Especial 25 de Abril | 16-04-2014 15:17

“O poder local tem vindo a ser atacado e tenta-se diminuir a sua capacidade de intervenção”

Onde estava no 25 de Abril e o que sentiu quando soube o que se estava a passar? Tinha completado 11 anos e não tinha ainda consciência do que estava a acontecer. Frequentava a telescola no edifício onde hoje está instalada a Junta de Freguesia de Samora Correia e, nesse mesmo dia, na escola apercebi-me que algo se estaria a passar até porque um dos meus colegas que residia junto ao antigo posto emissor do Rádio Clube Português transmitiu-nos que os militares estavam lá junto das populações e até referiu que a população estaria a partilhar com os militares as laranjas dos quintais. Como era demasiado novo quando se deu o 25 de Abril que ideia foi formando desse dia a partir do que lhe contaram ou teve que estudar? Senti que os tempos que se seguiram ao 25 de Abril foram empolgantes mesmo para uma criança como eu era, até porque a minha família estava muito ligada ao que foi a contestação ao regime fascista, por isso participei no movimento que surgiu com a revolução. Foi algo muito bonito na vida dos portugueses vivenciando-se uma grande disponibilidade de todos para participarem na resolução dos problemas colectivos e na satisfação após as conquistas que iam conseguindo. Fui ganhando, não só uma consciência política na altura mas tomando igualmente consciência do que foram 50 anos de fascismo com a negação aos portugueses de um acesso a uma condição de vida melhor.Sabe o que aconteceu a 25 de Novembro de 1975 e o significado desse acontecimento para o País? Antecedendo o 25 de Novembro tivemos o chamado “Verão Quente” onde estava em curso o PREC em que as forças de esquerda estavam a implementar um conjunto de medidas revolucionárias entre as quais as nacionalizações e a reforma agrária. Porém, começou a surgir alguma violência quando começaram a incendiar as sedes do Partido Comunista sobretudo no norte do País e vivíamos uma situação de iminente guerra civil. As forças armadas estavam divididas, uma parte afecta a uma ala mais à esquerda outra parte a uma ala mais à direita e no dia 25 de Novembro estivemos muito próximos de escrever uma página muito complicada na vida dos portugueses. Na altura estiveram envolvidas grandes potências mundiais, recordo a intervenção do embaixador dos EUA, Frank Carlucci. Na realidade ficámos também sem saber o que seria o nosso caminho se tivessem sido prosseguidas as medidas que estavam a ser preparadas. Precisamos de outro 25 de Abril? Não precisamos de outro mas de respeitar os ideais da Revolução, porque todos aqueles que estiveram na luta, e alguns perderam a sua vida por ela, nunca lhes passaria pela cabeça que chegaríamos onde estamos hoje com uma grande parte da população a passar tantas dificuldades. Não precisamos de outro 25 de Abril mas sim de alterar as políticas que têm sido prosseguidas no nosso País. Tem alguma memória que queira partilhar, da vida antes de 25 de Abril de 1974, seja sua ou relatada por familiares e amigos? Vivíamos num regime muito fechado e embora houvesse actividade política ela era feita de forma a que não tivéssemos acesso, mas o que sempre me foi relatado por familiares e amigos foi a vontade de mudança. Contavam que acolhiam em suas casas alguns opositores ao regime que tinham que viver na clandestinidade. Alguns familiares meus estiveram directamente envolvidos durante anos na luta anti-fascista.Quem é a pessoa que melhor simboliza o 25 de Abril? O 25 de Abril não é algo onde possamos individualizar alguém, temos a figura de Salgueiro Maia como aquela que identifica a Revolução, mas prefiro destacar os portugueses no seu todo porque o que seria um golpe de Estado levado a cabo pelos militares acabou por ser uma Revolução onde os portugueses saíram à rua e quiseram participar nessa luta pela Liberdade. Vivemos em democracia? Sim, claro, mas podemos questionar se é esta a democracia que gostaríamos. Julgo que a participação dos cidadãos é fundamental mas nestes últimos anos o que temos vivido é o oposto do que se viveu no 25 de Abril que será uma desistência por parte das pessoas. A acção de alguns partidos ao longo destes 40 anos levou a isso, criaram um desencanto nas pessoas por fazerem tantas promessas em campanha eleitoral e depois no Poder não cumprirem praticamente nada.Que avaliação faz dos partidos políticos ao longo dos últimos 40 anos? Não posso conceber a democracia sem os partidos políticos como pilares. Não acredito em movimentos populares porque penso ser necessário haver responsabilização e para isso é fundamental a intervenção dos partidos. De qualquer forma, considero que os partidos que têm tido responsabilidades governativas não têm vindo a desempenhar correctamente o seu papel, havendo assim uma grande descrença nos políticos e cumprindo a todos dignificar de outra forma a sua intervenção. Que avaliação faz da forma como funciona a justiça? Penso que a justiça é um dos pilares da democracia, mas hoje o sentimento que existe entre as pessoas é de que a justiça é morosa e que não é igual para todos porque defende mais os poderosos. Não vai ajudar em nada a reforma judiciária que está em curso afastando a justiça dos portugueses. Precisamos de uma justiça de proximidade e que esteja acessível a todos.Que testemunho pode dar como tem sido atendido no Serviço Nacional de Saúde? Foi uma das grandes conquistas de Abril, e era exemplar pela sua universalidade. Ultimamente temos vindo a assistir a um Serviço Nacional de Saúde que se vai afastando das pessoas nomeadamente com o surgimento do modelo de privatização dos serviços de saúde com o qual não concordo. O acesso aos cuidados de saúde deve ser igual para todos e precisamos de qualidade e universalidade nesta área. A falta de médicos é igualmente uma grande dificuldade que vamos sentindo. Quem melhor serve os cidadãos e usa os recursos disponíveis? O Poder Local ou o Poder Central? O Poder Local que foi mais uma conquista de Abril, desempenhou e desempenhará o papel ímpar na democracia. Basta pensarmos no que era o nosso país antes do 25 de Abril, como eram as cidades e as vilas e como estão agora totalmente infra-estruturadas. Apesar disso e de ter dado um contributo líquido para a redução do défice, o Poder Local tem vindo a ser atacado e tenta-se diminuir a sua capacidade de intervenção. Quando falamos em Estado estamos a falar de quê e de quem? Falamos de uma organização de sentido político que tem a responsabilidade de governar um País que assenta em três níveis de poder: deliberativo, executivo e judicial. Tem como obrigação organizar a sociedade e contribuir para uma sociedade mais justa.Tem algum testemunho pessoal relacionado com o 25 de Abril, a democracia e a liberdade que queira partilhar com os leitores? Recordo-me que, na minha rua, logo após o 25 de Abril, as infra-estruturas foram construídas pelos moradores. As pessoas colectaram-se e deram o seu trabalho. Aquilo ficou na minha memória como exemplo dos tempos que se viviam. Na altura não havia grandes unidades comerciais mas apenas mercearias e pequenas lojas e lembro-me também da construção da Cooperativa de Consumo em Samora Correia, onde um conjunto de pessoas, eu próprio por lá andei, adaptou um barracão para que os produtos pudessem ser vendidos a preços mais baratos. Era um envolvimento extraordinário.

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