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Torres Novas é uma cidade com obras faraónicas e um centro histórico em ruínas

Torres Novas é uma cidade com obras faraónicas e um centro histórico em ruínas

José Vaz Teixeira fala sobre a terra que escolheu para viver já mais de três décadas

Torres Novas assinala por estes dias os 30 anos de elevação a cidade e, a pretexto disso, O MIRANTE foi conversar com o médico sobre a terra onde vive e trabalha e onde tem tido participação activa na comunidade. O ex-autarca da assembleia municipal diz que a cidade evoluiu muito em termos urbanos e de acessibilidades mas critica o despesismo e algumas obras feitas nos mandatos do anterior presidente da câmara. “Parece que a intenção de António Rodrigues era deixar coisas grandes e vistosas, à semelhança dos faraós, para perpetuar o seu nome”, diz. Se fosse ele que mandasse também não haveria três hospitais públicos no Médio Tejo nem a concentração de serviços em Abrantes que se tem verificado nessa área.

João CalhazVive em Torres Novas há 33 anos. Nunca se arrependeu de ter vindo para esta cidade? Na minha vida nunca me arrependi de nada que tivesse feito. Arrependi-me foi de algumas coisas que não fiz. Vim por necessidade. Quando acabei a especialidade fiquei dois ou três anos em Coimbra, requisitado pelo professor Gouveia Monteiro para me manter em serviço, mas não abriram vagas.A sua intenção era ficar em Coimbra. Sim. Em 1982 concorri para a vaga em Torres Novas e quando cá cheguei foi uma desilusão. O hospital não tinha equipamento nenhum, cheguei a levar o meu endoscópio pessoal para o hospital pois lá não havia.Qual foi a primeira impressão que teve de Torres Novas? A cidade, que ainda nem era cidade, era muito diferente. Entretanto evoluiu em termos de dimensão urbana e de serviços. Não gostei da cidade, não foi amor à primeira vista. E então quando cheguei à entrada do hospital velho e vi o símbolo das misericórdias, que é a caveira com as tíbias cruzadas, a juntar ao símbolo de Torres Novas que é uma torre com um braço empunhando uma maça, perguntei para mim próprio: onde é que eu vim parar?E hoje como vê a cidade? Está diferente. E em termos de acessibilidades é um entroncamento rodoviário que nos permite chegar a qualquer lado rapidamente. O anterior presidente da Câmara de Torres Novas, António Rodrigues (PS), esteve 20 anos no poder e mudou a face da cidade. Para melhor ou para pior? A cidade está mais agradável. Agora o que se questiona é a dimensão e a utilidade de muitas obras que aqui foram feitas. Há uma oferta cultural muito grande nesta terra, é um facto! Mas há um pomposamente chamado Palácio dos Desportos subaproveitado. Há o Teatro Virgínia, que tem uma programação cultural de que gosto particularmente, e agora criou-se no antigo mercado do peixe outro espaço cultural. É um espaço muito bonito e muito bem recuperado mas que provavelmente vai ser subaproveitado. E nos antigos Claras está-se a fazer ninguém sabe muito bem o quê e para quê. Parece que a intenção de António Rodrigues era deixar coisas grandes e vistosas, à semelhança dos faraós, para perpetuar o nome.Outra obra emblemática é a do antigo Convento do Carmo, para onde o município quer transferir os serviços. Concorda com essa intenção? É uma má opção. As acessibilidades são complicadas, até para pessoas com deficiência.É uma forma de manter os serviços municipais no centro histórico da cidade, ajudando a dar vida a essa zona. Mas qual centro histórico? Isto está cada vez mais em ruínas.A saída dos serviços camarários seria mais um contributo para a desertificação da zona antiga. Não necessariamente. Devia era promover-se a recuperação de casas para habitação para fixação de casais mais jovens. Não se pode manter uma cidade com um aspecto medieval, é verdade, as pessoas têm que ter qualidade de vida, mas tem que haver equilíbrio. E ficaram por fazer coisas muito importantes, como o saneamento básico nas freguesias.Entretanto o saneamento tem avançado. Parece que é desta que o Almonda vai deixar de sofrer com a poluição. O Almonda está melhor. Quando cá cheguei