Retrospectiva 2016 | 02-03-2017 09:21

“Não sou pessoa de me queixar e quando é para trabalhar não ando com rodeios”

“Não sou pessoa de me queixar e quando é para trabalhar não ando com rodeios”

Anabela Freitas nasceu em Tomar e estudou em Tomar. Deixou os estudos para começar a trabalhar, aos 19 anos, no Instituto de Emprego e Formação Profissional. Cuidou de uma irmã mais nova sete anos que vive actualmente no Canadá. Desde cedo que se habituou a ser independente e considera-se uma pessoa pragmática. Viveu sempre em Tomar mesmo quando trabalhou como Técnica de Emprego em Salvaterra de Magos e Torres Novas ou quando foi deputada à Assembleia da República.

Foi deputada antes de ser presidente de câmara. Gostaria de voltar um dia à Assembleia da República? Sinceramente não. Aprendi imenso e entre o poder legislativo e o poder executivo é este último que me agrada mais. Aqui posso ver as coisas a serem feitas.
O que ganhou até agora em termos pessoais e políticos com esta experiência como presidente da câmara? Estou sempre a aprender. Aprendi imenso. Quando nos candidatamos temos uma percepção das coisas mas depois nem tudo é como imaginávamos.
A câmara foi gerida durante dezasseis anos pelo PSD. Teve muitas resistências quando começou o seu mandato? Claro que tive. Estamos perto de Fátima mas não houve milagres. Encontrei resistências e ainda há resistências. As pessoas já por si são resistentes às mudanças e é pior nestas circunstâncias.
Qual foi o problema mais complicado? É normal que quem mande sejam os políticos porque é para isso que são eleitos. Os políticos ouvem os técnicos mas são eles que decidem. Os técnicos executam, independentemente de serem dirigentes ou não. Aqui havia uma certa inversão desses papéis e mesmo hoje em dia, passados três anos, ainda há resistências. As coisas não se mudam de um dia para o outro.
Ter técnicos que não se identificam com quem decide é complicado. Pessoalmente defendo as câmaras mono colores (de uma só cor política). Quem ganha as eleições escolhe a sua equipa. Claro que isso, se vier a ser feito, implica dar mais poderes de fiscalização às assembleia municipais. E quem chega a uma câmara tem que ter também dirigentes que se identifiquem com as orientações dadas. Não posso estar aqui a mandar fazer determinada coisa e ter dirigentes a emperrarem em vez de resolverem.
A nível de confiança política por vezes também surgem problemas. No seu caso teve pelo menos dois. O seu ex-chefe de gabinete e o vereador Rui Serrano que chegou a ser vice-presidente? Em campanha prometi trabalho, trabalho e trabalho. E para se levar este barco a bom porto é preciso muito trabalho. E, portanto, ou as pessoas estão alinhadas com o objectivo ou então quem perde não é a equipa mas o concelho. E por isso houve que resolver esses problemas. As pessoas foram eleitas ou nomeadas para se focarem nos problemas e para os resolverem e não para andarem a passear e a passar falsas imagens. Esta equipa está cá para trabalhar.
Não se lhe ouviu uma queixa pública durante esses dois processos mas não deve ter sido fácil. Perdi a minha mãe muito cedo e tive que tratar de mim e da minha irmã mais nova. Deixei os estudos para ir trabalhar. Não sou de me queixar. Na vida podemos sentar-nos e dizer que o mundo está todo contra nós ou tentar encontrar soluções para os problemas, custe o que custar. Eu nestas coisas não ando com rodeios. Tenho sentimentos mas considero-me combativa. Gosto de trabalhar.
Não sente que, por vezes, as coisas andam muito devagar? É verdade. Em matéria autárquica, por vezes, as coisas andam demasiado devagar para o meu gosto. Estamos num espartilho legislativo que não permite avançar mais rapidamente.
Para quem assiste às reuniões de câmara, e não são só as de Tomar, são muitas vezes, exasperantes. Passamos horas a discutir muita coisa e por vezes o essencial não é discutido. Isso é verdade. Mas pronto, faz parte da política. Não vale a pena lamentar-me. Não é coisa que se resolva porque há mais pessoas envolvidas e estamos em democracia. E eu já sabia que era assim.
A CDU tem um programa diferente do PS em Tomar mas o seu entendimento com o vereador Bruno Graça tem funcionado. Em que é que assenta a vossa relação? Sobretudo no respeito mútuo. Trabalhamos nas áreas em que temos pontos em comum ou que podemos encontrar soluções em comum e naquilo em que não temos pontos em comum não há afrontamentos. Não podemos estar de acordo em tudo e sabemos isso muito bem. O vereador Bruno Graça é muito pragmático. Se temos um problema para resolver focamo-nos na resolução. E daí as coisas terem funcionado bem. Percebo que daqui até às eleições terá de haver uma demarcação maior mas isso é óbvio e não levo a mal que assim seja.
Em Outubro de 2012 o PS, que então estava na oposição, chumbou o recurso ao PAEL (Programa de Apoio à Economia Local) por parte do anterior presidente de câmara de maioria PSD. Tinha-lhe dado jeito ter entrado na câmara com muito menos dívida a fornecedores. Poderia ter encontrado uma situação mais aliviada mas o que é certo é que as grandes dívidas não estavam na relação apresentada à câmara e à assembleia municipal. Não foi um erro de estratégia do PS se é o que está a sugerir. O que havia eram dívidas de 5, 50 euros e coisas assim, o que revela que houve má gestão. Dívidas dessas vão-se pagando. Não são precisos planos especiais.
