Portugal não deve ter vergonha de assumir aposta na agricultura
Responsável da Benagro diz que o Ribatejo está a saber aproveitar as suas qualidades. Eusébio Domingos é o presidente da direcção da Benagro, Cooperativa Agrícola de Benavente, que factura anualmente 14 milhões de euros e que é, para centenas de agricultores, a única porta de salvação na hora de pedir apoio.
Nesta conversa fala dos fundos comunitários desperdiçados nos anos 90, de como o país precisa de deixar de olhar para a agricultura como parente pobre e confessa que são os fundos estatais que impedem as culturas de darem prejuízo.
Está na hora de Portugal assumir sem medo que o futuro passa por uma maior aposta na agricultura. Quem o defende é Eusébio Abreu Domingos, presidente da Cooperativa Agrícola de Benavente (Benagro), entidade com mais de 1200 associados e que factura actualmente 14 milhões de euros por ano.
“Os agricultores sempre foram gente de muito conhecimento, trabalho, gente honrada que teve um papel muito importante no nosso país. Mesmo com as adversidades continuam a investir e nos últimos anos onde se tem investido mais no país é em agricultura. Não é vergonha nenhuma assumir a aposta na agricultura, é um sector importantíssimo para o país e ao qual se tem de dar muito valor”, defende.
O dirigente, de 70 anos, é ele próprio agricultor, desde a juventude, fazendo 150 hectares de arroz por ano na zona de Santo Estêvão, terra de onde é natural e onde ainda vive, no concelho de Benavente. Lamenta que as terras estejam a perder gente e que os mais jovens não queiram saber do campo - dos 50 agricultores que havia nos anos 70 em Santo Estêvão já só restam pouco mais de cinco.
“A malta nova deixou a agricultura, têm a vida mais facilitada noutras áreas. O campo já não é como antigamente, há novas alfaias e máquinas mas mesmo assim tem alturas em que é uma vida dura”, admite, confessando que o cenário tem tendência a piorar e não se mostra surpreendido se isso acontecer.
A culpa é também das baixas rentabilidades das culturas. Hoje gasta-se mais dinheiro do que nunca em factores de produção - como o gasóleo, rendas, pesticidas ou alfaias - e vende-se mais barato do que antigamente. “Não fossem os subsídios que o Estado e a União Europeia dão e a agricultura não dava dinheiro nenhum, não dava para pagar as despesas”, alerta.
O dirigente diz que uma das salvações é a economia de escala - a venda em grandes quantidades - mas nem aí se conseguem fazer milagres. São frequentes os relatos de agricultores em dificuldades para conseguirem pagar as contas com o que recebem. “A única compensação que temos são os subsídios. Mas se continuarem a baixar chega-se ao limite em que já não dá para ganhar dinheiro. No arroz, para se vender a 30 cêntimos o agricultor tem de ter no mínimo 7 toneladas por hectare para pagar os 2100 euros que é o custo da cultura. Os preços que se estão a praticar não são normais nem justos. Um agricultor vende batata a 5 cêntimos e depois ela é vendida ao cliente nas superfícies por 50 cêntimos. Há um diferencial enorme entre a produção e o consumidor. Alguém no meio não corre riscos e fica com o dinheiro. Falta fiscalização e controlo”, critica.
Seguros e bancos pouco amigos dos agricultores
Trabalhar a terra está dependente de muitas variáveis e uma delas é a instabilidade climatérica que pode arruinar a produção. Existem no mercado seguros para as colheitas, mas a maioria não cobre desastres tão básicos como uma simples inundação. “Onde eu faço arroz, nas margens do rio Almansor, se chover noutros concelhos inunda-me as terras e chego a ficar com arroz por apanhar, estragado. O seguro não cobre inundações. E quando o seguro cobre o problema, o dinheiro que devolvem mal chega para pagar o prémio. Em Espanha o seguro contempla tudo o que não é culpa do agricultor, por cá as seguradoras não ajudam nada”, lamenta.
No capítulo das dificuldades está também o acesso à banca. A agricultura está na moda mas os bancos não emprestam a quem tem pouco para dar em troca. “Os bancos já não querem como garantias as casas dos agricultores ou os seus terrenos e por isso não emprestam. A maioria precisa de ajuda no arranque da produção. Têm cada vez mais dificuldade em financiar-se”, lamenta o responsável.
