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“Sou viciada em trabalho e quem paga é a minha família”

“Sou viciada em trabalho e quem paga é a minha família”

Sandra Cristina Maia, 40 anos, Advogada, Vila Franca de Xira

Sandra Maia estudou na secundária Gago Coutinho em Alverca. Os testes psicotécnicos sempre lhe apontaram o caminho da matemática e das ciências mas ela achou que valia mais na área de letras. Era a marrona da turma e acabou por ir para advogada. Já a exercer mudou-se para Vila Franca de Xira para estar mais perto do Tribunal. Diz que o fascínio pelo Direito está associado à sua vontade de ajudar as pessoas. Mas também lhe acontecem coisas desagradáveis. Já se sentiu mal por ter de despejar uma família que não tinha nada. Preza a verdade e os amigos, gosta de ler e confessa-se viciada em trabalho, salientando que quem paga é a família.

Sou praticamente vila-franquense até ao osso. Estudei e vivi em Alverca muitos anos mas desde que comecei a trabalhar que estou ligada a Vila Franca de Xira e passei a residir aqui. Infelizmente Vila Franca de Xira é uma cidade envelhecida e que está a morrer. Há muitas lojas a fechar, principalmente as mais recentes. Vêm-se poucos jovens e a maioria não sai à noite. O preço das casas não atrai casais jovens. O principal fascínio do Direito é permitir-me ajudar as pessoas. O Direito toca em todas as vertentes e realidades da nossa vida. Passear na rua, andar de carro, fazer uma compra, tudo na nossa vida está ligado ao Direito. Poder ter conhecimento abrangente de várias áreas para mim era aliciante. Ultimamente estou muito ligada a insolvências, execuções e à área cível. Estou a trabalhar também como colaboradora de um administrador de insolvência. Infelizmente, ando a fazer muitos despejos de pessoas que não conseguem pagar as rendas. Já me senti muito mal quando tive de ir despejar uma família. Foi uma situação muito complicada na Póvoa de Santa Iria. O senhor estava no estrangeiro e eu e o agente de execução fomos várias vezes ao imóvel. Havia menores envolvidos e houve também intervenção da câmara municipal e da Segurança Social. Foi um processo muito complicado. As pessoas pensam que a culpa do que lhes acontece é dos advogados e somos enxovalhados no meio da rua, aos gritos. Nesse despejo aconteceu um bocadinho de tudo. Os psicotécnicos aconselhavam-me a ir para ciências mas optei por letras. Foi no nono ano e nunca me arrependi da minha escolha. Foi muito cedo que pensei ser advogada. Era boa aluna e tinha confiança nas minhas capacidades. Nessa altura eu era um rato de biblioteca. Lia muito, escrevia muito, era considerada a marrona da escola. Até hoje o que mais me marcou foi o meu primeiro julgamento. Estava em estágio, fui atirada aos lobos sem ter conhecimento de como nos temos de comportar. Era um caso de tráfico de droga, consegui descer o processo para consumo. Era uma oficiosa, estava a defender três arguidos. Na altura isso ainda era possível. Os três tinham sido apanhados em flagrante delito. A acusação dizia respeito a tráfico. Consegui provar dentro dos limites que era consumo e a pena foi suspensa em vez de ser efectiva. Um julgamento é uma grande responsabilidade e mesmo quando estamos bem preparados não conseguimos estar completamente à vontade. Uma pessoa transforma-se. Vivemos as coisas de uma forma muito intensa. Os meus clientes, por norma, não mentem mas há coisas que mais vale omitir em julgamento porque podem não lhes ser favoráveis. Nas oficiosas, nos processos crime, há muita gente a mentir-nos e a omitir informação. É rara a vez em que isso não acontece.Sou viciada em trabalho e quem paga é a minha família. Não consigo desligar e quando tento há sempre alguém que não deixa. Se vamos a um jantar com os amigos há quase sempre alguém com uma questão jurídica para nos colocar. A última vez que fui ao cinema foi com os meus filhos foi para ver um filme infantil. Ser mãe de duas crianças e advogada ao mesmo tempo é difícil. Tenho um marido que ajuda muito e uns pais fantásticos mas sinto que convivo pouco com eles. É um dos problemas dos tempos actuais. Estamos muito ocupados a trabalhar e é pior para quem tem uma profissão liberal como eu, sem horários.Os meus pais queriam que eu estudasse economia mas depois aceitaram a minha opção pelo Direito. Hoje em dia sentem muito orgulho de mim e isso é o mais importante. O meu hobbie favorito é ler. Consigo evadir-me completamente através da leitura, sobretudo romances e romances históricos. Gostei muito de Saramago. Sou leitora ávida, num mês leio quatro ou cinco livros à vontade. Gosto de ver séries na televisão, a Anatomia de Grey, por exemplo. Gosto muito de viajar, tenho pena de não ter disponibilidade para viajar mais, acabo por não conseguir fazê-lo muito. Em Portugal viajo muito. Escapadelas de fim de semana. Conheço bastante bem o Norte. Tenho pessoas conhecidas com casa no Algarve e ocasionalmente vou lá. Parece que não mas o sair daqui umas horas ou uns dias é uma forma de descansar. Gostava de viajar mais mas não tem sido possível. Gostava muito de conhecer a Turquia e a China antes de morrer.A mentira tira-me do sério, sobretudo na amizade. Com a idade vamos fazendo uma selecção de quem são os nossos verdadeiros amigos porque conhecidos há muitos. Não gosto quando há uma situação em que percebo que uma pessoa não foi sincera. Não sou radical ao ponto de deixar de falar com as pessoas mas há uma quebra na confiança e deixo de falar com essa pessoa da mesma maneira. Mas as desilusões fazem parte da vida.Filipe Matias
“Sou viciada em trabalho e quem paga é a minha família”

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