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Fiscalidade vai ter que deixar de ser arma política ou a solução para todos os problemas da economia

Fiscalidade vai ter que deixar de ser arma política ou a solução para todos os problemas da economia

José António Barros lidera a Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas. José António Barros nasceu em Coimbra há 73 anos mas a sua vida profissional está maioritariamente ligada ao Porto.

Em Santarém é conhecido por ter estado na fundação da GARVAL, Sociedade de Garantia Mútua, em 2002. Foi presidente da Associação Empresarial Portuguesa (associação a que continua ligado como presidente da Assembleia Geral), primeiro vice-presidente da CIP e actualmente lidera a Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas criada pelo Governo. Nesta entrevista a O MIRANTE faz o balanço do seu trabalho e afirma que “com apenas um por cento do IRC vamos beneficiar mais de trinta mil empresas” e deixa o aviso: “a fiscalidade vai ter que deixar de ser arma política ou a solução para todos os problemas da economia”.

Fundou e dirigiu instituições destinadas a facilitar o acesso das empresas ao crédito bancário, nomeadamente a GARVAL em Santarém. Agora está numa estrutura para reduzir a dependência da banca. As empresas portuguesas estão super-alavancadas. Estão mais endividadas junto da banca do que a maior parte das empresas europeias. A Banca também se ofereceu muito numa fase em que queria expandir o crédito rapidamente. Foi pró-activa. Foi junto das empresas oferecer dinheiro com alguma facilidade e com menos critério. O que justifica a quantidade de mal parado que existe actualmente.
O que deve ser feito agora? Nós temos, em primeiro lugar, de mobilizar as empresas para formas de financiamento diferente, desde logo no mercado de capitais. Eu próprio usei isso na cerâmica Cinca que era da minha família. Foi há muito tempo, nos anos oitenta. Coloquei a empresa em bolsa com sucesso, fomos a segunda empresa portuguesa a ir à bolsa. O mercado de capitais é uma fonte de financiamento em todo o mundo. As empresas financiam-se em 70 ou 80 por cento no mercado de capitais e em 20 por cento na banca. Aqui é precisamente ao contrário.
As empresas têm que reduzir a dependência da banca. Reduzir a dependência da banca quer dizer, essencialmente, ir buscar recursos; ir buscar dinheiro a outros lados. Ir buscar dinheiro onde ele existe. Aos grandes fundos de investimento, nos privados...há muitas sociedades que estão dispostas a investir em empresas desde que vejam um bom risco e uma boa capacidade de prémio; de ganhar dinheiro.
Antigamente punha-se o dinheiro a render no banco... Quando as taxas de juro estão nos valores em que estão há aqui uma motivação adicional. Antes as pessoas ainda podiam pensar que pôr dinheiro nos bancos era um bom negócio, agora sabem que não ganham, de certeza. E não falo das más experiências. Falo sobretudo nas taxas de remuneração que, neste momento, não permitem a ninguém viver dos rendimentos se puserem o dinheiro nos bancos.
As empresas têm que mudar de mentalidade. O mundo globalizou-se. A circulação da informação globalizou-se. A circulação de mercadorias globalizou-se. O conhecimento globalizou-se. Nesta situação os empresários também têm que se globalizar ou não vão a lado nenhum.
O problema é que o tempo passa e pouco muda. O que está a dizer agora já o disse há anos. Em 2009, por exemplo. Digo, nove anos depois, exactamente a mesma coisa. Somos uma pequena economia demasiado fechada. Somos uma economia aberta em termos de mercado único europeu mas em termos globais somos uma economia fechada. Os países que em 1986 aderiram à CEE ou os que já lá estavam, os fundadores, tinham nessa altura, taxas de exportações sobre o PIB da ordem dos 25, 30 e 35 por cento, tal como Portugal que tinha 20 e tal por cento. Hoje têm todos 70, 75 ou 80 por cento e nós estamos todos contentes porque chegámos a 41 por cento. Não resolvemos nada. Nada.
E conjunturalmente até se registou uma ligeira descida a esse nível. Ou nós mudamos de mentalidade e nos globalizamos na forma de pensar e de gerir e avançamos também para taxas de exportação sobre o PIB de 60 ou 70 por cento ou não vamos a lado nenhum. Um país pequeno tem que basear o crescimento da economia no mercado exterior.
O primeiro-ministro aposta também no crescimento do mercado interno Porquê? Actualmente o PIB reparte-se em duas partes. Uma parte de cerca de 41 por cento de exportações e outra parte que é a do consumo interno que continua a representar em Portugal cerca de 60 por cento. Se temos um problema de crescimento de curto prazo para atingirmos objectivos orçamentais temos que fazer as exportações mas também temos que fazer crescer o consumo interno.
Mas não é solução a longo prazo. Com esta situação estamos a crescer ao nível do PIB mas não estamos a crescer nos saldos. Nós temos que ter saldos comerciais positivos para poder pagar a dívida. Temos que ter mais dinheiro do que aquele que gastamos. Isto é um programa. O senhor primeiro ministro lançou o programa Simplex Mais e o Programa Capitalizar. Isto é um programa do Governo. É uma intenção estratégica do primeiro ministro. Que depois a passa para o Governo transversalmente.
A capitalização das empresas tem sido uma das maiores queixas dos empresários. Daí esta aposta do primeiro-ministro. Ele lançou dois programas. O Simplex e o Capitalizar. Esta Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas (EMCE) a que eu presido trabalha nesse sentido. O mercado financeiro agora é mais difícil. As regras comunitárias endureceram, a análise de risco é mais rigorosa até para obviar condições que aconteceram na Espanha, Itália e até na Alemanha, por isso conseguir crédito agora é muito mais difícil.