A Câmara de Tomar é uma das câmaras a nível nacional que demora mais tempo a pagar a fornecedores e o atraso tem vindo a aumentar. Por causa de dois processos que estão em tribunal de dívidas elevadas que foram registadas como dívidas a curto prazo. São acções que totalizam mais de um milhão de euros. Enquanto não houver decisão judicial o problema vai manter-se e até agravar-se devido aos critérios utilizados para medir o tempo médio de pagamento. Na verdade o nosso prazo médio de pagamento a fornecedores, sem essas duas dívidas, é de 50 dias.
A recuperação da Sinagoga e a sua promoção é uma das tarefas em que mais se tem empenhado. O que foi feito e o que irá ser feito para dar a merecida visibilidade a esse importante património? De há três anos para cá temos participado na Feira de Turismo de Telavive para divulgar a nossa Sinagoga e temos tido resultados. Este ano, para além dos contactos com um conjunto de operadores turísticos que trabalham exclusivamente com sinagogas e produtos judaicos, o senhor embaixador de Portugal em Israel também organizou na sua residência um encontro com empresários americanos e israelitas que se mostraram interessados em investir em Tomar na área do imobiliário, nomeadamente na aquisição de imóveis para reabilitação.
A Câmara de Tomar tem aprovada uma candidatura a fundos comunitários para obras de reabilitação da Sinagoga. Mas havia também um apoio da Noruega. O Estado norueguês tem um programa de apoio a um conjunto de países da União Europeia na área cultural e patrimonial. Foi-nos atribuída uma verba de 135 mil euros que vai ser utilizada na parte imaterial e na área ligada ao espaço museológico que vamos implementar.
Quando vão ser feitas as obras? Comprometemo-nos com os operadores turísticos a só começarmos após a Páscoa Judaica (este ano coincide com a Páscoa Católica).
A Sinagoga esteve durante anos a funcionar num sistema improvisado. Era um antigo funcionário municipal que tinha a chave do monumento e que o abria e fechava e editava materiais promocionais. Era o senhor Vaz que já faleceu e a esposa, a dona Teresa, deu continuidade. Os meus antecessores deveriam ter feito algo mais. A Sinagoga é do Estado. Está na posse da Direcção Geral do Tesouro e Finanças. Há três anos que estou a tentar que passe para a posse do município, o que faz todo o sentido. Se isso se concretizar a gestão vai ser da câmara em conjunto com a Associação dos Amigos da Sinagoga. Se não se concretizar a gestão vai ser tripartida. Município, Associação e Direcção Geral do Tesouro e Finanças. Quando tivermos as obras terminadas temos que implementar o modelo de gestão.
O concelho de Tomar também é daqueles a nível nacional que menos cobertura de saneamento tem. Tem uma candidatura aprovada de cerca de dois milhões de euros mas é daquelas obras que não ficam visíveis. São obras necessárias e temos que as fazer. A taxa de cobertura de saneamento no concelho é de 58 por cento. Quase dentro da cidade, em Palhavã, as obras vão ser feitas pela câmara, sem apoio comunitário. É uma empreitada na ordem dos 600 mil euros.
Do Portugal 2020 tem aprovadas candidaturas de mais de cinco milhões de euros no total. A Levada, a Várzea Grande, o Flecheiro... A Levada era um projecto do anterior executivo mas que estava parado. Tivemos que andar a contra-relógio para não perdermos o financiamento. Ainda é QREN (Fundos do Quadro Comunitário anterior).
E no Quadro Comunitário actual? No Portugal 2020 o que está pronto para começar brevemente, para além da Sinagoga, é a reabilitação do quartel dos bombeiros e a recuperação de um conjunto de casas no centro histórico que são propriedade do município. Vamos também intervir no Aqueduto dos Pegões para estabilização de quatro pilares e limpeza sobretudo do conjunto mais visível. Temos também aprovada a requalificação da Avenida Nuno Álvares e vamos construir um centro de apoio à família que será para trabalhar com as famílias de etnia cigana. Continuamos com a reabilitação das casas nos nossos bairros sociais e vamos fazer a requalificação da Várzea Grande.
Falou das famílias de etnia cigana. O Flecheiro não é só um problema de obras. É muito mais que isso. São vários problemas. Está a ser revisto o plano de pormenor e nessa altura é que se vai dizer o que vai ser feito ali, após a retirada da etnia cigana. É um espaço junto ao rio e tem que ser devolvido para usufruto da população.
Todos os seus antecessores disseram o mesmo... Nenhum dos meus antecessores tirou de lá uma única família cigana e eu já tirei algumas e daqui até à obra vou tirar as outras.
Isso é bom de dizer... Toda a integração das pessoas de etnia cigana tem que ser acompanhada de um plano social. Não adianta estarmos a recuperar casas e a dizer “tomem lá, está aqui uma casa, vão para lá”. Não. Os direitos e deveres têm que ser muito bem delineados, muito bem explicados e não podemos ter coração mole quando algum dos deveres não seja cumprido. Muitos casos ali no Flecheiro são casos de polícia.

