Retrospectiva 2016 | 02-03-2017 09:21

“Aqueles segundos em que vamos agarrados ao toiro parecem uma eternidade”

“Aqueles segundos em que vamos agarrados ao toiro parecem uma eternidade”

Marco Fernando é o actual cabo do Grupo de Forcados Amadores de Tomar. A escolha recaiu nele há três anos e foi tomada por todos. Foi uma grande honra e é uma enorme responsabilidade. Só não pesa tanto porque o grupo funciona como uma família e ele nunca está sozinho. Desde criança que é aficionado. Na altura ia com o pai a muitas corridas e gostava mais dos cavalos. No grupo encontrou valores como a amizade e o espírito de entreajuda que gostava que fossem mais cultivados em toda a sociedade.

O que o levou a pertencer a um grupo de forcados? O meu mundo é o campo. Gosto do cavalo e do toiro. Cresci nesse meio por isso, para mim, foi natural e fácil escolher ser forcado e entrar para o grupo de Tomar porque sempre tive um fascínio enorme pela festa brava. Tinha 15 anos e encontrei nos Forcados de Tomar a amizade e o espírito de entreajuda que devem fazer parte da nossa sociedade.
Em criança lembra-se de ir às corridas de toiros? Desde pequeno que vou aos toiros. Costumava ir às corridas em Tomar, Vila Nova da Barquinha, Chamusca e Santarém, durante Feira da Agricultura. Ia sempre com o meu pai, que também é um grande aficionado. Percorria a região para ver uma corrida de toiros tal era o fascínio pela festa brava. Já vibrava com o cavalo, com o toiro e com o campino. Tudo o que esteja relacionado com uma corrida de toiros sempre gostei de ver.
Nessa altura já dizia que queria ser forcado? Em criança fascinavam-me mais os cavalos. Mais tarde, na adolescência, é que comecei a despertar para os toiros e para a beleza de um pega. E aí começou a vontade de querer ser forcado e também poder pegar toiros.
Que idade tinha quando pegou o primeiro toiro? Tinha 22 anos. Foi um momento marcante e uma experiência única. Consegui pegar à primeira tentativa. A primeira vez que se pega um toiro está-se sempre naquela ansiedade de como vai correr, se vamos conseguir fazer tudo bem feito. O que importa é que esse dia correu bem e a vontade de continuar a pegar toiros foi crescendo de dia para dia.
Qual foi a pega mais difícil até hoje? Já peguei toiros das ganadarias Brito Pais, Grave, Vale Sorraia, entre outros. Não tenho muitos toiros pegados. Até agora apenas peguei cerca de meia centena mas dos que peguei ainda não houve nenhum que me tenha dado uma pega particularmente difícil. Quando pego acaba por correr bem mas esse sucesso deve-se a todo o grupo que é excelente a ajudar e a apoiar no momento da reunião com o toiro.
Tem muitas mazelas no seu corpo provocado pelos toiros? Umas costelas doridas ou partidas de vez em quando mas é normal e faz parte desta actividade.
Como chegou a cabo dos forcados de Tomar? Foi há três anos. A escolha do cabo é sempre uma decisão conjunta do grupo. Entre todos decidimos que deveria ser eu a desempenhar o cargo e dou o meu melhor todos os dias para honrar o nome do grupo e a jaqueta de forcado, que é o que fazemos todos sempre.
Ser forcado e cabo ao mesmo tempo aumenta a responsabilidade? É uma responsabilidade acrescida. Um forcado só se tem que preocupar com as suas pegas e em treinar. Eu, além disso, preocupo-me com todos os elementos e, com a ajuda de alguns membros da direcção, tenho a responsabilidade de arranjar corridas para o grupo e fazer com que tudo funcione bem na gestão.
Tem medo ou tem muito medo em cada pega que faz? Todos temos medo e quem disser que não tem está a mentir. O segredo é superar o medo.
Como ultrapassa esse medo? Imagino que tenho dois corações. O meu e um imaginário que está fora do corpo. Canalizo todo o meu medo para o coração imaginário e vou em frente com toda a coragem para enfrentar o toiro. Temos que pôr o coração de lado e ir em frente com garra e audácia.
Tem medo ao ver os seus colegas diante do toiro? Tenho receio porque alguém se pode magoar a sério, apesar de estarmos cientes disso em todas as corridas. Esse é o receio de qualquer forcado. Mas temos que pensar sempre positivo porque senão nunca saíamos de casa. Nem para pegar touros nem para fazer fosse o que fosse.
Onde costumam treinar? Normalmente vamos às ganadarias que nos abrem as portas para treinarmos. Fazemos entre dez a quinze treinos por época.
Os forcados têm fama de brigões e marialvas. Ainda é assim? Não é tanto como antigamente mas ainda é um bocadinho assim (risos). Agora é diferente, estamos mais voltados para a família e para o convívio entre todos. Actualmente, já se fazem, às vezes, treinos conjuntos. Dois grupos de forcados a treinarem à mesma hora, no mesmo local. Antigamente havia mais disputa, hoje somos mais amigos uns dos outros.
Onde compram as fardas? Compramos os rolos com os tecidos e mandamos fazer a uma costureira que faz a farda à medida de cada forcado.
Tem superstições? Sou religioso mas não sou supersticioso.
Já houve alguma lesão grave no vosso grupo? Não. O mais grave que nos sucedeu nem sequer foi a pegar qualquer toiro e felizmente ninguém se aleijou. Tivemos um acidente em 1996 quando íamos a caminho de uma corrida em França. O carro teve que ir para a sucata e tivemos que anular a nossa participação porque não conseguimos chegar ao destino.
Vale a pena arriscar a vida por uma pega? Claro que sim, mas o facto de estar ali em frente ao toiro, citar o toiro, recuar com o toiro e dar uma pega histórica é o desejo de qualquer forcado. Dar emoção ao público e para nós o mais gratificante.
Já decidiu até quando vai ser forcado? Enquanto me sentir bem fisica. e psicologicamente e enquanto não decidirmos quem irá dar continuidade ao nosso grupo irei continuar e dar o melhor de mim.
Alguma vez algum forcado lhe pediu para não pegar depois de ter sido o escolhido para ir para a cara do toiro? Muito raramente isso acontece. Todos querem pegar e ficam chateados é por não serem escolhidos para pegarem.
Como é feita essa escolha? Nos treinos vemos quem tem mais aptidão, quem quer mesmo pegar, quem tem mais vontade e quais são aqueles que pegam só por pegar. Chamamos aqueles que têm mais vontade. Nas corridas com mais responsabilidade vão os mais experientes. Nas outras, vamos rodando para todos ganharem experiência.
Vêem os toiros antes das corridas? O cabo assiste ao sorteio dos toiros e é aí que temos o primeiro contacto com o animal mas normalmente não dá para ver muito bem. Não ligo muito a isso porque os toiros têm que ser pegados, independentemente daquele que nos calhe em sorte.
Como é que decide quem vai pegar o toiro? Normalmente, o que o toiro faz no capote e no cavalo vai fazer exactamente o mesmo com o forcado. Durante a lide a cavalo analisamos o toiro e depois decido qual o forcado que está melhor preparado para as características daquele toiro. Costumo dizer que cada toiro tem o seu forcado e só tenho que escolher o forcado que melhor se adapta ao tipo de toiro que está na arena.
O que é que pensa quando está na cara do toiro? Parece que o toiro nunca mais pára. (risos). Aqueles segundos enquanto não chega a ajuda dos colegas parecem uma eternidade. Nós sabemos que é uma coisa rápida mas quando estamos na cara do toiro parece muito tempo.
Cada um tem o seu modo próprio de citar o toiro quando está diante do animal? Normalmente cada um de nós tem o seu modo de citar o toiro. Uns são mais bonitos, mais alegres, mais vistosos. Não tem que ser igual para todos porque nem todos conseguem controlar os nervos e podem citar mais baixo ou de forma mais nervosa.
Que opinião tem sobre os anti-taurinos? Devíamos dar oportunidade a essas pessoas para poderem ir ao campo ver os animais. Muito provavelmente quem se diz anti-taurino só deve ter visto uma corrida de toiros ou nem sequer viu nenhuma. Essas pessoas não têm a mínima noção do que é a vida animal no campo. Se fossem ao campo e vissem os animais e a forma como os toiros são tratados tinham uma ideia diferente do espectáculo da festa brava.

