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O músico brasileiro Paulo dos Anjos é um dos eleitores estrangeiros da freguesia de Almeirim

O músico brasileiro Paulo dos Anjos é um dos eleitores estrangeiros da freguesia de Almeirim

Gosta da cidade que diz ser bem gerida mas gostaria mais se o cineteatro tivesse uma programação regular

Veio de Goiana, Pernambuco, em 1991. A ideia era visitar uma prima que vivia em Almeirim e depois seguir viagem para a Suíça onde iria realizar o sonho de viver da música. Acabou por ficar porque o dinheiro que tinha trazido não dava para a viagem sequer. Gosta da cidade e podia gostar mais se lá houvesse mais trabalho e o cineteatro tivesse uma programação regular. Está recenseado, apesar do recenseamento ser voluntário, por uma questão de civismo.

Chama-se Paulo José Miguel dos Anjos, é brasileiro e está recenseado na freguesia de Almeirim onde reside. É o eleitor nº ER-1. Naquela freguesia estão recenseados oito estrangeiros, cinco dos quais não comunitários. Para os estrangeiros o recenseamento não é obrigatório. Paulo dos Anjos, músico de profissão, optou por fazê-lo por considerar ser um dever cívico.No dia em que falou com O MIRANTE, 14 de Agosto, passavam vinte e dois anos da data da sua chegada a Portugal vindo da cidade de Goiana, no Estado de Pernambuco. Foi para Almeirim porque era naquela cidade que residia uma prima sua, casada com um português. “Na altura o meu plano era passar aqui uma semana para conhecer um pouquinho do país e a seguir pegar um comboio e ir para a Suíça”. A estadia prolongou-se até agora. Tudo porque de repente descobriu que o dinheiro que tinha trazido não chegava para nada. Nem sequer para a viagem até ao país dos relógios e dos chocolates.Estávamos em 1991 e Paulo Anjos tinha 29 anos. No Brasil tinha deixado os pais, cinco irmãos e a sua actual esposa que namorava há sete anos. Tinha deixado também um emprego num banco e cancelado a matrícula na Faculdade de Letras. O sonho era ganhar a vida como músico. No Brasil já tocava em bares e a Europa parecia um paraíso quando vista de um país onde a inflação chegava a valores absurdos como oitenta por cento ao mês.“Quando cheguei aqui o meu repertório era cem por cento MPB (Música Popular Brasileira). Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan, Cazuza, Alceu Valência, Maria Bethânia. Eu era violão e voz. No Brasil começava às dez da noite e tocava até às 4 da manhã com o público sempre lá, atento, escrevendo pedidos em guardanapos de papel. Quando comecei aqui, ao fim de 15 minutos ia tudo embora. Tive que mudar. Passei a tocar oitenta por cento de música portuguesa e vinte de música brasileira e espanhola”, conta. Paulo não desmoralizou. Na altura havia bastante trabalho. “Ao fim de seis meses fui ao Brasil e noivei. Voltei e ao fim de ano e meio fui de novo e casei. A minha mulher veio comigo”. O brasileiro que esteve para ser emigrante na Suíça fixou-se em Portugal. Em Almeirim. Tem três filhos nascidos em Portugal, um dos quais concluiu o 12º ano e vai cursar Engenharia Informática. “O gosto dele era paleontologia”, diz um pai que se lembra de quando era jovem e também tinha um pai que não via futuro na música. “Pai é assim. O sonho dele era que eu fosse militar ou médico... e ele até gostava de música e era músico de filarmónica”. Dois dos meninos têm dupla nacionalidade. O mais velho não tem porque quando nasceu os pais ainda não residiam em Portugal há cinco anos. “Fomos adiando o pedido porque tem muita burocracia mas agora chegou a altura. Já demos entrada disso”, explica Paulo. Ele e a esposa vão continuar a ter uma única nacionalidade. São brasileiros.Nunca foi convidado para integrar qualquer lista de candidatos em Portugal. Se o tivesse sido provavelmente tinha recusado amavelmente. Não porque não se interesse pelo que se passa à sua volta mas porque tem uma actividade que não se compadece com militância política. Ainda se houvesse um Partido da Música...Resume assim a sua opinião sobre o local onde vive. “Gosto muito de viver aqui mas felizmente não dependo de Almeirim para ganhar a vida. A maior parte do meu trabalho é feita noutros locais, um pouco por todo o país. Eu não tenho muito a reclamar. Saúde, educação, limpeza pública... acho que a cidade tem sido bem gerida”. Após uma ligeira hesitação acaba por confessar que há uma questão que não lhe agrada. E como poderia agradar a um músico como ele ver o Cineteatro, com tão boas condições e a cheirar a novo após uma cuidada recuperação, fechado a maior parte do tempo e sem programação regular? Fica a esperança que algo mude e que Paulo dos Anjos possa estrear ali o seu álbum de originais que anda preparando há algum tempo.O músico tem uma opinião interessante sobre a questão da segurança que tanto preocupa uma parte da população da cidade. “Quando as pessoas falam da falta de segurança, eu compreendo o que elas dizem mas costumo dizer que precisavam fazer um estágio no Brasil para poderem dar o valor à segurança que têm. Lá, quando começa a escurecer você tem que já estar dentro de casa. E se sai tem que olhar para todos os lados. Aqui chego a qualquer hora, encosto meu carro, retiro o material e nunca tive problema”.Paulo dos Anjos conhece alguns autarcas, nomeadamente o actual presidente da junta de freguesia, Joaquim Leonor Sampaio. “Já o conhecia antes de ele ir para a junta de freguesia. Das vezes que precisei de alguma coisa fui atendido prontamente. Ele é uma pessoa muito atenciosa e disponível”. Quando a conversa vai para os políticos nacionais é diferente. “Eu acompanho e chego à triste conclusão que os políticos brasileiros tiveram bons professores”, diz a rir.E como vê um brasileiro os seus compatriotas na rua em gigantescas manifestações de protesto como aconteceu recentemente? “Essas manifestações foram legítimas e necessárias. Nesse ponto aí o povo brasileiro tem muito do povo português. Para reagir precisa levar muito. Mas quando reage...e no Brasil apesar de tanto progresso ainda existe muita desigualdade. É preciso fazer mais ao nível da saúde, educação...segurança”.
O músico brasileiro Paulo dos Anjos é um dos eleitores estrangeiros da freguesia de Almeirim

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