Já se percebeu que a solução não passa pelo financiamento bancário. A primeira coisa que os bancos dizem é: “...com este rácio de capitais próprios o senhor ainda quer que eu ponha aí mais dinheiro? Nem pense nisso. A sua empresa já está super alavancada; super endividada. Nós aí já não pomos mais”. A empresa até pode ser muito boa. Até pode ser economicamente viável mas em termos de estrutura de capitais está mal. E isso é logo um factor de maior prémio de risco e portanto não consegue financiar-se na banca.
Isso resolve-se como? De várias maneiras. A primeira maneira é a que nós propusemos. Fazer tudo o que é possível para levar os sócios e os accionistas a porem o seu dinheiro na empresa. Desde transferir para capital o que já lá está mas que está como suprimento ou como prestações acessórias. O que hoje acontece é que os suprimentos (nas sociedades por quotas) e as prestações acessórias (nas sociedades anónimas), ou seja, o dinheiro que os sócios já puseram na empresa, estão numa conta que contabiliza a dívida aos accionistas. Se pegar nesse mesmo dinheiro, que já está na empresa, e o colocar no capital social já está a melhorar o rácio de autonomia financeira da empresa. Basta fazer um lançamento contabilístico, um técnico ou um revisor oficial de contas certifica-o e está feito.
E porque não se faz isso actualmente? Actualmente o senhor tem que fazer uma assembleia geral, tem que ir ao notário registar, tem que ir ao registo comercial alterar o capital social e pagar imposto de selo. Porque não se faz um lançamento da conta A para a conta B e um TOC ou um COQ certifica e está feito? Isto mexe em duas áreas. Mexe na simplificação administrativa e mexe no fisco. Pagar imposto de selo para quê? O dinheiro já lá está.
Isso exige mudanças. Também propomos a neutralidade fiscal. Se uma empresa vai buscar dinheiro à banca, os juros são custos de exercício e abatem à matéria colectável. O custo de remunerar o accionista, não. Imagine que essa empresa paga 5% de juro ao banco. E que o empresário até tem um parente rico disponível para colocar o seu dinheiro na empresa pelo mesmo juro que lhe cobra o banco. Só que esse juro não será considerado como custo fiscal. Por que não há-de ser neutral a empresa ir buscar dinheiro ao banco, a accionistas ou até a terceiros?
A Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas, a que preside, apresentou um conjunto de 131 medidas para reduzir a dependência das empresas do crédito bancário. Essa é uma delas. As restantes podem ser consultadas no site do Ministério da Economia....
São medidas para defender a economia. Não são medidas para defender os empresários. É preciso que se diga. Das 131 medidas foram escolhidas 15 para apresentação pública do programa. O critério foi o da priorização. Urgência, impacto real na economia das empresas e facilidade na sua implementação.
Como foi planificado o trabalho? Definimos cinco áreas. Desburocratização, fiscalidade, reestruturação empresarial, ou seja, recuperação de empresas em situação difícil, a quarta é o financiamento por utilização dos instrumentos Comunitários, leia-se Portugal 2020 e a quinta é o mercado de capitais. O que eu fiz foi identificar algumas medidas, quinze, distribuídas pelas cinco áreas que são de implementação mais fácil e que são mais rápidas e mais urgentes. E que têm impacto nas empresas.
Não é utópico falar em fiscalidade amiga numa altura em que ouvimos alguns empresários porem em causa a intervenção pública dos políticos através do fisco? Esta é que é a altura para falar em fiscalidade amiga. A fiscalidade vai ter que deixar de ser ou uma arma política ou uma solução de todos os problemas da nossa economia e do nosso orçamento e tem que passar a ser uma arma amiga.
Os políticos são capazes de deixar de fazer isso? Têm que ser. Isto não pode ser generalizado. Nós tivemos o cuidado de não propor medidas que fossem criar desiquilíbrios no Orçamento de Estado. Todos nós somos gente que tem muitos anos de experiência e tem conhecimento suficiente para saber que o país tem constrangimentos orçamentais em Bruxelas que tem que cumprir. O pior que nos pode acontecer é entrarmos em procedimento de défices excessivos. Nós não podemos ultrapassar os três por cento de deficit orçamental. Não podemos.
Propõe-se fazer omeletas sem ovos? Dentro disso há margem. Vamos admitir que temos trezentas e tal mil empresas. As cinquenta ou 60 maiores empresas pagam 90 por cento do IRC. Para as outras trezentas mil ficam dez por cento. Agora vamos admitir que com estas medidas propostas a gente atinge dez por cento dessas empresas, ou seja, cerca de trinta mil. Estamos a falar de 1 por cento da receita de IRC. O IRC por sua vez até é a terceira receita do Estado. A primeira é o IRS, a segunda é o IVA, a terceira é o IRC. Nós estamos a falar em 1 por cento da terceira receita do Estado. Acha que é isto que desiquilibra o Orçamento? E com isto estamos a beneficiar trinta e tal mil empresas.
Se daqui a dois anos ainda não estiverem implementadas as medidas propostas vamos ouvi-lo criticar a inércia política? Há aqui muitas medidas que nos próximos seis meses estarão em condições de estar a funcionar. É minha convicção que uma boa parte das medidas pode estar em funcionamento no próximo ano.
Porque não está a liderar esta missão um economista de quarenta anos, por exemplo? Isto não tem nada a ver com idades. Isto tem a ver com experiência de vida e com conhecimento. Há pessoas muito mais novas que eu que são hoje muito mais velhas que eu. Em primeiro lugar a pessoa tem que ter prática, terreno, trabalho feito. Eu estive trinta anos nas empresas, quinze anos no associativismo e mais de vinte na área financeira.
Teve alguma reacção negativa às propostas apresentadas? Nenhumas. Só positivas. As únicas observações são dúvidas sobre a sua implementação.