Nesse campo a Benagro tem ajudado os agricultores vendendo os factores de produção nas campanhas e só cobrando o dinheiro quando estes recebem das indústrias a quem venderam os produtos. Nos meses das campanhas a cooperativa chega a gastar entre 750 mil a um milhão de euros por mês com fornecedores.
Eusébio Domingos defende que a maioria dos jovens que queira iniciar-se na agricultura, sem ter o apoio de familiares que já estejam no ramo, tem a vida complicada pois os investimentos são pesados. Diz que o concelho de Benavente é excelente para a agricultura, não trocava o distrito de Santarém pelo de Lisboa e garante que o Ribatejo é um local de excelência para produzir e escoar produtos, garantindo que as potencialidades estão a ser bem aproveitadas.
Sete milhões em novas instalações
Depois de vários anos a preparar a candidatura a fundos comunitários do Portugal 2020, a Benagro está pronta para avançar com o projecto de construção de novas instalações com unidade de armazenagem e secagem de arroz, orçada em sete milhões de euros, dos quais três milhões são financiados por fundos europeus. Caso haja aprovação do projecto este ano a expectativa é que a obra fique concluída até ao final de 2017.
O novo complexo, que vai incluir também os novos escritórios e sede da cooperativa, vai nascer num terreno de 10 hectares situado junto ao nó da auto-estrada A10 em Benavente. “Submetemos o projecto e soubemos a semana passada que foi classificado com pontuação máxima. Da nossa parte temos tudo preparado. Logo que o projecto tenha luz verde avançamos”, explica o dirigente a
O MIRANTE.
Quando os fundos comunitários serviram para comprar luxos
Durante a década de 90 “desperdiçaram-se muitos fundos comunitários”, confessa o dirigente, fruto da falta de rigor e fiscalização sobre a sua aplicação. Muitos beneficiários receberam o dinheiro e aplicaram-no noutras coisas deixando os campos como estavam.
“Desperdiçámos a oportunidade de modernizar a agricultura. Hoje é impensável alguém recorrer a um projecto comunitário e investir o dinheiro noutra coisa, hoje há controlo. Na altura não havia. Lembro-me do subsídio de apoio ao gasóleo. Havia proprietários que tinham milhares de hectares em que não mexiam e aquilo contava na mesma. Chegavam a vender esse gasóleo apoiado e com isso faziam mais dinheiro”, recorda.
Eusébio Domingos diz que o cenário mudou porque o cerco da fiscalização apertou-se. “Há muitas coisas em que por causa de uns pagam os outros. Eu tenho um jipe com 28 anos e um carro com mais de 17 anos. Mas tenho bons equipamentos agrícolas. Prefiro investir no trabalho do que em luxos, é aí que se vai buscar a subsistência”, conta.
Eusébio Domingos não está arrependido de ter seguido o ramo da agricultura. Está nos corpos sociais da Benagro desde 1990 e na direcção desde 2001. É presidente da direcção há 12 anos porque não tem aparecido ninguém interessado em gerir os destinos da cooperativa.
Beterraba pode ser boa opção
A cultura da beterraba para transformação em açúcar “pode ser” uma boa opção para a rotação das terras, defende Eusébio Domingos. “Tudo depende da situação económica e de como se pode pagar ao agricultor. Se for bom para o agricultor pode ser uma boa cultura de rotação. Em Vila Franca de Xira houve beterraba durante alguns anos e foi uma cultura bastante rentável e interessante”, explica.
O responsável está também preocupado com a crescente salinização da água do Tejo que é usada para regadio e que pode destruir as culturas. “Este ano já houve um bocado de dificuldade mas tudo porque há um aumento do regadio que se está a implementar na lezíria, sobretudo em arroz. Chegará a um ponto em que tudo dependerá da água que desce do norte do rio”, conta.
A Benagro é associada da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e admite que há factores a melhorar. “A CAP tem um papel importante e é importante para nós sermos associados deles. Temos uma opinião positiva. Mas não se vai a lado nenhum com guerras, tem de se encontrar consensos. Manifestações, por exemplo, não levam a lado nenhum e cada vez ficam mais extremadas as posições”, conclui.