“Desde que haja toiros para pegar os forcados de Tomar vão continuar”

O Grupo de Forcados Amadores de Tomar completou 60 anos de existência em 2016 e mostrou à cidade, à região e aos aficionados em geral que está bem vivo. Em termos de actividade taurina o ano foi bem preenchido e teve como ponto alto o regresso do grupo, agora liderado pelo Cabo Marco Fernando, a Lisboa, para pegar na praça do Campo Pequeno.
As seis décadas de actividade do Grupo de Forcados Amadores de Tomar foram recordadas através de uma exposição na Casa Vieira Guimarães, em Tomar, onde foi possível ver largas dezenas de artigos que falam da história do grupo, troféus, fotografias, cartazes, e outras recordações cedidas por forcados e amigos ao grupo. Foi também realizada uma exposição de pintura sobre a Festa Brava.
Num ano em que a tauromaquia esteve particularmente debaixo de fogo com algumas iniciativas, nomeadamente a nível parlamentar, que tinham como objectivo limitar aquela actividade, foi importante para o sector poder mostrar, através do Grupo de Forcados Amadores de Tomar, que a tradição das touradas não está confinada à zona da Lezíria do Ribatejo.
Recorde-se que Tomar integra a Associação de Municípios com actividade taurina e a cidade tem uma praça de toiros fundada em 1908. Figuras ilustres de várias gerações de tomarenses, algumas das quais integram os corpos sociais do Grupo de Forcados Amadores de Tomar, fizeram questão de participar nas iniciativas públicas levadas a cabo durante as celebrações do 60º aniversário.
O grupo conta actualmente com cerca de trinta elementos, entre os 16 e os 41 anos. São homens de diferentes profissões como carpinteiros, empresários, engenheiros, médicos, canalizadores, advogados mostrando que a paixão pela forcadagem é abrangente. Não existe limite de idade para entrar no grupo de Tomar. Quem quiser basta participar nos treinos no início da temporada. O elemento mais novo é filho de um dos elementos mais velhos do grupo. Em média, entram três a cinco novos elementos por ano, garantindo-se assim a continuidade do grupo. Consideram-se uma família e é habitual encontrarem-se em almoços e jantares onde convivem e nos quais participam os familiares.
O grupo realiza diversas actividades ao longo do ano, destinadas a angariar dinheiro para suportar as despesas. Só para o seguro mínimo obrigatório são mais de quatro mil e quinhentos euros. E ainda há que contar com as deslocações, refeições e vestuário. Apesar das dificuldades o cabo garante que o grupo sempre esteve muito activo e unido.

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