por fazer parte da paisagem da minha zona de infância. Tem uma força muito grande. Um rio muito bonito que às vezes é visto de uma forma fraccionada. Diz-se, o Tejo aqui, o Tejo ali. Precisávamos de uma visão conjunta do Tejo. Conhece as obras de reabilitação das zonas ribeirinhas de muitos dos concelhos da região, desde o Aquapolis de Abrantes às obras em Coruche, Vila Nova da Barquinha, Golegã, o passeio pedonal de Vila Franca de Xira as obras do palácio das Obras Novas na Azambuja. Na maioria dos casos a vertente ambiental, ecológica não parece ter sido considerada como prioritária. Concorda?Algumas intervenções são um bocadinho duras. Impõem-se sobre o rio. É preciso deixar o rio fluir mais naturalmente. Algumas são interessantes mas são-no na perspectiva da obra do arquitecto xis ou do gabinete ípsilon. O rio não precisa tanto dessas intervenções personalizadas. Não gosta do projecto Aquapolis em Abrantes, por exemplo?Sou crítica. Acho que é muito obra do artista. O arquitecto impõe-se. Eu não reconheci ali o Tejo. Gostei mais da outra margem que não foi mexida. Que escapou ao arquitecto. O que se fez em Coruche também achei um bocadinho rijo. Tenho muitas conversas com o arquitecto Ribeiro Telles que é de Coruche e ele é da mesma opinião. Falta-lhes uma vertente ecológica, ambiental.Há alguma reabilitação de zona ribeirinha que ache que está mais próxima das pessoas?No Escaroupim (concelho de Salvaterra de Magos) acho que houve sensibilidade e é interessante. Também me disseram mas eu não conheço, que em Salvaterra de Magos há um parque muito fluído. Que deixa o rio respirar. Mas na maioria dos casos há muito muro; muito pavimento; muito plano; muita estátua. O rio tem mais força que isso tudo. Tem mais força que a grande obra do grande arquitecto. Em que medida essas intervenções potenciaram, se é que o fizeram, o desenvolvimento local?Há uns grupos com quem tenho estado que querem fazer do Tejo Património Mundial. Não sei se isso não será um bocadinho ambicioso mas acho que é uma boa oportunidade para se pensar nas motivações que o Tejo questiona com as várias comunidades ribeirinhas. A maioria das comunidades tem pouca ligação com os seus rios. Isso precisa ser alterado mas não se consegue apenas com obras. As pessoas não têm a ligação que as antigas comunidades ribeirinhas das zonas de cheias tinham com o Tejo. O rio era algo que fazia e ainda faz, parte das suas vidas. Para Portugal era mais importante o TGV ou a regularização do Tejo?Eu de TGV não sei nada. Para mim era muito interessante olhar-se para estas questões dos rios com olhos de ver. Não sei se regularização é a palavra certa. A questão é uma gestão que tenha em conta todas as valências. Agricultura, qualidade dos eco sistemas, estrutura das margens...Calculo que tenha críticas a fazer relativamente à extracção de areia, por exemplo. Há um exagero. Criam imensas alvercas e buracos. Deviam seguir uma legislação. Deviam de alguma forma recuperar as zonas onde extraem. Agora com a crise da construção já não há uma pressão tão grande. Com o conhecimento que temos hoje podemos dar respostas a necessidades de uma forma ambientalmente mais equilibrada.O que aconteceu às margens do Tejo?Eu sou fã das marachas. Hoje o que se vê é que estão abandonadas. Falei muitas vezes com pessoas da antiga hidráulica do Tejo. Fartei-me de insistir na necessidade de as limpar regularmente. Lembro-me da técnica do meio golpe dos salgueiros. Era uma técnica que consistia em cortar os salgueiros a meio golpe, sem ser até ao fim, e dobrar os ramos até ao rio para proteger a margem das águas mais fortes. Era obrigatório. Uma propriedade dos meus pais era confinante com o Tejo. E os confinantes eram obrigados a fazer esse tratamento das margens pela Hidráulica, quando havia uma gestão mais acompanhada. O rio e as suas margens era vigiado pelos Guarda-Rios, que entretanto desapareceram. Essas técnicas como a que descreveu são caras porque envolvem mão-de-obra. É verdade mas são mais baratas do que revestir as margens com pedra, betão ou com o que quer que seja. E há toda uma tradição associada que se deveria manter. Sobre o Tejo há um melhor conhecimento e novos instrumentos. O conhecimento integrado avançou bastante. E há uma maior preocupação com a tal qualidade ecológica. O que falha é essa gestão integrada de que fala?Sim. E curiosamente nos diversos organismos há pessoas com grande sensibilidade para estes problemas....Escreveu mais recentemente o livro “Os rios nas cidades”. Conhece casos de rios “emanilhados”, como a ribeira que atravessa a cidade do Entroncamento, por exemplo? O caso do Entroncamento não conheço suficientemente bem mas conheço casos em zonas próximas de Lisboa. Devem ter sido feitos na mesma altura, nas décadas 40 e 50 do século passado. Vai ser um drama se se confirmarem as previsões em termos de alterações climáticas que apontam para chover menos vezes mas com muito mais intensidade. Os caudais dessas ribeiras não cabem nas manilhas e em vez de cheias temos enxurradas. Vamos ter situações de enxurradas críticas em certas alturas e caudais reduzidos o resto do ano. Em relação aos rios como em relação a outros assuntos do dia a dia nota-se que, cada vez menos, as pessoas são ouvidas por quem decide. Concorda? É verdade. O envolvimento das populações ribeirinhas praticamente não existiu. Muitas vezes elas só foram chamadas para ouvir o que iria ser feito. As decisões são tomadas de uma forma muito fechada, sem qualquer participação das pessoas. Também é verdade que temos uma cultura de pouca participação. Isso tudo junto resulta num grande afastamento. Os planos estão escritos em linguagem muito técnica, muito fria. Desmotivam qualquer um. É uma situação grave na democracia portuguesa. Veja o caso dos Planos Directores Municipais. As revisões iniciam-se e muitas vezes nem sequer essa informação é dada às populações. Vivemos num limbo. Não sabemos em que ponto está, o que se está a passar...Os períodos de discussão pública...São para inglês ver. A maior parte das vezes não há vontade de transmitir. De tentar sequer explicar. Os técnicos ficam muito fechados nas suas conversas e não sabem transmitir. As pessoas sabem o que querem mas olham para aqueles mapas, para aquelas fotografias aéreas e aquilo não lhes diz nada. A maior parte das decisões políticas são centradas nas questões económicas.Para o bem e para o mal é o que lidera as discussões. Veja esta reforma administrativa. Ela é motivada pelos cortes, por imposição exterior. E mais uma vez as populações não são ouvidas. Amocham!Os arquitectos paisagistas já fazem parte da nossa paisagem?São muito úteis nas alturas das eleições para fazer jardins bonitos. Nessas alturas têm mais trabalho. Mas eu sou professora. Não estou muito ligada a estas questões directamente.

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