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“Essa ideia de que estamos a criar uma geração de incapazes está errada”

“Essa ideia de que estamos a criar uma geração de incapazes está errada”

Nuno Santos, 48 anos, director do Agrupamento de Escolas de Vialonga

Nuno Santos é desde há um ano o novo director do Agrupamento de Escolas de Vialonga. Nasceu em Alcanede (Concelho de Santarém)mas hoje em dia já não se vê a trabalhar noutro lugar que não seja em Vialonga, concelho de Vila Franca de Xira. Gosta de ver ficção na televisão. Os pais eram agricultores e ele nunca sentiu vontade de lhes seguir as pisadas. No Secundário chegou a pensar ser jornalista mas acabou por seguir a carreira de professor, uma escolha que diz ter sido acertada. Gosta de ler e recusa a ideia de se estar a criar uma geração de jovens incapazes.

Passo umas dez horas por dia na escola. E quando isso não acontece tenho a escola dentro de mim. Às vezes estou a deitar-me e a pensar em situações que é preciso resolver. Tento não me viciar em trabalho mas às vezes parece que já estou. Os desafios são sempre os mesmos. Conseguir o melhor em termos de sucesso para os nossos alunos. Claro que isso depende de vários factores mas tentamos encontrar um equilíbrio entre o sucesso da aprendizagem e o trabalho de quem está aqui todos os dias. Consumo muita informação e irrita-me verificar que se escreve muito mal. Quando vou e venho do trabalho oiço rádio no carro. Em casa em vez da rádio vejo televisão mas cada vez menos. A programação está dominada por “infotainment” (programas que misturam informação com entretenimento) e uns magazines sobre as questões do dia-a-dia. Gosto de ver ficção, beber uns copos de vez em quando com uns amigos, ir a um bar, conviver. É importante também saber desligar do trabalho. Já não me consigo ver a trabalhar noutro lado senão em Vialonga. Este é o modelo com o qual cresci como professor. Cheguei à gestão da escola com a Armandina Soares em 2000. Cresci aqui muito como pessoa. Conheço muito desta terra e tenho dificuldade em sair. Trabalhei nos Açores durante três anos, no anos 90, e já nessa altura desejava participar numa experiência de ensino fora da Europa, nomeadamente em África. Essa ideia de que estamos a criar uma geração de incapazes está errada. Teremos sempre gente capaz. Hoje em dia a proximidade de gerações é que é maior que anteriormente. As diferenças culturais e de estilo de vida das gerações mudaram rapidamente, a vida mudou. Um miúdo de 10 anos hoje tem mais experiências do que eu tive. Mas eu já tive mais que o meu pai e o meu avô. O que muitas vezes me tira o sono são sobretudo as questões humanas que temos aqui, diariamente. Os adolescentes estão sempre em oposição à posição dos adultos e fazem um esforço para romper as normas, e isso desgasta e cansa. Lidamos todos os dias com um grupo alargado de jovens que fazem sempre um esforço para mostrar que são eles que têm razão e não nós. Mas há outros problemas. Já cheguei a comprar alimentos para alguns alunos mais necessitados. As questões sociais são muito acutilantes. Confrontamo-nos sempre com situações em que a nossa ajuda particular é importante.Nasci no concelho de Santarém, na freguesia de Alcanede e fiz lá o primeiro ciclo e depois a telescola. Já apanhei a grande liberdade do sistema de ensino. Cheguei ao Liceu em 1977 quando o Liceu já era completamente aberto e plural. Do meu sexto ano tenho a memória de podermos continuar a estudar mas infelizmente só seis ou sete miúdos continuaram. Havia ainda um peso de não acesso à educação na minha geração que era muito significativo. A escola não era uma prioridade das famílias e elas não viam ali qualquer interesse. Desde miúdo que queria ter acesso a mais informação, conhecer mais coisas e ver mais do Mundo. Hoje em dia um miúdo com sete ou oito anos tem mais informação do que nós tínhamos. Os meus pais eram agricultores, viviam do campo, se havia coisa que eu sabia é que não queria aquilo para mim (risos). Embora goste muito do campo.Cheguei ao liceu convencido que ia tirar boas notas a tudo mas tive uma dificuldade imensa com o Inglês e a Matemática. Acabei por licenciar-me em História. A partir do liceu decidi que queria ser professor mas cheguei a pensar ser jornalista. Tive uma área de jornalismo dentro das humanidades. Foi uma coisa que me agradou. Mas como não teria possibilidade de viver em Lisboa sem um sustento acabei por não entrar nessa profissão e enveredei pela carreira de professor. Não me arrependi, foi a escolha acertada. No primeiro dia em que dei aulas comecei na escola básica na Baixa da Banheira. Demorei imenso tempo a chegar à escola, fui de transportes, não havia carros como agora. Cheguei atrasado à aula. Vim para Vialonga em 98/99 e há um ano tomei a decisão que ia apresentar a minha candidatura à liderança do agrupamento. Com a anterior directora a escola tinha adquirido uma diversidade e uma notoriedade tal que depois tem consequências. Quando ela vai embora todos tentamos dizer que quem vem a seguir não conseguirá fazer igual. Mas queremos manter o bom que a Armandina implementou, a diversidade de ofertas, a preocupação que a escola é para os alunos e de que a escola é um sítio para aprender. Sempre lidei mal com o desporto e não me vejo a fazer actividades radicais. Gosto de caminhar e caminho sempre que posso. Gosto muito de ler e tenho cada vez mais livros, sobretudo de literatura antiga. Gosto muito da Idade Média até ao nascimento do capitalismo. Depois gosto muito do século XIX e XX. O século XXI alterou profundamente a sociedade. Deixou de haver um sentido de grupo. A sociedade tinha uma missão, que era como o mundo capitalista, proteger-se a si próprio e dos outros e os outros a mesma coisa. Havia uma missão em que as pessoas se sentiam envolvidas num projecto colectivo. Desde os anos 80 isso desfez-se em favor de um individualismo extremado. Sou daquelas pessoas que deixam as compras de Natal para a última hora. Muitas vezes faço-as mesmo no próprio dia. Sei cozinhar mas não sou fã de cozinha. Faço o comer estritamente necessário. Sou um bom garfo e uma mesa boa para mim tem de ter carne de porco, pão e enchidos. Nisso sou um tipicamente ribatejano (risos).Filipe Matias
“Essa ideia de que estamos a criar uma geração de incapazes está errada”

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