Especial 25 de Abril | 23-04-2014 14:28

“A política não se deveria ter tornado uma profissão”

Onde estava no 25 de Abril e o que sentiu quando soube o que se estava a passar? Em Lisboa. A notícia chegou-nos pelo telefone: ‘Está a ocorrer um golpe militar!’ A partir das 05h00, colados ao som do Rádio Clube Português, fomos ouvindo repetidamente um não muito explícito comunicado lido por Joaquim Furtado: “Aqui posto de Comando das Forças Armadas… apelamos as todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma”. Ninguém conseguia perceber qual era a direcção do golpe, se a esperada ‘Kaulzada’ (golpe de extrema direita cansada de um Marcello Caetano cada vez mais isolado), um golpe de extrema esquerda ou algo mais moderado associado ao sinal dado por António Spínola no livro ‘Portugal e o Futuro’. Com 21 anos, na altura estudante do Instituto Superior Técnico, apesar da preocupação da minha mãe, fui para a Universidade logo que percebi que se estava a despertar um pesadelo! Sabe o que aconteceu a 25 de Novembro de 1975 e o significado desse acontecimento para o país? O principal vencedor do 11 de Março de 1975 foi a corrente militar que defendia para Portugal “um socialismo marxista-leninista”. Kissinger, o secretário de Estado norte-americano chegou a dar Portugal como perdido para a órbita soviética e que isso poderia ser a melhor vacina para a Europa Ocidental. Valeu-nos a coragem de Mário Soares que, com o apoio do embaixador americano Frank Carlucci, resolveu sair à rua e lutar com as armas preferidas das forças totalitárias e radicais de esquerda.Em 25 de Novembro de 1975, após o denominado Verão Quente de 1975, a guerra civil esteve mesmo por um triz. Valeu-nos a coragem de um grupo operacional de militares chefiado por Ramalho Eanes que pôs fim à influência dessa esquerda radical. Temos que elogiar, vezes sem conta, o rigor e a capacidade de liderança de Ramalho Eanes nessa data mas talvez se deva também elogiar o sábio recuo de Álvaro Cunhal e o reafirmar da legitimidade da legalização do PCP reafirmada por Melo Antunes. Uma data verdadeiramente extraordinária na nossa democracia!Precisamos de outro 25 de Abril? É vergonhoso o futuro que estamos a deixar aos nossos filhos mas é impensável outro 25 de Abril à semelhança do verificado há 40 anos. No entanto, face ao actual nível de desemprego e de miséria, tem que haver necessariamente um “pacto de reforma do Estado” que permita que as desigualdades e a pobreza não sejam tão chocantes. Tem alguma memória que queira partilhar, da vida antes do 25 de Abril de 1974, seja sua ou relatada por familiares ou amigos? Lembro-me por exemplo de ter participado, na Voz do Operário, num comício da CDE realizado para as eleições legislativas de Outubro de 1973. Alberto Arons de Carvalho, nosso amigo, ia discursar e, numa sala apinhada, lá nos preparámos para o ouvir. Na mesa estavam também o Herberto Goulart (excelente intervenção) e o José Manuel Tengarrinha que incendiou a audiência. Um membro da DGS, que se manteve sempre de pé junto aos oradores, tinha avisado não ser autorizado falar-se da guerra colonial e que se alguém o ousasse fazer mandaria evacuar a sala! Durante a sessão falou-se das aspirações sociais dos trabalhadores e dos portugueses e, obviamente, do problema da guerra colonial. Após alguns avisos, a sessão foi mesmo declarada encerrada e a chegada da PSP a ‘carregar’ sobre os presentes provocou a nossa rápida fuga daquele lugar. Afinal, já estávamos habituados àquilo. Eram as condições para a realização de eleições livres… onde acabou por só participar a Acção Nacional Popular (ex-União Nacional). Quem é a pessoa que melhor simboliza o 25 de Abril? O dia 25 de Abril de 1974 tem como símbolo e exemplo de maior carisma e coragem o capitão Salgueiro Maia que, com grande desembaraço e capacidade de desenrascanço, conseguiu concretizar (de forma algo improvisada) a queda de uma ditadura com mais de 40 anos.Vivemos em democracia? Desde o fim da monarquia absoluta em 1820 que vivemos em democracia, ‘a pior forma de governo imaginável, à excepção de