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“Seria mais feliz se não soubesse interpretar os gestos

“Seria mais feliz se não soubesse interpretar os gestos

Carlos Ferreira, 57 anos, director executivo do ACES, Santarém

O director executivo do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES), Ribatejo - Lezíria I, Carlos Ferreira, 57 anos, é também professor. Vive em Santarém, onde nasceu, cidade que não troca por outro lugar do mundo. É casado, tem três filhos e três netos. Já jogou futebol mas actualmente pratica apenas o sofá. É formado em psicologia e tem o hábito de ler os gestos dos interlocutores. Uma capacidade que não o deixa ser tão feliz como gostaria.

Ser professor ajuda-me a reduzir o stress. As aulas de psicologia na Escola Superior de Saúde de Santarém são estimulantes porque geram debate. Não marco faltas mas conto com os olhos quantos alunos estão na sala. Se na aula seguinte o número for inferior quer dizer que não fui capaz de os motivar. Se o número for semelhante ou superior está a valer a pena. Fui capaz de os fazer levantar cedo da cama.Seria mais feliz se não soubesse interpretar os gestos. Consigo perceber o que as pessoas me dizem com o corpo. Muitas querem despachar-se porque têm mais que fazer. Alguém que abana a cabeça constantemente está a mandar-me calar. Controlamos as palavras mas os gestos é mais difícil. Por alguma razão os poetas dizem que os olhos são o espelho da nossa alma. Percebo quando a minha mulher não me está a ouvir, por exemplo (risos)...Cresci no centro histórico de Santarém e joguei à bola no largo padre Chiquito. Não havia calçada, era tudo aberto e dali via-se o Tejo. A cidade mudou mas continuo a gostar muito de morar em Santarém. Não a trocava por mais nenhuma, também por ter aqui os afectos. Tenho uma casa de campo em Advagar, Achete, para onde vou ao fim-de-semana tirar umas ervas que voltam rapidamente a crescer.Enquanto frequentei o curso de psicologia ia para Lisboa todos os dias de comboio. A hora e meia para lá era aproveitada diariamente para o estudo. No regresso era um martírio por causa do frio e do cansaço. Foi assim também para muita gente que está licenciada hoje em Santarém. Não há tarefas femininas e masculinas em casa. Não tenho problema em passar a ferro. Se chegar a casa e a minha mulher estiver a fazer o jantar posso estender a roupa. Há dias em que me apetece cozinhar. Nessas alturas a minha mulher não pode lá entrar. É que eu invento e coloco ingredientes que não é suposto. Aqui há tempos fiz um peixe assado no forno com leite que foi elogiado. Saí do trabalho cansado, a precisar de companhia e convidei uns amigos para jantar. Quando tinha dinheiro para gastar passeava por todo o mundo. Conheço todos os continentes. Nos últimos anos a coisa tem sido mais caseira. Recebo menos 35 por cento do que recebia há dois anos no mesmo cargo. O rendimento dos dirigentes da administração pública desceu muito. Organizei a minha vida para ter um rendimento de 40 por cento disponível para a borga, logo, como me tiraram esse dinheiro, tive que cortar em muitas coisas. Não tenho empregada diária todos os dias mas só ocasionalmente porque não tenho condições económicas para isso.A verdade não existe. É aquilo que cada um de nós vê em determinado momento. Há uma frase do psicólogo Kurt Lewing que acho brilhante: “o meio ou mundo bruto circundante não existe”. O que nós conseguimos observar depende muito do nosso estado de espírito. Se estou constantemente a observar coisas que me desagradam tenho que tentar dentro de mim próprio começar a ver o mundo de forma diferente. A psicoterapia não é mais do que isto. Tenho complexos de culpa por algum facilitismo que dei aos meus filhos. Subi a passo e as conquistas sabiam-me sempre bem. Comecei a trabalhar como administrativo na área da saúde quando estava no quarto ano de psicologia. Fiz tudo aquilo que foi possível fazer nesta casa até chegar a director. Eles não tiveram que subir porque coloquei-os logo lá em cima. Agora custa mais descer. Tenho o sentimento de que isto não é exclusivo dos meus filhos mas de uma geração. Preocupo-me com o futuro. Não vejo dias risonhos para os meus netos. Gosto que o Sporting ganhe e se possível que Benfica e Porto percam. Se for possível conjugar tudo isto sou feliz. Não sou fanático mas assistir a um jogo de futebol ajuda a libertar-me. Quando os jogos são internacionais defendo claramente o meu país. Neste aspecto sou igual a todas as pessoas. Também joguei futebol mas hoje pratico sofá e sou muito assíduo. Sou obsessivamente organizado. Se emito um despacho exijo que seja cumprido dentro do prazo. Não suporto atrasos. Se marco uma reunião para as 9h30 e alguém chega cinco minutos depois faço má cara. Se por alguma razão sou eu que me atraso sinto uma pressão do arco da velha. O cúmulo da minha organização é preparar todos os dias à noite a roupa que vou vestir no dia seguinte. Não consigo ter peças desarrumadas nem olhar para os sapatos por limpar. Ana Santiago
“Seria mais feliz se não soubesse interpretar os gestos

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