não havia peixe no rio e hoje há. Mas fundamentalmente porque se controlou a poluição fabril. Agora a poluição que resulta dos esgotos domésticos, acho que ainda não acabou. Em relação ao Almonda, costumo dizer que sou devoto do Senhor dos Passos: estou de pé atrás (risos).O anterior presidente António Rodrigues vai ficar na história de Torres Novas? Pelas obras que fez, independentemente da qualidade ou da oportunidade de algumas, deixou uma cidade diferente. E deixou também a factura para pagar.A seguir a António Rodrigues veio Pedro Ferreira. O que acha do novo presidente da Câmara de Torres Novas? Enquanto presidente ainda não acho muita coisa. Parece-me talvez ter um bocado mais de bom senso que António Rodrigues. Houve muita gente que julgou que Pedro Ferreira ia ser, como presidente da Câmara de Torres Novas, uma espécie de voz do dono, mas acho que não tem sido assim. Tem imprimido uma marca pessoal à câmara e à governação do concelho.Concorda que a Câmara de Torres Novas vá pagar quase 2 milhões de euros ao Grupo Lena para ficar com a exploração do Almonda Parque? Esse é um exemplo das tais obras volumosas e que não tem utilidade nenhuma, porque ninguém lá põe o carro. As pessoas preferem arriscar uma multa do que meter o carro lá dentro a pagar. Vai ser um dos vários maus negócios, como foi o da compra do Convento do Carmo para lá pôr os serviços da câmara. Dá a impressão que o António Rodrigues quis ser simpático para a família dos Claras, para a Santa Casa da Misericórdia, para o grupo Lena (risos)… E endividou a câmara de uma maneira que condiciona a sua gestão.A luta continuaÉ activista da CDU em Torres Novas há largos anos. Que resultados tem tido dessa luta? A luta é mais a de sermos coerentes com as nossas perspectivas e a nossa visão de uma sociedade e lutarmos para que isso aconteça. Há um ganho que ninguém nos tira, que é a democracia, o 25 de Abril. Isso é irreversível, por muito que doa ao professor Cavaco Silva, que nos seus discursos parece o Sidónio de má memória (risos). A independência das colónias foi também extremamente importante. E no dia a dia há sempre a capacidade de influenciar, de estar presente, de denunciar, de procurar que as coisas sejam um pouco melhores.Continua a acreditar nos amanhãs que cantam? Continuo a acreditar que é preciso trabalhar para cantar todos os dias.Com a idade não se vai perdendo um pouco da utopia, do romantismo? Não é utopia nem é romantismo, é a análise concreta de uma situação concreta, que é assim que se define um bocado a filosofia marxista. É a noção de que é fundamental estar alerta e combater para que as coisas progridam. Não progridem como nós queremos? Pois não! Mas não desisto por isso. Estar sempre do contra não cansa? Não estou sempre do contra (risos). Nós concordamos com muitas coisas. Mesmo em termos locais aprovámos muitas propostas, nomeadamente algumas a nível da saúde.Quase um ano preso pela PIDE antes de ser absolvidoFilho de transmontanos, José Vaz Teixeira nasceu em Ponte Lima, no Minho, em 13 de Abril de 1945 e a infância e juventude foi repartida ainda por cidades como a Guarda, onde o pai, funcionário das finanças, foi colocado, e Coimbra, onde estudou e se formou em medicina. Já perto do final do curso, por ter sido considerado um dos 24 elementos mais perigosos da academia coimbrã, foi chamado para a tropa como castigo. Em Vendas Novas tira o curso de atirador de artilharia e regressa a Coimbra para acabar o curso de medicina em 1970. Começa a trabalhar como médico mas pouco tempo depois novo contratempo surge. Em Março de 1971 é preso pela PIDE (polícia política do antigo regime), acusado de ser militante do PCP - “o que era verdade, mas não conseguiram provar”. Esteve 11 meses preso, em Caxias e no Porto, até ser absolvido. “Levei umas chapadas e passei umas noites sem dormir, aqueles mimos que couberam em sorte a quem era preso por essa gente”, diz. O serviço militar volta a chamá-lo em 1973 e desta vez é mobilizado para Angola, já como médico. E é lá que sabe da revolução de 25 de Abril de 1974.A Torres Novas chegou em 1982, porque era a vaga mais