todas as outras que foram experimentadas’ como dizia Winston Churchill. De uma coisa estamos certos: os portugueses não gostam da democracia que têm (European Social Survey). O poder de cada um de nós limita-se a poder tirar um governo de que não se gosta e a pôr um outro de que talvez se venha a gostar. Nada mais. As grandes decisões são tomadas em outros palcos onde são as grandes organizações financeiras internacionais que ditam as regras. Que avaliação faz dos partidos políticos ao longo dos últimos 40 anos? Não creio que ao longo deste 40 anos os partidos políticos se tivessem caracterizado pela modéstia das suas ‘certezas’ e por uma defesa clara das suas diferenças e das suas razões. Por outro lado, ao longo destes últimos 40 anos a política não se deveria ter tornado numa profissão, com políticos de carreira a viverem para a política e da política. No entanto, não ignorando as motivações egoístas dos partidos, eles continuam a ser fundamentais para o funcionamento dos regimes democráticos contemporâneos.Qua avaliação faz da forma como funciona a justiça? Existe hoje em Portugal uma preocupante percepção de assimetria da impunidade. Uma sensação de iniquidade moral onde a justiça é incapaz de julgar os Rendeiros, os Jardins Gonçalves e os Oliveiras e Costa. A grande crise de Portugal (um dos grandes venenos da sociedade) talvez seja mesmo este inexplicável desrespeito legal. Que testemunho pode dar da forma como tem sido atendido no Serviço Nacional de Saúde? Existirão sempre queixas do Serviço Nacional de Saúde, no entanto, todas as vezes que tive que recorrer a estes serviços, com melhores ou piores condições, sempre fui atendido de forma exemplar (Estefânia, Santa Maria, Pulido Valente merecerão sempre o meu reconhecimento).Quem melhor serve os cidadãos e usa os recursos disponíveis? O poder local ou o poder central? Durante o período do Estado Novo deu-se uma centralização das actividades do Estado, com a administração local a ser apenas um prolongamento da administração central e os resultados foram os que se viram! A revolução de 25 de Abril de 1974 marcou um ponto de viragem, aumentando a autonomia do poder local e hoje as autarquias locais são pessoas colectivas territoriais que visam (e conseguem) a prossecução de interesses próprios das populações respectivas. É por aí que devemos ir… continuando a privilegiar o poder local na atribuição de cada vez maiores competências.Quando falamos de Estado estamos a falar de quê e de quem? Quase sempre da Administração directa do Estado. Mas é a Administração Local (autónoma) constituída pelas autarquias locais (pessoas colectivas de base territorial, dotadas de órgãos representativos próprios que visam a prossecução de interesses próprios das respectivas populações) que deve continuar a merecer a nossa melhor atenção. Tem algum testemunho relacionado com o 25 de Abril, a democracia e a liberdade que queira partilhar com os leitores? Por contrapartida ao comício da CDE realizado em Outubro de 1973 na Sociedade de Instrução e Beneficência ‘A Voz do Operário ‘ lembro-me como se fosse hoje de, no 1º Festival de Jazz de Cascais, (uma realização concretizada pelo voluntarismo de Luiz Villas-Boas), num momento em que se criticava de forma crescente a presença portuguesa em África, ter sido colocada uma enorme faixa com a inscrição ‘Abaixo a Guerra Colonial’ que ali se manteve durante grande parte do concerto. Uma excitação suplementar ao extraordinário espectáculo a que se assistiu! Basta recordar que foi o septeto de Miles Davies a dar início ao festival tendo por pianista nem mais nem menos do que Keith Jarrett. Nesse festival Charlie Haden dedicou uma canção escrita por ele próprio intitulada ‘Canção para o Che’, aos Movimentos de Libertação de Angola e Moçambique e a sala quase veio abaixo com os aplausos. No final do espectáculo, ao regressar ao seu camarim, era ali aguardado por agentes da PIDE e foi forçado a seguir de Cascais para o aeroporto e embarcar no mesmo dia. Enfim, outros tempos, outras emoções!

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