Atender clientes sem ouvir os pedidos
Tiago Batista é surdo de nascença mas isso é um pequeno pormenor que não o impede de trabalhar e conviver com os clientes do café onde é empregado, em Santarém.
Tiago Batista tem 31 anos, é empregado de balcão e destaca-se pela sua simpatia e boa disposição. O facto de ser surdo é um detalhe que não o impede de trabalhar e lidar com os clientes. Sempre que Tiago vê um cliente habitual à porta vai logo preparar o seu pedido. O cliente não precisa pedir o que quer porque o jovem já sabe o que vai ser. “O Tiago tem uma memória visual muito boa e decora a cara dos clientes e o que eles costumam pedir por isso antecipa-se e quando o cliente se senta já lá tem o seu pedido”, conta Ana Batista, mãe de Tiago.
O MIRANTE esteve uma manhã no café/pastelaria “A Padeirinha”, em Santarém, onde Tiago trabalha há cerca de dez anos e observou a relação com os clientes. Nessa manhã Tiago tinha acabado de regressar de férias e algumas pessoas sentiram a sua falta. Uma senhora que ali vai todos os dias toca-lhe nas costas para o jovem sentir a sua presença. Tiago cumprimenta-a com um sorriso rasgado e uns olhos azuis brilhantes. A cliente pergunta-lhe se gostou das férias e diz que já sentia a sua falta. Tiago sorri e acena com a cabeça.
“Ele comunica muito com as pessoas e elas adoram o Tiago. Quando não se entendem verbalmente o Tiago escreve num papel para transmitir o que quer dizer. Ele consegue ler muito bem os lábios por isso se falarmos pausadamente e palavras fáceis entende o que lhe dizem. Eu entendo pouco de linguagem gestual mas com as palavras que sei conseguimos entender-nos. O Tiago é muito dado, muito simpático, muito curioso e um excelente amigo”, explica Ana Batista.
A mãe de Tiago adoptou-o quando ele tinha dois meses e no dia seguinte percebeu que o filho não ouvia. Os pais adoptivos de Tiago procuraram ajuda em vários médicos da especialidade mas há 30 anos não havia as soluções de hoje. Estiveram um mês em Paris, num otorrino, à procura de uma solução que permitisse ao filho ouvir qualquer coisa e melhorar a sua condição. Não foi possível. “O Tiago não ouve nada, nem o barulho de um avião. Mas se baterem à porta de casa, e houver silêncio, ele consegue sentir a vibração e percebe que estão a bater à porta”, conta.
Tiago frequentou o Instituto Jacob Rodrigues Ferreira, em Lisboa, que é uma escola para surdos. A mãe refere que foi a melhor coisa que podia ter feito. Lá, o jovem aprendeu a ler e a escrever, preparando-o para a vida. Tirou o curso de pastelaria e cozinha.
Quando terminou o curso foi estagiar para um espaço onde celebram casamentos, o mundo preferido de Tiago, que sempre quis ir a casamentos para ver as roupas dos convidados. Com o dinheiro que ganha gosta de comprar sapatos para a avó de 87 anos. “Ficou triste quando durante o estágio percebeu que o seu trabalho era ficar na cozinha e não na sala a servir os convidados. Ele queria muito observar as roupas que tanto adora”, explica a mãe.
Há dez anos arranjou emprego n’A Padeirinha, cujo dono é vizinho de Tiago. Durante a conversa com o jovem e com a sua mãe, Tiago mostrou sempre a sua simpatia sorrindo e mostrando sempre muito interesse na conversa. “O Tiago adaptou-se sempre bem a tudo e nunca teve dificuldade em fazer amigos. Nunca ouviu e percebeu que tinha que se adaptar ao ambiente em que vive. Em criança sempre achou que ia morrer cedo porque não conhecia surdos adultos, só crianças da sua idade. Com o crescimento foi percebendo que tinha as mesmas hipóteses de chegar a adulto que as outras pessoas que ouvem”.