
Marcos Ramos é o treinador de quem se fala no mundo
“Na minha infância já sonhava mais em ser treinador do que jogador”. Aos 27 anos Marco Ramos orienta a equipa feminina do Atlético Ouriense. É campeão nacional, vencedor da Taça de Portugal e levou a equipa à fase final da Liga dos Campeões da Europa
Começou a carreira de treinador no Centro Desportivo de Fátima. Passou por todos os escalões jovens e com os iniciados chegou aos nacionais. Mais tarde acabou por sair para o Atlético Ouriense para treinar as equipas jovens. Entretanto surgiu a hipótese de orientar a equipa feminina. Aceitou o desafio e o êxito foi imediato. Foi chegar, ver e vencer. Acredita no que faz e nutre uma grande paixão pelo futebol. Foi por isso que apostou em fazer cursos de treinador e avançar na modalidade.
Quando é que começou a sua carreira como treinador? Aos 22 anos. Comecei nas escolinhas do Centro Desportivo de Fátima, sem competição. Estive aí uma época, depois passei para o escalão acima. Entretanto fui fazendo o curso de nível II. Passei no Fátima por todas as camadas até aos juvenis, com algum êxito. Comigo os iniciados foram ao nacional. Porque é que saiu do Fátima? Na altura o clube atravessava algumas dificuldades directivas. Ainda falaram comigo, mas para continuar exigi algumas condições que não foram satisfeitas. Saí e estive cerca de um mês parado. Apareceu então o Atlético Ouriense a convidar-me para treinar a equipa de juvenis. Disseram-me as condições e aceitei.Só depois é que veio a equipa feminina? Nos juvenis do Ouriense as coisas estavam a correr bem, no primeiro ano disputámos o título até ao fim. O ano passado estávamos a organizar a equipa. Mas surgiu a oportunidade de ir treinar a equipa feminina. A equipa comandada por Mauro Moderno tinha sido campeã nacional na época anterior, mas teve um início de campeonato fraco. O Mauro colocou o lugar à disposição e a direcção aceitou. Foi a partir daí que surgiu o convite para treinar a equipa feminina. A ideia era de que eu era um homem da casa que estava por dentro da forma de trabalhar do clube, por isso aceitei e passei a treinar a partir de Fevereiro, com a equipa no quarto lugar da primeira fase do Campeonato Nacional de Futebol Feminino.A equipa atravessava uma fase menos boa porquê? As jogadoras estavam algo descrentes. Mauro Moderno é um bom treinador mas, até segundo ele, as suas ideias não estavam a passar para as jogadoras. Foi por isso que saiu, sem qualquer atrito. Aceitou e qual foi a forma encontrada para fazer sair a equipa do buraco?Tinha apenas 27 anos. A minha experiência era curta, mas gosto de desafios e aquele era muito importante para mim, para a minha carreira e também para o clube. Por isso aceitei. Tive o cuidado de me informar sobre tudo o que se passava à volta da equipa. Fui buscar o meu irmão para me ajudar. Ele já tinha alguma experiência em trabalhar com raparigas. Tinha treinado uma equipa feminina de futsal, deu-me algumas dicas importantes e assim fiz o diagnóstico e encontrei a forma de ultrapassar esse mau momento.Foi um milagre de vendedor de artigos religiosos? Não. Foi um milagre de muito trabalho de todo o grupo. Já antes tinha sido convidado para treinar a equipa de seniores masculinos e não tinha aceite. Tive sempre uma vida muito difícil e nunca virei a cara à luta. Acredito muito nas minhas possibilidades e foi exactamente isso que transmiti às jogadoras. Fiz com que elas acreditassem nelas próprias. Começámos a trabalhar com outro ritmo, começaram a aparecer os resultados e a confiança foi aumentando e a forma de lidar com as jogadoras foi sempre correcta e com muito trabalho conseguimos chegar ao fim com todas as vitórias que tivemos. Foi uma época em cheio. Mas o grande mérito é das jogadoras.Foi garantir que a equipa tivesse uma postura efectiva de campeã nacional? Foi isso mesmo. Quem tivesse vindo ver jogar a equipa não via realmente um campeão nacional. Via uma equipa encolhida sem confiança. Foi preciso incutir-lhes o espírito de que tínhamos que ser diferentes, que nos tínhamos que impor como as melhores. Transmiti-lhes aquilo que eu era. Acredito sempre que posso ir mais longe. Essa mensagem passou e conseguimos atingir todos os objectivos que tracei.Houve uma grande ligação entre as jogadoras, o treinador e toda a estrutura do clube? Essa foi sem dúvida uma das grandes condições para chegarmos onde chegámos. Só a grande união de todos levou a equipa às vitórias. Mas no meio disto tudo nem tudo foram rosas. Houve alguns escolhos, que felizmente conseguimos ultrapassar.Um treinador que em sete meses consegue os resultados que conseguiu é para estar orgulhoso? Sem dúvida que sim. Mas quero dizer que não sou o responsável máximo por nos termos sagrado campeões, termos