uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“Emigração hoje não tem nada a ver com a dos tempos da mala de cartão”

“Emigração hoje não tem nada a ver com a dos tempos da mala de cartão”

Presidente da delegação distrital de Santarém da Ordem dos Engenheiros diz que essa área profissional continua com procura, com excepção da engenharia civil, e aconselha os jovens a optarem por essa via. Adriano Soares Lopes considera normal a saída do país de jovens qualificados, no contexto de mundo global em que vivemos, e recorda que as condições que vão encontrar no estrangeiro são muito diferentes das que viveram os emigrantes de outras épocas. Na passagem de mais um 1º de Maio falou-se sobretudo de trabalho.

Quais são os ramos da engenharia mais afectados pela crise económica que se tem vivido nos últimos anos? Sem dúvida, o ramo mais afectado por esta crise é a engenharia civil, sobretudo devido à falta de investimento que afectou o imobiliário e o sector das obras públicas. O investimento passou de um valor relativamente bom para praticamente zero. O imobiliário é ainda afectado por outra questão: é que criando-se medo ninguém quer comprar nada. Criou-se uma bola de neve com implicações sobretudo para a engenharia civil. Porque para as restantes engenharias tem sido possível, com maior ou menor dificuldade, obter emprego.Os engenheiros continuam a ter saída no mercado de trabalho. Continuam a ter boa aceitação. Normalmente as pessoas pensam que no ramo da engenharia também está tudo muito mal, o que tem levado a que muitos pais de jovens universitários os desencorajem de optar pelos cursos de engenharia. O que é um pouco errado pois, tirando a engenharia civil, continua a haver procura nos outros ramos, não existindo uma necessidade imperiosa de emigrar, a não ser pelo valor dos salários, bastante baixo em Portugal.Custa-lhe ver os nossos jovens emigrar? É evidente que custa. No entanto, não se podendo para já evitá-lo, sou da opinião que os diversos órgãos de poder e associações profissionais em Portugal, deverão empenhar-se no sentido de que esse êxodo se assuma como internacionalização e mobilidade, com a consciência de que o mundo é, hoje, uma aldeia global.Vê então com naturalidade esta nova vaga de emigração que envolve muitos jovens qualificados. Tenho um filho nessas circunstâncias e vejo a situação com alguma normalidade. Porque os nossos filhos vão em condições relativamente boas. Não tem nada a ver com a emigração dos tempos da mala de cartão. Que papel pode desempenhar a Ordem dos Engenheiros nesse âmbito? A Ordem dos Engenheiros tem vindo a desenvolver uma significativa actividade no reforço da ligação a associações congéneres de outros países e a sociedades técnicas internacionais. Procura-se assim possibilitar um melhor enquadramento dos nossos engenheiros nos países receptores, potenciar a empregabilidade qualificada e promover e divulgar nesses países a qualidade da engenharia portuguesa. A intenção é facilitar a vida dos nossos engenheiros nesses países.Ajudam a abrir portas? Sim. Posso dizer que o site da Ordem dos Engenheiros na Internet tem uma procura muito grande, cerca de 55 mil visitas por mês, em grande parte devida à pesquisa das ofertas de emprego que ali vão sendo publicadas. Continuarão a ser envidados esforços no sentido da consolidação e melhoria destes canais.Como delegado distrital da Ordem dos Engenheiros quais são as preocupações mais frequentes que lhe transmitem os filiados? As preocupações mais frequentes são relacionadas com a empregabilidade. Porque também há muitos casos de engenheiros com 50 e 60 anos que estão desempregados. Para esses é mais difícil conseguir arranjar trabalho quer cá quer no estrangeiro, salvo algumas excepções. As engenharias continuam a ser uma saída profissional com futuro? Aconselha os jovens a apostar num curso de engenharia? Não tenho dúvida. É uma saída com futuro e, se Deus quiser, daqui a uns anos também a engenharia civil passará a ser uma saída com futuro. A nossa engenharia é muitíssimo conceituada a nível internacional. Os nossos jovens engenheiros são colocados com facilidade, desde que estejam disponíveis para sair. Quero acreditar que os nossos governantes vão conseguir dar a volta a esta situação de grandes dificuldades sociais e económicas.Gostava de ver mais cursos de engenharia nas instituições de ensino superior da região? Na região gostava, porque praticamente não existem. Mas em termos de país os cursos de engenharia são mais do que suficientes. Há demasiados cursos, alguns deles inclusivamente para prejuízo de quem opta por eles, que não têm qualquer perspectiva de empregabilidade. E, além disso, começa também a faltar alunos para tantos cursos. A oferta de cursos de Engenharia deve ser continuamente repensada de modo a conseguir acompanhar as cada vez maiores e diferentes