Quem disse que nas férias de Verão a justiça está parada?
O MIRANTE acompanhou um turno de um juiz da área criminal e de trabalho, que nas férias judiciais está de serviço para despachar todas as questões urgentes, que vão de internamentos compulsivos, a primeiros interrogatórios de detidos, passando por julgamentos sumários de detidos em flagrante delito. E trabalho foi coisa que não faltou.
Um carrinho de metal chia pelo corredor do primeiro andar em direcção ao último gabinete. “Senhora doutora trago aqui uns processos”, anuncia a funcionária da secção criminal. São nove da manhã de um dia de férias judiciais e a juíza de turno já estava a desfolhar um processo que precisava de um despacho. No átrio do Palácio da Justiça 1, onde funcionam as instâncias criminais de Santarém, com vista para o Jardim da Liberdade, só está o segurança. Nas secretarias só se ouve o clicar dos ratos dos computadores. Há gente de férias e os que já gozaram ou ainda esperam para gozar o descanso de Verão não têm tempo para conversas. Para quem passa à porta do tribunal parece que o tempo parou. Mas quem disse que os tribunais param nas férias?
Marisa Ribeiro, juíza há 10 anos, foi escalada para fazer o turno de 27 e 28 de Julho, porque há processos que não podem parar. A manhã começa por despachar o caso de um arguido que estava desparecido e foi declarado contumaz (impedido de obter documentos da administração pública). O homem estava acusado de três crimes de roubo em 2004 juntamente com outro arguido, que já foi julgado e absolvido, e para o caso não estar parado foi feita a separação do processo. A juíza escreve o despacho de extinção da contumácia e comunica a situação ao juiz titular do processo para este marcar julgamento. O trabalho não pára de aparecer e há a perspectiva de ter de se deslocar ao Cartaxo e a Coruche para resolver outras situações, o que acaba por não ser necessário porque foi possível despachar os processos por via informática.
O que mais dores de cabeça durante o dia vai dar à juíza é um processo com escutas telefónicas. Marisa Ribeiro, que já tinha passado por outros tribunais da região, como Golegã e Mação, tem de ouvir as escutas, verificar se têm interesse para o processo, se estão com boa qualidade e validá-las para que passem a constar como prova. Mas a tarefa não se revela fácil. Primeiro não consegue aceder aos ficheiros áudio. A senha para os abrir não está no material enviado pela Polícia Judiciária e é preciso contactar o inspector. Depois é o computador que não tem o programa indicado porque esta juíza não trata habitualmente destas situações, que são da responsabilidade do juiz de instrução. O informático está ocupado em Coruche.
O trabalho não dá tempo para pausas
Chega a hora de almoço e a juíza foi aproveitando para ir vendo outros processos. Não tem tempo para almoçar, percebe-se. Fica no gabinete. Vem a boa notícia: as escutas podem ser ouvidas na sala de audiências. Caso resolvido. Seguem-se outras tarefas. Fazer um despacho a pedir dados de um telemóvel de um arguido que a operadora se recusa a dar. É preciso a juíza fazer um pedido a ordenar a entrega dos elementos. Pela tarde chega mais papel. Marisa Ribeiro reconhece a vantagem de se poder fazer muita coisa por via informática mas prefere ler em papel. A tarde vai a meio. É preciso emitir mandados de condução de uma senhora internada compulsivamente para que esta seja transportada para uma sessão com o perito do tribunal para se avaliar se vai continuar internada.
O trabalho não dá tempo para pausas. Só cinco minutos para se beber um café. Há ainda que reavaliar a medida de coacção de prisão preventiva, que tem de ser revista de três em três meses, de um arguido indiciado de um homicídio e de uma tentativa de homicídio. Marisa Ribeiro tem ainda de se preparar para diligências no dia seguinte, como a tomada de declarações para memória futuro num caso de crimes sexuais. O facto de muitos dos julgamentos não se fazerem nesta altura dá a ideia de que os tribunais param mas todos os dias há juízes de serviço para que a justiça não pare. E se alguém for detido em flagrante a cometer um crime é julgado em processo sumário e o julgamento é feito mesmo em férias.
Como funcionam os turnos
A gestão da Comarca de Santarém decidiu criar dois turnos para abranger as zonas sul e norte do distrito. Uma opção com vista a aproximar a justiça das pessoas e tornar o serviço mais eficiente, evitando grandes deslocações dos juízes, que nesta altura de férias estão escalados para questões urgentes. Na área criminal estas vão de casos de internamentos compulsivos, processos com presos até a julgamentos sumários (de detidos em flagrante), passando por primeiros interrogatórios de detidos. No comércio são as questões de insolvências e no cível e família e menores as situações de providências cautelares e jovens em perigo.
Excepto ao domingo, há sempre três juízes a assegurarem os serviços na comarca. O turno A abrange o sul do distrito, com as Instâncias de Santarém, Benavente, Almeirim, Cartaxo, Coruche e Rio Maior. Neste turno há dois juízes. Um assegura a área penal e a do trabalho. O outro a área de família e menores, comércio e cível. O turno B é para o norte do distrito e tem um juiz, que assegura as instâncias de Tomar, Ourém, Entroncamento, Abrantes e Torres Novas. Na zona sul há dois juízes porque em Santarém estão concentradas instâncias centrais (com abrangência distrital), como é o caso da instrução criminal ou do comércio. Cada juiz faz um turno de dois dias seguidos.