“Os meus netos podem ir trabalhar para o estrangeiro mas não será por falta de confiança no país”

Como vê a actual situação da banca. Os bancos estão a cair... Está enganado. A queda do BES e do BPN têm pouco que ver com a evolução da economia. O que aconteceu não teve nada a ver com políticas mas com pessoas.
O que aconteceu na banca afectou a economia. Como é que os empresários se deixaram enganar? Está a entrar numa área muito curiosa. Os empresários deixaram-se enganar mas foram apenas os que se quiseram deixar enganar. Era preciso procurar aplicações credíveis em bancos credíveis. Não se devia ter ido a correr para bancos menos credíveis que davam taxas muito maiores. Como se costuma dizer quando a esmola é demais até o pobre desconfia. O que eu posso dizer é que não perdi nada.
O senhor é um empresário conservador? Como é que um empresário como eu, de uma empresa familiar que é a segundo a ir à bolsa em Portugal é conservador? Quando nenhum empresário quer abrir mão do capital da sua família e da liderança familiar eu fiz isso. É ser conservador? Olhe que foi em 1987. Eu tinha 40 e poucos anos nessa altura e disse vamos com a Cinca para a bolsa. Só havia uma empresa portuguesa na bolsa nessa altura. Montar um sistema de garantia mútua e regionalizá-lo imediatamente. Ir fazer isso para Santarém com a GARVAL é ser conservador?
Porque continuamos na cauda da Europa? Porque há vários anos que não tínhamos governos capazes para dar ao país o empurrão que era necessário. Temos um deficit grave de formação de activos. E quando se fala em formação de activos fala-se em toda a gente. Começa-se pelos trabalhadores e vai-se até ao patrão e aos gestores. No 25 de Abril demos uma pancada grave nisto tudo com a extinção do ensino técnico oficial. Foi uma machadada muito grave que levou muitos anos a recuperar. Só agora começa a estar resolvido. Temos um país com uma formação média inferior à que deveria existir; uma formação superior inferior à que deveria ser. Estou a falar dos activos e não das escolas porque temos boas escolas que preparam bem até em termos internacionais, o que infelizmente leva a que os nossos licenciados, mestres e doutores estejam a sair porque lá fora reconhecem o seu valor e vêm buscá-los. A segunda questão, volto a dizer, é que nós nunca criámos estímulos devidos ao investimento. E a pior variável, a que teve pior comportamento nos últimos anos é o investimento. E se queremos criar emprego temos que ter investimento.
O senhor aconselharia os seus netos a emigrarem. Os meus netos poderão sair do país devido a uma oportunidade de emprego mas por receio ou por falta de crença no país, não aconselharia nenhum a sair.