próxima de Coimbra na sua especialidade (Gastroenterologia). A primeira impressão do velho hospital e da cidade, que não conhecia, não o deixou entusiasmado. Entretanto foi-se habituando e hoje diz que já de lá não sai, “nem morto”. Mora numa casa junto ao Almonda e reconhece que a saúde do rio tem melhorado desde essa altura. Casado em segundas núpcias, tem uma filha e três netas do primeiro casamento e mais três netas das enteadas. Um dos seus passatempos preferidos é coleccionar postais. O acervo cresceu a tal ponto que já doou algumas peças, para que não corram o risco de um dia irem parar à reciclagem, “pois estou a ver que os netos não ligam muito àquilo”, diz.É militante do PCP desde 1969 e tem sido um dos rostos dos comunistas e da coligação CDU em Torres Novas nas últimas décadas. Foi durante alguns mandatos eleito da Assembleia Municipal de Torres Novas. Entretanto, questões de saúde fizeram-no abrandar o ritmo, mas não a militância nem as convicções, assegura.Reformado há alguns anos como médico do Serviço Nacional de Saúde, actualmente dá consultas particulares com mais alguns colegas de diferentes especialidades num espaço comum em Torres Novas. “Sem querer ser presunçoso, acho que ainda tenho a capacidade mental e manual para exercer a minha profissão”, diz com o humor com que foi pontuando esta conversa.Um hospital no Médio Tejo chegavaFoi director do serviço de Gastroenterologia no Centro Hospitalar do Médio Tejo até se reformar. A articulação dos três hospitais (Abrantes, Tomar e Torres Novas) funciona? De momento não funciona, mas antes, no global, existia.O que mudou então? No caso da Gastroenterologia, quando estava centralizada em Torres Novas, iam-se fazer endoscopias e colonoscopias a Abrantes e a Tomar uma vez por semana. E dava-se a mesma resposta em termos de urgências que surgissem em qualquer um dos três hospitais. Desde que houvesse um pedido de urgência, cerca de 25% dos exames eram feitos nas 48 horas após o pedido. Hoje isso não sucede. O serviço de Gastroenterologia lamentavelmente foi para Abrantes, para um espaço que não tem qualidade nenhuma. Costumo dizer que apanharam o comunista de costas e vai tudo daqui para fora (risos)…Muito se falou na construção dos três hospitais no Médio Tejo. Foi uma má opção? Foi, por diversas razões.Quais? Logo à partida, a existência de três hospitais no Médio Tejo foi quase um pecado mortal. E depois em termos de autarcas, todos eles queriam ter tudo ao pé da porta. O que era incomportável. O que se poderia ter feito, e isso até chegou a ser proposto pela CDU, é que o local onde se achasse que deviam ficar as valências, tivesse aí todas as componentes referentes às respectivas especialidades. Qual era o hospital que não construía? A ter que fechar hospitais, não seria muito fácil… O hospital de Abrantes foi hiperdimensionado na sua construção. Entretanto Abrantes é dos concelhos com crescimento demográfico negativo mais marcado e foi para onde se deslocou o grosso das coisas. E funciona mal independentemente do empenho dos profissionais que lá trabalham nas diferentes especialidades.Acha que um hospital chegava para o Médio Tejo, como chega o de Santarém para a outra metade do distrito? Sim. Com uma localização mais ou menos equidistante, como Atalaia (Barquinha), que seria uma zona excelente. Neste momento a prioridade deve ser rentabilizar os três hospitais. O de Abrantes rebenta pelas costuras. As pessoas, de uma maneira geral, não gostam do atendimento, porque entretanto também houve uma degradação do Serviço Nacional de Saúde, acabaram-se com as carreiras médicas, muitos médicos diferenciados reformaram-se porque começaram a sofrer pressões de burocracia e outros preferem ir trabalhar para sítios onde lhes pagam melhor.Diz que o hospital de Abrantes está a rebentar pelas costuras. E os outros dois, estão subaproveitados? Sim. Resulta de se ter transferido a maioria dos serviços para Abrantes, nomeadamente a urgência mais diferenciada.
Torres Novas é uma cidade com obras faraónicas e um centro histórico em ruínas

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