27º Aniversário | 19-11-2014 16:37

Salvar uma família inteira num dia de temporal

Era um Inverno particularmente frio e chuvoso. Estávamos em Fevereiro de 1979. Concretamente, no dia 11 de Fevereiro de 1979. Eu teria uns 18 anos. Era domingo, e nessa noite tinha chovido copiosamente. A família estava toda reunida (pais, 4 irmãos, cunhados, etc.) num daqueles almoços inesquecíveis em que se sentia o calor humano. O poder da família... lareira acesa, mesa farta.A interromper a amena cavaqueira, ouvimos os gritos desesperados de alguns caçadores que, mal conseguindo falar de tão afogueados estavam, pediam socorro com quantas forças tinham. Uma família inteira estava prestes a morrer afogada, num paul, não muito longe dali.Como naquele tempo não havia telemóveis, alguém ficou a fazer telefonemas a pedir ajuda (Bombeiros, Protecção Civil, etc., etc.), e todos os restantes arrancámos a correr directos ao local.Quando lá chegámos o quadro era arrepiante e desolador. Uma velha casa estava totalmente submersa na cheia, mostrando apenas a chaminé de fora com toda a família nela agarrada. A mãe (que estava grávida em fim de tempo) e as duas crianças de cerca de 5 e 6 anos estavam sentadas na chaminé com as pernas dentro de água. O pai estava, já sem espaço, dentro de água, apenas agarrado ao bordo da chaminé. À volta podíamos ver galinhas e porcos pendurados nos ramos mais altos dos freixos. Só os patos andavam felizes.Depois de ver o cenário principal fiz o enquadramento. O Paul em causa localiza-se na Bocarra, em terrenos da Santa Casa da Misericórdia de Santarém. O rendeiro, nessa altura, trazia um grupo de touros de lide guardados pelo pastor “Miguel” e pelos seus cães. Como a cheia ocupou toda a área mais baixa, os touros e os cães foram subindo no terreno disponível, ficando “encurralados” entre a cheia e a vedação. Ora, o acesso ao bordo da cheia mais próxima da casa (e da família) era precisamente aquele parque onde estavam os animais. Não havia outra opção. Tinha de entrar no parque para ter acesso à água onde a distância até à casa seria a menor (mesmo assim uns bons cento e tal metros). Entrei no parque dos touros. Os cães inicialmente refilaram, mas depois foram uns auxiliares preciosos para me darem algum “espaço” entre mim e os touros. Ainda assim, havia umas oliveiras ainda muito jovens que serviram para pendurar a roupa e calçado (e dar alguma tranquilidade relativamente aos touros…). Medi bem a localização do arame farpado que dividia os parques para não ficar lá preso e fui buscar, um a um, todos os membros da família. Comecei pela criança mais pequena, depois pelo irmão, que fui entregando à minha irmã mais nova (a qual veio a ser educadora de infância). Depois fui buscar a senhora grávida e por fim, o pastor Miguel.Lembro-me tão bem como se fosse hoje da cara de cada um dos elementos da família. Estavam em estado de choque, encharcados, em hipotermia. Nem conseguiam falar. Olhavam fixamente o infinito…E agora? Pensámos todos. O que vai ser desta família? Das muitas coisas que os meus queridos pais nos ensinaram esta foi uma delas. Acolheram a família durante algum tempo (meses?) na nossa quinta. Amigos e conhecidos todos se mobilizaram e arranjamos o indispensável para aquela família poder recomeçar… Sei que depois foram para a zona do Pombalinho ou Golegã.Este assunto ficou apenas na intimidade da família durante estes 35 anos, até a “Nobre Casa de Cidadania” o ter trazido à luz do dia. E depois a SIC (canal de televisão). Não escondo, porém, que sinto alguma curiosidade em saber o que se teria passado com aquelas duas crianças…melhor, três. Será que já me cruzei com eles??? Conforta-me saber que os pude ajudar. Apenas acho que tive o privilégio de ter tido a oportunidade de ajudar aquela família. A minha mãe passou umas boas horas nos 2 ou 3 dias a seguir a tirar-me espinhos dos pés.http://sic.sapo.pt/Programas/boatarde/2014-01-13-conheca-tres-cidadaos-exemplareshttps://www.facebook.com/portugalnobre/photos/a.622748341117880.1073741826.172616539464398/622749324451115/?type=1&permPage=1* Director Clínico no Hospital Veterinário Tutivete - Centro Cirúrgico de Santarém

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