“Fui sempre gestor de empresas. Nunca tive outra profissão”

José António Barros tem 73 anos. Nasceu em Coimbra durante a II Grande Guerra. Na altura o pai trabalhava na Lusitânia Faianças e Porcelanas que era a maior cerâmica da Península Ibérica e tinha sido enviado de Lisboa para dirigir a fábrica de Coimbra.
“Nessa altura fabricavam-se taças, malgas e pratos em porcelana para os exércitos. O alumínio ainda não era usado. A fábrica de Coimbra carregava todas as semanas um comboio de louça para os exércitos aliados.”, conta.
Em 1947 o pai e outros sócios compraram a cerâmica Valadares e no ano seguinte a família mudou-se para o Porto. Foi lá que José António Barros fez a parte final da escola primária e se licenciou, em 1967, em Engenharia Química. Em 1962 a família saiu da Valadares e fundou a CINCA em 1964. A empresa foi da família até 1993. José António Barros foi gestor e foi ele que colocou a empresa em Bolsa em 1987. “A CINCA era a maior empresa exportadora do país. Tínhamos a CINCA em Vila da Feira, a CINCA na Mealhada, a Litocerâmica em Albergaria e a Decorcer em Ílhavo. Éramos o maior produtor e exportador nacional”, conta.
“Aos 21 anos era administrador de empresas. Nunca tive outra profissão na vida. Quando eu comecei na CINCA e, perante a minha inexperiência, o meu pai disse-me: ‘Se fizeres asneiras pequenas eu deixo-tas fazer. Não faz mal nenhum e aprendes. Se forem grandes eu estou aqui e não deixo. É a bater com a cabeça que a gente aprende’. E assim foi.”.
“Fui engenheiro químico até aos anos 70. Aí passei para a parte administrativa e financeira. Passei a ter a responsabilidade da área financeira. E quando o meu pai começou a afastar-se da empresa por idade, assumi a responsabilidade global. O meu irmão que tem agora 71 anos, era o responsável pela área comercial e pela exportação. Ele é arquitecto. Era ele que desenhava os produtos e definia linhas, cores, etc. Ainda hoje a CINCA, embora não seja da família há quase trinta anos, tem uma linha desenhada por ele”, acrescenta.
José António Barros participou, nos anos oitenta, na Fundação da SPI que viria a dar origem ao BPI e esteve ligado ao Conselho Geral do Banco durante muitos anos. Mais tarde participou também na fundação do BCI (Banco Comércio e Indústria). No final dos anos lançou uma empresa de Capital de Risco, a Interrisco de onde saiu em 1994, altura em que fundou a SPGM Sociedade Portuguesa de Capital de Risco, com sede no Porto, que seria o embrião da Norgarante, da Lisgarante e da GARVAL.
Iniciou a sua actividade como dirigente associativo em 2008. “O Engº Ludgero Marques, histórico presidente da AEP - Associação Empresarial Portuguesa, decidiu retirar-se ao fim de 23 anos e desafiaram-me a tomar conta da AEP. Estive lá durante dois mandatos. Sou actualmente presidente da Assembleia Geral. A partir de 2014 fui para primeiro vice-presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal. No final de 2015 reformei-me”, explica.

Fiscalidade vai ter que deixar de ser arma política ou a solução para todos os problemas da economia

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