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“Antes o que os professores diziam era lei agora é o contrário”

“Antes o que os professores diziam era lei agora é o contrário”

Falta de adaptação às novas tecnologias, constantes reformas na educação, indisciplina nas salas de aula e burocracia a mais são alguns dos problemas identificados por três dos professores que foram homenageados no Cartaxo pelos 25 anos de carreira.

“Quando comecei éramos muito respeitados pelos pais, os meninos eram educados, mesmo que os pais não fossem pessoas muito letradas, e o que os professores diziam era lei, agora é totalmente o contrário: as crianças vêm sem regras nenhumas e sem educação e os pais não valorizam nada disso”, aponta Adélia Ferreira, 59 anos, uma das professoras homenageadas pelo município do Cartaxo no início do novo ano lectivo.
A professora de ensino especial do 1.º ciclo da Escola Básica José Tagarro do Cartaxo dá aulas desde 1977, tendo começado por trabalhar no concelho de Azambuja. Desde 1991 que está no concelho do Cartaxo e afirma que os professores devem ser os primeiros a adaptar-se às novas tecnologias: “temos de andar para a frente, adaptar-nos e motivar-nos, senão os alunos não nos ligam”.
“Em 1997 pouco dominava o computador e tive de me fazer à vida porque quem não o faz não vai a lado nenhum”, diz sem rodeios a professora. Quanto à burocracia a que os professores estão cada vez mais sujeitos, na sua óptica, não é um problema. “Quem quer trabalhar trabalha em todas as áreas e quem tem feitio para se baldar, balda-se”, remata.

Muita teoria
e pouca prática
Opinião diferente tem José Carlos Paulo. O professor de 54 anos lecciona Educação Visual e Tecnológica no 2.º ciclo na Escola Marcelino Mesquita e aponta o dedo ao grande número de reuniões e trabalho em casa que dificulta a preparação das aulas.
José Carlos vive actualmente em Santarém e desde 1991 que dá aulas no Cartaxo, depois de uma década a trabalhar no Alentejo. A quantidade de reformas por que tem passado a educação não tem permitido aferir se estas foram proveitosas. “A escola acompanha a constante mudança da sociedade, mas nem ela consegue acompanhar a evolução da tecnologia. Tem havido tentativas, mas nem sempre resultam”, acrescenta.
“O que me magoa é que a parte mais artística, técnica e prática (que inclui educação física) quando comecei compreendia à volta de 14 horas semanais e hoje estamos reduzidos a cerca de metade”, confessa o professor que defende que o desenvolvimento da criança se faz aprendendo a fazer em contraposição a uma escola cada vez mais teórica.
José Carlos Paulo diz ainda que o respeito da sociedade pelo professor acaba por se reflectir na sala de aula. “Hoje em vez do quero, posso e mando, começa-se a tentar ganhar os alunos pela confiança. É mais uma troca e negociação com os alunos”, refere aludindo ao papel da sua profissão.

“Cada vez me sinto menos professora”
Outra das professoras homenageadas no Cartaxo diz conseguir ter uma relação próxima com os seus alunos, “mas depende daquilo que os pais passam às crianças”, afirma Maria de Fátima Mendes, 53 anos, que vive no Cartaxo.
A docente afirma que a maioria dos pais vê os professores como amigos, enquanto outros passam a imagem de que são uns “chatos” e “demitem-se das funções de educar os filhos”. “Desresponsabilizam-se. Se eles não trouxerem uma boa base de casa é mais difícil educá-los. E quando criticamos os filhos são os professores que não prestam e a escola é que tem a culpa das crianças não corresponderem às expectativas dos pais”, desabafa.
Maria de Fátima trabalha no primeiro ciclo da escola número 3 do Cartaxo e com 31 anos de carreira sente uma grande diferença nas novas gerações de alunos, apesar destas terem cada vez mais informação, “são cada vez menos responsáveis e com um amadurecimento social mais lento”, refere. “Mas nós também somos culpados porque fazemos tudo por eles. Hoje estão metidos numa redoma em casa, não se sujam, têm brincadeiras muito condicionadas e não experienciam nem mastigam o conhecimento”, acrescenta.
E apesar do trabalho dos professores estar facilitado com toda a tecnologia à disposição, o tempo é cada vez menos para o que lhes é exigido. “Muitos relatórios vão para a gaveta e são inúteis, quando poderíamos ter esse tempo para dedicar às crianças. Damos menos aulas, preocupo-me mais com papéis, estatísticas, telefonemas e cada vez me sinto menos professora”, conclui.

Educação no Cartaxo

Para os três professores, a comunidade escolar do Cartaxo está receptiva a uma melhor educação, apesar de Adélia Ferreira ser a mais céptica: “A câmara e os agrupamentos escolares apostam na educação, mas a população em geral é como em todo o lado: há uns que acreditam e há outros que pensam a escola como um depósito dos filhos”.
José Carlos Paulo, com quase 36 anos de serviço, viu a sua reforma ser colocada num horizonte mais longínquo mas ainda assim sente-se feliz em dar aulas no Cartaxo. “É exigente, é um desafio e o que me agrada mais é não ter um dia igual ao outro. Podem-se sempre fazer mais coisas, mas a câmara tem aquela dívida enorme e não consegue acudir a tudo”, refere.
Já Maria de Fátima Mendes destaca o bom ambiente na comunidade: “Sinto-me privilegiada por trabalhar aqui, temos um bom grupo de colegas e sinto preocupação por parte dos directores pela educação no concelho”.

“Antes o que os professores diziam era lei agora é o contrário”

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