Retrospectiva 2016 | 02-03-2017 09:21

“Para mim quem pode trabalhar e não trabalha é um criminoso”

“Para mim quem pode trabalhar e não trabalha é um criminoso”

É proprietário da Inducol - Indústria de Peleteria Cruz Costa, S.A em Amiais de Cima, Santarém. O seu negócio, com excepção de um período inicial em que vendia fruta da família à saída da missa, sempre foram as peles. Mesmo durante o tempo em que cumpriu o Serviço Militar Obrigatório só deixou de fazer negócios quando foi mobilizado para a guerra colonial em Angola. Diz que sem a família e sem os trabalhadores nunca teria chegado ao que chegou. Às vezes pensa parar de trabalhar aos oitenta anos mas pela forma que o diz não acredita que o faça.

Até quando vai continuar a trabalhar? Estou reformado há 14 anos mas continuo a trabalhar todos os dias. Por vezes penso em parar quando fizer 80 anos mas não fixei nenhuma meta. Enquanto tiver saúde e capacidade vou manter-me ocupado. Faz-me bem ocupar a mente. Não tenho sábados nem domingos mas não me queixo. Gosto muito de trabalhar. Costumo utilizar uma metáfora que sintetiza bem o que penso: Uma pessoa que pode trabalhar e não trabalha é um criminoso porque está a desperdiçar as suas capacidades. Gosto de ensinar aos outros aquilo que sei e que aprendi ao longo da vida e vou continuar a fazê-lo.
Como é que se concilia a gestão da empresa com a vida familiar? Só foi fácil porque tenho uma mulher exemplar ao meu lado que sempre me deu apoio. A minha esposa teve sempre muita paciência para as ausências que a vida empresarial exigiu de mim. Nem sempre fui um pai e marido tão presente quanto gostaria porque a empresa ocupa-me grande parte dos dias mas a minha esposa sempre compreendeu e sempre me apoiou. Tive muita sorte porque se fosse outra mulher, com outra personalidade, teria sido complicado. Às vezes brigamos mas fazemos logo as pazes porque não conseguimos estar zangados um com o outro muito tempo. (risos).
A Inducol vai continuar sempre a ser uma empresa familiar? Esse é o objectivo. Os meus filhos nasceram e cresceram na empresa. Já cá trabalham e o neto, que em criança também vinha para aqui com o pai, também. Isto já lhes está no sangue. Acredito que eles vão fazer um bom trabalho quando eu já cá não estiver. Nada é seguro, a vida está em constante mudança e tudo pode mudar de um momento para o outro, mas eles estão preparados e sabem tudo o que é necessário para não deixar a empresa morrer.
Nunca pensou transferir a empresa e a sua vida dos Amiais de Cima para uma cidade? Gosto de viver na aldeia e visitar grandes cidades europeias e do mundo. Gosto de conhecer outras formas de vida. Estamos sempre a aprender e a evoluir enquanto seres humanos. Quando vou à América fico a olhar para ver se posso implementar na minha terra o que eles têm lá mas chego sempre à conclusão que temos tudo. Vivemos num pequeno paraíso e nem sempre nos damos conta disso.
Já se rendeu às novas tecnologias? Já aprendi a desbloquear o telemóvel porque agora é mais fácil mas não me adaptei ao computador. Cheguei a ter um na secretária mas foi por pouco tempo. Faz-me impressão estar um dia inteiro em frente ao computador. Faz-me confusão não saber e ter que ir ver ao computador quanto é que um cliente me deve, por exemplo. As novas tecnologias são boas mas põem as pessoas burras como portas. (risos). Estamos muito dependentes do computador e não acho isso saudável.
Porque é que não gosta que digam de si que é um “self made man”. Alguém que atingiu o sucesso partindo do nada? Afinal isso é verdade. Nunca gostei de ouvir os empresários gabarem-se de terem começado do nada, num tom de vitimização. Muitas vezes os chamados ‘empresários de sucesso’, e as suas respectivas empresas, andam muito nas bocas da comunicação social e são extremamente elogiadas mas desaparecem ao fim de dez anos de actividade. As empresas são muito vulneráveis. Hoje estão bem mas amanhã, por uma série de circunstâncias várias, podem cair e morrer. Pode acontecer a qualquer empresário, mesmo os que têm muito sucesso neste momento. Acredito muito nos empresários que trabalham bem e que são empreendedores sem fazerem alarde disso. A minha filosofia empresarial é ser discreto e estar na sombra.
Não gosta de se auto-elogiar nem de receber grandes elogios. Nós não somos ninguém e muito menos bons empresários se não forem os nossos funcionários. Eles são o elemento mais importante de qualquer empresa. Se eu puser na cabeça que o mais importante sou eu não tenho a mínima dúvida que a empresa descamba. Nunca teria conseguido alcançar tudo o que tenho hoje em dia sem os meus funcionários e a minha família.
Como se sobrevive às crises? Com muito trabalho, persistência e não baixando a cabeça. Acreditando sempre que vamos conseguir ultrapassar os problemas. O segredo do nosso sucesso deve-se à confiança que os nossos clientes têm em nós. Se o cliente tem confiança compra. Se não tem confiança não compra e vai procurar outro fornecedor que lhe dê essa garantia de qualidade. Temos que tratar bem os nossos clientes e para isso temos que lhe fornecer produtos com o máximo de qualidade. A qualidade é o mais importante e para a ter há que trabalhar com dedicação todos os dias.
Houve algum momento em que teve medo que a sua empresa fechasse portas? O facto de ter passado pela vida militar deu-me uma grande formação de carácter e força interior. Os meus pais já me tinham dado essa boa formação mas na vida militar esses valores foram cimentados. Aprendi a respeitar os superiores e os camaradas. Aprendi a nunca deixar ninguém à minha espera. Aprendi muita coisa importante que apliquei durante toda a minha vida profissional. E também aprendi a perder o medo. A confiar em mim e a arriscar. Depois de ter estado cerca de três anos na Guerra do Ultramar e ser obrigado a ir para locais onde sabia que podia morrer a qualquer momento foi muito importante. Se consegui ultrapassar aqueles momentos terríveis consigo enfrentar tudo. O facto de ter estado tão perto da morte deu-me uma grande humildade que me deixou capaz de enfrentar qualquer adversidade.
Quais são os vossos principais clientes? Trabalhamos com a Chanel, Prada, Longchamp, Hérmes. Também trabalhamos com várias empresas americanas como por exemplo a Louis Vuitton. Mas não se pense que foi fácil conquistarmos estes clientes porque não foi. É muito difícil lá entrar e ter acesso às pessoas certas.
Como conseguiram chegar a estes clientes? Com muito trabalho, empenho, luta e sem nunca desistir. Tínhamos outros clientes e essas grandes marcas viram a nossa qualidade nos produtos que lhes fornecíamos. E também a encontravam nas feiras internacionais de todo o mundo onde costumamos ir. Eles decidiram experimentar e gostaram. É o reconhecimento do nosso trabalho mas todos os nossos clientes são importantes, desde os mais pequenos aos maiores.
As peles já tiveram melhores épocas. As peles perdem terreno sempre que há uma crise financeira. As peles são um produto de luxo. Além disso, temos as questões ecológicas o que tem sido terrível para o negócio. Quem compra muitas peles são clientes de países árabes, onde há muito dinheiro mas é um tipo de venda que também depende muito do clima, quando faz frio compra-se mais peles do que quando está calor. Por isso é que costumo dizer que o trabalho, que nos dá prazer, às vezes também nos dá sofrimento porque nem sempre é fácil vendermos toda a produção. Temos que nos precaver para aguentar os meses menos bons do negócio.