conquistado a Taça de Portugal e ultrapassar a fase de apuramento para a Liga dos Campeões. O mérito é de todo o grupo e em especial das jogadoras que tiveram que trabalhar muito para ali chegarem.Vencer tudo isso e fazer história de ser o primeiro clube português a ultrapassar a fase de apuramento para a Liga dos Campeões da Europa é um feito? Sim é um grande feito. Mas é fruto de muito trabalho, muita humildade, porque ninguém sabe o que se passou no seio do grupo para encontrar forças e motivação para chegarmos a vencedores do grupo. Estamos a falar de um contexto completamente amador e a defrontar profissionais. O nosso mérito foi o de acreditarmos que era possível. Quando da atribuição do grupo a Portugal, disse que íamos passar, houve quem dissesse que era maluco. Eu sabia bem das possibilidades destas jovens motivadas. Conheço bem a sua capacidade de sofrer e de luta. Foi na verdade uma grande vitória, não só para nós ourienses, mas também para o futebol feminino em Portugal.Pena que o feito das suas jogadoras não tenha tido o destaque que merecia. Na altura insurgi-me contra isso. Penso que o futebol feminino em Portugal é quase olvidado por completo. Nem as entidades oficiais nem a comunicação social lhe dão o destaque que merece. No nosso caso, que conseguimos chegar a um patamar de excelência, competimos e vamos competir com as melhores formações da Europa, formações na sua maior parte profissionais. Não vimos o feito valorizado ao nível que merecia. Penso que assim muito dificilmente o futebol feminino em Portugal conseguirá aproximar-se do futebol feminino europeu. É um treinador feliz? Sou um treinador muito feliz. Treino um grupo de jovens com muito valor. Não me sinto ainda totalmente realizado, quero ir mais além. Quero ser treinador profissional e poder comemorar os títulos de outra forma. Tenho 27 anos e muito tempo à minha frente para chegar ao futebol profissional.“Tenho um irmão gémeo e andávamos sempre com uma bola na mão”Falar de Marco Ramos é falar de futebol. Hoje com 27 anos, o treinador da equipa feminina do Atlético Ouriense é um apaixonado pelo desporto rei desde quando ainda era uma criança. Desses tempos recorda com um brilho nos olhos as infindáveis partidas disputadas com o irmão gémeo, em Alfândega da Fé, distrito de Bragança, de onde é natural e depois em Fátima para onde veio viver aos nove anos. A “epopeia” começava cedo e só terminava à noite. A única pausa era mesmo para almoçar. “Hoje vejo que se calhar foi aí que tudo começou. Jogava à bola na rua e em tudo o que era sítio. Sempre vi esta actividade com grande paixão e entrega. Tinha o sonho de ser jogador e estar sempre ligado ao desporto e ao futebol”, revela Marco Ramos.Quando veio para Fátima ingressou nas camadas jovens do Centro Desportivo de Fátima onde fez todas as camadas de formação. Os pais não levavam muito o futebol a sério e acabou por nunca se tornar um grande jogador. “Perdeu-se um jogador mas ganhou-se um treinador, que é aquilo que realmente quero ser”, garante Marco Ramos. Marco Ramos foi fazendo carreira desportiva conciliando sempre com os estudos. Licenciou-se em Gestão do Desporto e fez os cursos de treinador de nível I e II. Começou por se alistar no Exército, mas ao fim de pouco mais de um ano entendeu que afinal não era aquilo que queria e passou a vendedor de artigos religiosos, conciliando sempre as duas profissões com o treino de futebol.Depois de treinar todas as camadas jovens do Centro Desportivo de Fátima, acabou por ingressar no Atlético Ouriense, também nas camadas de formação. Os 27 anos são uma data marcante para o treinador. Foi a altura em que começou a carreira como treinador da equipa sénior feminina do clube de Ourém. A equipa que tinha sido campeã na época anterior passava por uma fase menos boa. A direcção resolveu mudar de técnico e a escolha recaiu em mim. “Aceitei e em sete meses tive a enorme felicidade de ver a equipa renovar o título de campeã, vencer a Taça de Portugal e escrever a história gloriosa de ser a primeira equipa portuguesa a vencer um grupo de apuramento da Liga dos Campeões da Europa e assim entrar na fase final da Liga dos Campeões, onde só estão as melhores equipas europeias”, diz com orgulho, acrescentando que o mérito é todo das jovens jogadoras.Frontal e ambicioso, mas ao mesmo tempo humilde, o técnico tem consciência das suas capacidades mas recusa embandeirar em arco. Realismo e pragmatismo são características que lhe assentam que nem uma luva. Adora desafios e garante que quando abraça um projecto, seja ele qual for, é de corpo e alma. Se as coisas correrem menos bem prefere levantar a cabeça e seguir em frente em vez de deitar a toalha ao chão. “Quero ser treinador profissional”, garante.
