Especial 25 de Abril | 16-04-2014 15:19

“A justiça é fraca perante os fortes e forte perante os fracos”

Onde estava no 25 de Abril e o que sentiu quando soube o que se estava a passar?Estava na escola, tinha 11 anos, era muito novo para sentir qualquer tipo de emoção especial. Apenas notei nos meus familiares, amigos, professores e população em geral uma certa agitação. Sentia-se que havia qualquer coisa que estava a afectar significativamente o país, mas não tinha bem noção do que se estava a passar, embora, em fase posterior e nos dias seguintes, tenha procurado informar-me do que se passava. Na altura não tínhamos internet, as pesquisas eram diferentes, mas procurei alguns livros que abordavam questões relacionadas com a democracia, porque havia um conjunto de termos e expressões que para mim eram novos. Precisamos de outro 25 de Abril? Não. Penso que do ponto de vista do espírito revolucionário não será necessário um 25 de Abril. Mas eventualmente num conjunto de situações associadas com questões sociais, um estado social mais forte mais coeso, mais solidário e com um conjunto de valores que estavam presentes no espírito do 25 de Abril, como uma sociedade mais fraterna e solidária, eventualmente aí eu diria que é preciso um 25 de Abril todos os dias. É quase como o Natal que é todos os dias, portanto o 25 de Abril também será todos os dias que nós quisermos. O que penso que é importante vivermos em todos os momentos da nossa vida é o espírito do 25 de Abril, dos homens que fizeram o 25 de Abril e portanto aí eu diria que precisamos de um 25 de Abril todos os dias na nossa maneira de ser e de pensar e de estruturar o nosso pensamento.Tem alguma memória que queira partilhar, da vida antes do 25 de Abril de 1974, seja sua ou relatada por familiares ou amigos? Tenho algumas noções de alguns familiares que foram apoquentados pela polícia política na altura. Tinha alguns tios que sempre manifestaram a sua oposição ao regime e portanto, obviamente, que guardo algumas memórias dessa irreverência, do momento em que ser democrata não era fácil, ou seja do 24 de Abril e de um conjunto de vivências associadas a essa forma de estar muito peculiar, em momentos que eram mais difíceis e que não seria tão fácil manifestar essa posição. Senti, no entanto - e é importante dizê-lo - que houve em Portugal com a chamada Primavera Marcelista alguma melhoria nas condições económicas das famílias, nomeadamente das famílias de classe média. Contudo essa Primavera Marcelista não se transformou num Verão, exactamente, porque faltou a componente social, política e democrática. E recordo-me também desses momentos. E recordo, especificamente, da forma como em muitas situações as conversas eram tidas em sigilo, às escondidas e isso de facto é algo que mantenho vivo na minha memória. Quem é a pessoa que melhor simboliza o 25 de Abril? Curiosamente é um homem ligado a Santarém. É de facto Salgueiro Maia que simboliza o espírito e a forma desinteressada de viver o 25 de Abril e que - por razões da sua vida pessoal e de sua saúde - infelizmente saiu do nosso convívio muito cedo. É a pessoa que simboliza a revolução naquilo que ela de melhor simboliza, no que de mais significativo teve que é a vivência e a atitude desinteressada em todos os aspectos. Portanto Salgueiro Maia é o símbolo dessa vivência associada ao 25 de Abril.Vivemos em democracia? Sim. Como diria Churchill “a democracia é o pior de todos os sistemas tirando todos os outros”. A democracia tem defeitos como é lógico. É uma democracia recente faz agora 40 anos. 40 anos é uma idade que ainda necessita de algum amadurecimento, como nós percebemos ao longo do percurso da nossa vida, e portanto há aspectos a melhorar. Todos os dias nos deparamos com situações a que o sistema não responde, nomeadamente em matérias de cariz social, solidariedade social. Enfim…arrepia-nos ainda muito ouvir o Grândola Vila Morena, portanto é significativo que de facto a democracia simboliza muito para todos os que têm uma forma de estar na vida muito em prol dos outros, com dedicação e empenho pela causa pública. E é lógico que essa mesma democracia tem essas dificuldades no terreno, nalguns aspectos não conseguiu materializar-se. Diria que, eventualmente, o cidadão comum pode estar um pouco desiludido com muitos aspectos que esperava concretizarem-se pós 25 de Abril mas que acabaram por não se concretizar. De qualquer das formas é sempre melhor do que viver numa ditadura ou em sistemas de pseudomocracia. Apesar de todos os defeitos vivemos em democracia. Que avaliação faz dos partidos políticos ao longo dos últimos 40 anos? Costumo dizer, muitas vezes, que temos muita tendência a culpar os políticos e os partidos por tudo o que está errado na nossa sociedade e na nossa vida. Costumo dizer que os partidos políticos e as pessoas e os políticos não nascem de geração espontânea como os cogumelos, vêm da sociedade. E, portanto, os partidos políticos nesse aspecto reflectem a sociedade e a sociedade também não é perfeita. Mas há percurso que penso que apesar de tudo os partidos políticos fizeram em prol da defesa da democracia. Diria que os partidos políticos são o garante dessa liberdade, dessa diversidade de opiniões e é muito mau quando colocamos em causa os partidos políticos porque é preferível criticarmos de uma forma positiva, falarmos, como costumo dizer, mais do conteúdo do que da forma. Portanto o que está em causa não são os partidos, é muitas