Há muito mais para ver em Tomar do que o Convento de Cristo

Anabela Freitas (PS) é a primeira mulher a exercer o cargo de presidente da Câmara Municipal de Tomar. Eleita em 2013, numa altura em que as câmaras em geral passavam por dificuldades económicas, não tendo capacidade para lançar grandes obras, optou por investir os parcos recursos no que sentia fazer mais falta aos cidadãos, nomeadamente o arranjo de estradas e pequenas obras nas freguesias. Ao mesmo tempo foi desenvolvendo trabalho na área do turismo e na promoção de valores históricos e culturais de forma a aumentar a auto-estima da população.
Soube aproveitar apoios para dar maior visibilidade à Sinagoga, como forma de atrair mais visitantes à cidade, que parecia ter apenas o Convento de Cristo e vai requalificar o monumento e implementar uma outra gestão do mesmo. Conjugou esforços com outras entidades para potenciar a ligação da cidade ao universo Templário e deu grande atenção à Festa dos Tabuleiros, conseguindo que a mesma recebesse o troféu de Melhor Evento Público realizado em Portugal.
Avançou para alguns dossiers difíceis como o do saneamento básico, uma vez que cerca de quarenta por cento do concelho não tem cobertura, incluindo zonas da própria cidade e conseguiu negociar fundos comunitários para a cidade num valor superior a 5 milhões de euros, que lhe vão permitir fazer a requalificação da Avenida Nuno Álvares Pereira; da Levada; da Várzea Grande, e do Flecheiro, uma zona junto ao rio Nabão há muitos anos ocupada por famílias de etnia cigana.
A gerir uma câmara sem maioria absoluta, Anabela Freitas teve capacidade para negociar com o vereador da CDU um entendimento mínimo que lhe garantisse alguma estabilidade e mostrou firmeza política quando teve que enfrentar problemas com elementos da sua equipa. Despediu o chefe de gabinete quando percebeu que o mesmo lhe estava a tentar sabotar o trabalho, pondo também fim à relação afectiva que mantinha com ele há anos e conseguiu provocar a demissão do vereador do seu partido que a tinha deixado de apoiar. Apesar da situação conturbada e da pressão de uma oposição aguerrida agiu sempre sem tibiezas nem hesitações mostrando uma invulgar resiliência e recusando fazer-se passar por vítima.

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