necessidades da sociedade.Os engenheiros têm um sentido prático apurado. Por vezes ouve-se dizer que devia haver mais engenheiros na política. Concordo com isso. Na sua quase totalidade, os cargos políticos de maior relevância são ocupados por pessoas com grande capacidade de oratória. No entanto, em mais situações do que seria desejável, essa capacidade é inversamente proporcional às capacidades de inovação e realização, com os resultados que todos sentimos na pele. Os engenheiros, por norma e formação, têm capacidades de inovação, realização e organização.Nunca se sentiu tentado pela política? Não. Já me tentaram, mas não gosto. Gosto de organizar, de fazer coisas, mas não tenho grandes dotes oratórios nem tenho grande prazer nisso.Um engenheiro que é treinador de ténisJosé Adriano Soares Lopes é um homem do norte. Nasceu em Vila Nova de Gaia em 4 de Fevereiro de 1950. Pai de dois filhos, um arquitecto e outro engenheiro, é licenciado em Engenharia Electrotécnica e está reformado da EDP onde fez a maior parte do seu percurso profissional. Veio para Santarém, recém-licenciado, trabalhar na já extinta Federação de Municípios do Ribatejo, logo após se formar, em 1974, na Faculdade de Engenharia do Porto.Em Santarém encontrou uma cidade calma e onde fez muitos amigos. Mas não deixa de referir uma particularidade que o marcou: “Quando vim para cá encontrei uma sociedade organizada à volta de grupos quase estanques, onde era difícil entrar”. Mesmo assim depressa se integrou na comunidade. Jogou futebol de salão e foi fundador do Clube de Ténis de Santarém, ajudando a implantar a modalidade. Tem o curso de treinador e ainda vai jogando e ensinando amigos. Também deu aulas de Físico-Química no Colégio de Santa Margarida, já desaparecido. Não gosta de touradas, mas de resto ambientou-se perfeitamente às tradições ribatejanas. Actualmente toca também cavaquinho na tocata da UTIS - Universidade da Terceira Idade de Santarém. É presidente da delegação distrital da Ordem dos Engenheiros há praticamente seis anos, estando no final do segundo mandato. A estrutura tem cerca de 900 filiados de todo o distrito, de vários ramos da engenharia. A maior parte são de engenharia civil e de engenharia agronómica.Os sindicatos estão demasiado politizadosCelebrou-se há poucos dias mais um 1º de Maio. Quais devem ser hoje as grandes causas dos trabalhadores? Hoje, como sempre, o principal objectivo deve ser a defesa dos direitos do trabalho, e os trabalhadores devem estar conscientes da importância da sua participação nas empresas e instituições.Mesmo que se tenha de abdicar de algumas regalias e direitos? Há uma frase proferida por São Francisco de Assis, pela qual tenho regido um pouco a minha vida, e que é qualquer coisa como: “Dai-me a serenidade para aceitar o que não consigo mudar, a coragem para mudar o que tenho hipóteses de mudar, e o discernimento para ver a diferença”. Por isso é que digo que quando não temos capacidade de mudar as coisas devemos aceitá-las serenamente. Mas se tivermos capacidade para as mudar, devemos lutar activamente por elas.As greves em certos sectores, como os dos transportes, sucedem-se. Como analisa esse fenómeno? Há uma certa banalização dessa forma de luta? Essa luta satisfaz também alguns interesses que não são só os dos próprios trabalhadores. Em algumas das greves nota-se isso. Por vezes, com a capa dos trabalhadores, essas greves são também uma forma de afirmação dos próprios sindicatos e até de algumas forças políticas que estão por trás. Há demasiada politização dos sindicatos, na minha opinião.Isso retira credibilidade ao seu trabalho? Penso que sim. As greves deviam ser pontuais e orientadas no sentido de, construtivamente, dar mais um passo em frente. A luta deve ser muito focalizada em determinados objectivos para, passo a passo, se conseguir evoluir. Os sindicatos têm vindo a perder representatividade. São cada vez menos as pessoas sindicalizadas. Isso é preocupante? Acho que é, porque os trabalhadores deviam estar sindicalizados em organizações que os defendessem.Os trabalhadores têm vindo a perder direitos? Isso é inegável, mas se calhar é a situação possível para a realidade que temos. Estávamos a viver uma economia não sustentável. A responsabilidade não é dos trabalhadores, é dos órgãos decisores, sejam o Estado ou as empresas. A economia tem que crescer de um modo sustentável, para não voltarmos a passar por uma situação idêntica à actual. Tem que haver sacrifício de todos. O mal é que, efectivamente, os mais sacrificados já sabemos quem são.Os crimes económicos devem ser mais penalizados. A Justiça é das instituições que pior funciona no país. Se funcionasse correctamente, estou convencido que estávamos todos bem melhor.
“Emigração hoje não tem nada a ver com a dos tempos da mala de cartão”

Mais Notícias

    A carregar...