vezes a forma como eles actuam, o que fazem e não fazem. Acho que devíamos colocar mais essa opinião critica em relação ao que entendemos que os partidos políticos deviam fazer e não fizeram. Mas os partidos políticos são a base essencial da vivência democrática e simbolizam e devem expressar o que são as várias correntes de opinião da sociedade. E quando não o fazem, hoje em dia, a própria sociedade permite já candidaturas independentes que se têm vindo a afirmar e o cidadão é, acima de tudo, o garante formal da vida democrática. Que avaliação faz da forma como funciona a justiça? A justiça penso que é de facto o pior dos problemas de concretização do 25 de Abril e da vivência democrática. Tem muito a ver com a forma como se legislou à volta deste edifício que é a justiça e neste momento é cada vez mais premente não a justiça mas a não justiça. O que os cidadãos muitas vezes colocam é que há uma justiça para os pequenos - para os que não têm acesso a bons advogados que saibam manusear o sistema penal e trabalhar bem as incongruências que qualquer sistema de justiça tem - e outros conseguem como recentemente se viu, que os seus processos prescrevam. Conseguem controlar o edifício da justiça e o cidadão pequeno, muitas vezes por situações mais simples, acaba por sentir a força da justiça. Portanto diria que a justiça é fraca perante os fortes e forte perante os fracos. É talvez o sector que menos conseguiu consolidar-se – e não tem a ver com os profissionais tem a ver com a forma como os códigos e os procedimentos legislativos foram feitos e, na minha opinião, mal feitos em muitas situações. Que testemunho pode dar da forma como tem sido atendido no Serviço Nacional de Saúde? Tenho excelentes e más experiências. Eu diria que aqui como em tudo na vida há boas e más situações, bons e maus profissionais e é muito difícil fazer uma avaliação genérica a nível pessoal. No entanto, como tenho experiências de ter sido atendido noutros sistemas de saúde internacionais devo dizer que o sistema de saúde de Portugal é dos melhores do mundo, nomeadamente pelo seu carácter universal. Hoje não é tão gratuito como devia ser, em alguns casos até mais caro que os serviços particulares, mas de qualquer forma há um princípio universal que todos temos os mesmos direitos no Serviço Nacional de Saúde e, claramente, Portugal é dos melhores. Devemos fazer tudo para que quer a saúde quer a educação possam manter-se com o carácter universal. O estado nunca pode deixar de exercer o seu papel. Aliás, é para isso que os cidadãos pagam impostos. Porque esse é o desafio de um país que recolhe impostos aos cidadãos para saber distribuir e estes serviços são imprescindíveis. Quem melhor serve os cidadãos e usa os recursos disponíveis? O poder local ou o poder central? Sem dúvida, para mim, o poder local. Tenho tido uma ligação muito forte com os municípios, hoje com 58 câmaras, durante muitos anos com 47, e não tenho dúvidas que o poder local em Portugal é o grande exemplo da forma de exercer política no País. Com problemas, com defeitos, com situações não tão boas como desejamos, mas em termos genéricos o poder local é o que está mais próximo dos cidadãos, aquele que os cidadãos mais julgam e julgam no sentido positivo. E o poder local é responsável pelo desenvolvimento que o País conseguiu atravessar nos últimos anos. Pelo que foi possível fazer no interior do país, em relação aos valores é aquele que melhor utiliza os recursos. Quando falamos de Estado estamos a falar de quê e de quem? Falar de Estado…se eu tivesse 50 jornais para escrever sobre esta pergunta seria pouco. O Estado é o que consideramos como um edifício abstracto mas que para nós é essencial num conjunto de garantes da vivência democrática, da segurança, do bem-estar dos cidadãos e para um conjunto de serviços como a saúde, as questões de igualdade social. Portanto, diria que olhamos para o Estado de uma forma desconfiada - há quem diga que não quer o Estado às segundas, quartas e sextas mas venha o Estado às terças, quintas e sábados – mas o Estado é fundamental e essencial, um Estado ao serviço dos cidadãos, e que nós olhemos para o Estado como “algo” que é essencial para garantir esse Estado democrático, a nível de segurança e da família mas também para ser responsável por uma sociedade mais livre, equitativa, mais generosa e solidária.Tem algum testemunho pessoal relacionado com o 25 de Abril, a democracia e a liberdade…. Era muito jovem, não seria honesto se fizesse grandes referências pessoais, mas sem dúvida que a democracia e a liberdade são dos bens que quase como os serviços na área da infraestrutura e dos resíduos sólidos que nós não vemos mas que são essenciais. A democracia e a liberdade é algo que só sentimos verdadeiramente quando não temos. Estou a escrever estas notas no Dia do Pai, que felizmente ainda tenho, mas não tenho mãe, e nós só conseguimos dar o verdadeiro valor às coisas quando as perdemos. Portanto a democracia e liberdade é algo que faz parte do nosso íntimo, que convive connosco todos os dias, mas que não damos o valor que merece e devíamos respeitar mais a democracia e a liberdade de uma forma solidária e, muitas vezes, é a velha máxima que só nos lembramos de Santa Bárbara quando faz trovões. Eventualmente só quando sentirmos que está em causa esses princípios é que damos o devido valor e a devida relevância ao sistema democrático e à liberdade.

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