Caso dos pagamentos a treinador envolve mulher do ex-chefe de gabinete de Ourém
Recebia ordenado como se fosse vigilante da escola dirigida pela companheira de João Heitor
Os autarcas de Ourém acusados de montarem um esquema para pagarem o ordenado de um treinador de futsal do clube da Freixianda com dinheiro público usaram o agrupamento de escolas que era dirigido na altura pela companheira do chefe de gabinete do presidente da câmara, também envolvido no esquema. O treinador Pedro Henriques, que tinha passado pelo Sporting e Benfica, fazia de conta que era vigilante no Agrupamento de Escolas da Freixianda, para receber um ordenado por outras funções, a de técnico do clube, através da empresa municipal OurémViva, financiada pela câmara, que tinha um protocolo com as escolas do concelho para contratar e gerir funcionários não docentes.
O Ministério Público, que investigou o caso através do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, concluiu que o presidente da câmara, Paulo Fonseca, o então presidente da OurémViva e vice-presidente da câmara, José Alho, e João Heitor, que era chefe de gabinete de Paulo Fonseca, decidiram que a melhor forma de pagar ao treinador, “sem levantar grandes suspeitas”, passaria pela contratação fictícia de Pedro Henriques. Refere a acusação do Ministério Público que a ideia era o treinador ser contratado para uma vaga que surgisse numa escola, “numa tentativa de disfarçar o mais possível o propósito de favorecer” o Grupo Desportivo da Freixianda, que tinha sido reactivado pelo presidente da junta local, com objectivos políticos.
A investigação apurou que no início de Julho de 2011, o presidente da câmara, o presidente da Junta da Freixianda, Rui Vital, e o treinador almoçaram juntos para combinarem a estratégia. Curiosamente um mês depois, a directora do agrupamento de escolas, companheira do então chefe de gabinete do presidente da câmara, vem manifestar a necessidade de um vigilante. José Alho, na qualidade de presidente da OurémViva, determinou a realização urgente da proposta de recrutamento de um recurso humano.
Na altura as empresas municipais não estavam sujeitas a regras apertadas na contratação de pessoal, como estavam as câmaras municipais. O Ministério Público diz que foi o próprio João Heitor que entregou a Paulo Fonseca a proposta de contratação para a escola da sua esposa, tendo o presidente despachado o assunto para a empresa. José Alho, refere a acusação do Ministério Público, tratou de que o assunto fosse levado o quanto antes à reunião do conselho de administração da empresa municipal, tendo sido deliberado no dia 3 de Agosto de 2011 contratar Pedro Henriques e dois dias depois celebrado o contrato de trabalho, com uma retribuição base mensal de 485 euros mais subsídio de alimentação.
Para dar credibilidade à contratação foi determinado que os serviços de recursos humanos da OurémViva elaborassem e preenchessem uma candidatura de emprego, que foi assinada pelo treinador, embora este não tivesse qualquer propósito efectivo de concorrer a um emprego municipal. Para dar a ilusão de que a pretensão de se candidatar era antiga, no documento assinado em Agosto foi colocada a data de 6 de Junho de 2011, com o intuito de “aparentar, de modo ilusório, uma solicitação antiga e já previamente existente nos serviços”.
Cinco arguidos num caso com motivações eleitoralistas
O Ministério Público acusa para julgamento pelos crimes de peculato e de falsificação de documentos, o presidente da Câmara de Ourém, Paulo Fonseca, o anterior vice-presidente da autarquia e ex-presidente da OurémViva, José Alho, o ex-chefe de gabinete do presidente da câmara, João Heitor (que saiu para assessor do PS na Assembleia da República), o presidente da Junta de Freixianda, Rui Vital, e o treinador de futsal Pedro Henriques. O Ministério Público determina ainda que o socialista Paulo Fonseca perca o mandato autárquico, porque valeu-se do seu cargo para a satisfação de interesses privados, “em grave violação dos deveres inerentes às suas funções” e “quebrou a confiança que nele foi depositada para o adequado exercício das suas funções”.
A investigação concluiu que o presidente da junta, Rui Vital, decidiu reactivar o clube local em Junho de 2011, com um treinador de renome, de modo a “colher os respectivos dividendos políticos”, segundo refere a acusação. A acusação sublinha que Rui Vital foi pedir ajuda a Paulo Fonseca para se conseguir pagar o ordenado do treinador, salientando que o presidente da câmara era seu correligionário e companheiro de outras lides políticas. Vital foi eleito para a junta em 2009 por um movimento independente e candidatou-se pelo PS em 2013, tendo ganho as eleições. O Ministério Público sublinha também a importância que a freguesia da Freixianda tinha na estratégia política e na eleição de Paulo Fonseca.
Paulo Fonseca desvaloriza novo pedido de perda de mandato
O presidente da Câmara de Ourém diz estar “absolutamente tranquilo” em relação ao pedido pelo Ministério Público de perda de mandato, num processo em que o autarca é acusado de peculato e falsificação de documentos.
“Do ponto de vista teórico trata-se de um assunto que está em segredo justiça. Quem sabe desse assunto são as partes. Soube disso por intermédio de uma figura conhecida do concelho que o pôs no ‘facebook’, dois dias antes da publicação de um jornal. Podem daí tirar todas as conclusões”, referiu Paulo Fonseca (PS), num encontro com jornalistas.
O autarca é acusado, juntamente com mais quatro arguidos, de peculato e falsificação de documentos, num caso em que terá sido congeminado um plano, em 2011, para pagar parte do salário ao então treinador de futsal do Grupo da Freixianda através da empresa municipal OurémViva.
Segundo explicou o autarca, “a empresa municipal contratou uma pessoa a pedido da escola e contratou-a de forma normal”, à semelhança do que sucedeu na sexta-feira passada, quando “a mesma escola pediu três pessoas, porque três tinham entrado de baixa e é a OurémViva quem trata disso”. O presidente salientou que se tratam dos “’fait divers’ do costume”, cujo objectivo é “outro”.
“Por isso, não vou muito a fundo nessa matéria. Atacam-me de todo o lado, esquecem-se que isso me dá energia. Se o objectivo era arranjar maneira de não ser candidato, então estão a estragar toda a estratégia, porque arranjam forma de dar resposta à pergunta que me fizeram”, adiantou Paulo Fonseca, não confirmando ainda se vai aceitar o convite da concelhia do PS para se recandidatar.