O comerciante mais antigo do Sardoal está prestes a fechar a loja
Arnaldo Cardoso trabalha há 66 anos na Falcão & Cardoso que vai encerrar no final deste ano
“Quando se quer muito uma coisa não há nada que nos detenha”, sentencia o lojista que vai deixar a actividade e ter mais tempo para cuidar das suas laranjeiras e pôr a leitura em dia.
Na loja Cardoso & Falcão, no centro do Sardoal, não faltam clientes. O dono, Arnaldo Cardoso, trata os clientes pelo nome e aconselha os melhores produtos. Tem sempre o que as pessoas procuram. A loja é à antiga. A balança, branca e ainda com dois pratos redondos metálicos, salta à vista junto do balcão. A faca com que antigamente se cortava o bacalhau está na dispensa e ainda tem muita utilidade. No espaço é possível encontrar de tudo. Tecidos, panos, utensílios de cozinha, rebuçados antigos, todo o tipo de ingredientes, roupa, sapatos, entre muitas outras coisas. Foi apelidada de centro comercial do Sardoal porque todos os clientes, incluindo de concelhos vizinhos, encontram na Cardoso & Falcão o que não conseguem encontrar noutros estabelecimentos.Arnaldo Cardoso começou a trabalhar na loja aos 12 anos, quando o estabelecimento ainda era propriedade daquele que viria a ser seu sogro. Agora, aos 79 anos, e quase 67 anos depois do início, vai fechar portas. É, actualmente, o comerciante mais antigo do Sardoal. A autorização para o encerramento já chegou e o comerciante planeia fechar definitivamente as portas no final deste ano. Na hora do adeus não esconde a tristeza mas diz que com a sua idade tem que aproveitar a vida. “Tenho 151 laranjeiras para regar, livros para ler e descansar”, afirma a O MIRANTE sem esconder a tristeza por começar a despedir-se de uma vida de trabalho.Depois de concluir a 4ª classe foi trabalhar para aquela loja. Quis continuar os estudos mas o patrão disse que precisava dele para trabalhar e Arnaldo foi adiando o sonho de estudar. Apesar das dificuldades nunca desistiu e é um exemplo a seguir. Tirou vários cursos por correspondência. De dia trabalhava e à noite estudava. Relações humanas, contabilidade e gestão e marketing foram alguns dos cursos que tirou. Também se especializou em guarda-livros. Estudava no Centro de Instrução Técnica em Lisboa e de vez em quando tinha que se deslocar à capital para apresentar os seus trabalhos por escrito. “Quando se quer muito uma coisa não há nada que nos detenha. Só precisamos ter força de vontade e isso, felizmente, nunca me faltou”, afirma.Arnaldo Cardoso não sabe estar parado. Integrou o núcleo regional de Abrantes da Nersant - Associação Empresarial da Região de Santarém, foi secretário da Sociedade Filarmónica do Sardoal quando esta colectividade passava por um período de letargia e é reitor da Irmandade do Santíssimo Sacramento. “Já pus o lugar à disposição porque nunca gostei de liderar nada. Basta-me a minha loja, que sempre me ocupou muito tempo”, confessa.O racionamento durante a 2ª Guerra MundialArnaldo Cardoso foi empregado da loja do seu sogro até 1973, altura em que ficou à frente do estabelecimento comercial. Passou por muitas épocas e diz que antigamente existiam muitas diferenças. No final da década de 40 do século passado, após a Segunda Guerra Mundial, houve a fase do racionamento. “Existiam senhas onde cada família tinha direito, por exemplo, a 200 gramas de açúcar, azeite e massa. Nesse tempo havia pouco fornecimento e tinha que ser tudo controlado. Foram tempos difíceis”, recorda. Nos anos 60 houve muita migração, sobretudo para Lisboa, onde as pessoas iam à procura de emprego e melhores condições de vida.Arnaldo Cardoso considera que o negócio foi rentável até há cerca de cinco anos. Depois veio a crise e as dificuldades começaram a fazer-se sentir. A concorrência também não ajudou mas, diz, os seus preços acessíveis e produtos de qualidade tornam a sua loja muito competitiva. Casado há 54 anos, a esposa ajuda-o na loja. Criou laços de amizade com os seus clientes e entristece-o deixar de os ver com tanta frequência. A loja vai estar em liquidação total para vender tudo o que tem em stock. Apesar das saudades que, confessa, vai sentir admite que este é o caminho correcto e tem que se saber encerrar os capítulos da vida. “Tudo tem um princípio, meio e fim”, conclui com nostalgia.
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