Uma grande vontade de ser independente

O empresário António Cruz Costa tem uma carreira profissional de quase setenta anos e não pára de trabalhar. Natural de Amiais de Cima, concelho de Santarém, revelou desde muito cedo qualidades de empreendedor e uma grande vontade de ser independente e de organizar a sua própria vida.
Aos onze anos de idade acertou com a mãe o seu primeiro negócio. Aos domingos ia na bicicleta com fruta que apanhava nas árvores da propriedade da família e ia vendê-la à saída da missa. Aos 14 anos começou a vender peles de ovelha e foi no ramo dos curtumes que acabou por se impor.
Mesmo o Serviço Militar Obrigatório só lhe prejudicou o percurso empresarial quando foi mobilizado para a guerra colonial em Angola. Enquanto a tropa foi nas Caldas da Rainha alugou um armazém naquela localidade, visitava clientes nas horas livres e arranjou dinheiro para tirar a carta e comprar um carro.
É dono da Inducol - Indústria de Peleteria Cruz Costa, S.A, localizada na sua terra natal e a partir dali negoceia nos quatro cantos do mundo. Fornece ou já forneceu materiais para marcas como Chanel, Prada, Longchamp, Hérmes ou Louis Vuitton. Diz que o sucesso se deve a todos os que trabalham consigo e ao apoio da família, nomeadamente da esposa, Maria Trindade e dos seus dois filhos.
António Cruz Costa só estudou até à quarta classe. Os tempos eram outros, a família precisava da ajuda dele e o pai comprou-lhe uma enxada para ir trabalhar para o campo. O empresário lembra-se que a área da matemática era bastante cultivada lá em casa porque a família fazia contas à vida todos os dias para conseguir ter dinheiro até ao fim do mês.
Outra coisa que não existia na altura da sua juventude eram as comunicações como hoje as conhecemos. Aos vinte anos, quando foi mobilizado para Angola esteve muito tempo impedido de falar com a família. Diz que quando voltou nem tinha a certeza se a namorada ainda estava à espera dele. Apesar de tudo teve sorte. Maria Trindade esperou por ele e estão casados até hoje.

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