“Temos escolas do Século XIX com professores do Século XX para alunos do Século XXI”
Paulo Almeida, director do Agrupamento Fernando Casimiro, de Rio Maior, está a vencer a utopia ao criar hoje a escola do futuro
Imagine uma escola sem períodos escolares, sem turmas e anos de escolaridade fixos, com aulas em que os professores não falam mais de 15 minutos e onde a aprendizagem está centrada no aluno, que tem a capacidade de receber a informação de forma activa, apenas com a gestão do professor. Imagine uma sala de aulas onde os móveis estão sobre rodas e podem ter a configuração que se pretende. No agrupamento de Escolas Fernando Casimiro, de Rio Maior, a imaginação já se está a tornar uma realidade. Esta escola foi a oitava a criar uma sala do futuro, apetrechada com moderna tecnologia e onde a formação está centrada no aluno e a sala pode ter a configuração que se queira, consoante as necessidades educativas. Agora está a iniciar um novo projecto de educação sem os três rígidos períodos escolares. A escola do futuro já não é utopia e está a ser trabalhada a pensar mais nos alunos do que nos professores. O director do agrupamento, Paulo Almeida, 42 anos, professor há 20 anos, da área da Matemática, tem uma visão aberta da Educação, promovendo o futuro hoje, e nesta entrevista fala do desejo de mudança, numa perspetiva crítica do sistema escolar.
Esta escola é pioneira nas novas formas de ensino. De que forma isto contribui para que os alunos fiquem mais bem preparados? A realidade da sociedade que temos hoje não passa pela necessidade de a escola transmitir conhecimentos. O conhecimento é de tal maneira alargado que o desafio é gerir e manipular o conhecimento. A transmissão da informação, há uns anos, estava muito ligada à escola e hoje temos é de saber trabalhar e usar a informação e que os alunos a consigam mobilizar. O que notávamos é que isso não estava a acontecer. O nosso movimento vai no sentido de agregar e trabalhar a informação e sobretudo dar-lhe uso.
Um dia vai deixar de haver conteúdos programáticos e horários rígidos e os alunos vão passar a trocar experiências e informações na sala de aulas? O projecto-piloto em que estamos a participar, baseada na Escola da Ponte, que não tem anos, nem turmas, passa muito por aí, por pensar fora da caixa.
A sociedade vai entender essa perspectiva completamente diferente? Essa é uma das dificuldades, não só para os pais como para os professores. A mudança é uma coisa muito complicada, especialmente para quem foi educado num sistema, trabalha nesse sistema e agora é confrontado com o facto de que o sistema não funciona.
Há várias velocidades das escolas? Quem tem filhos percebe isso, a começar pelo facto de não haver dois filhos iguais. Mesmo numa turma homogénea temos oito ou nove grupos de alunos com velocidades diferentes.
Mas isso também acontece com os professores. Sim! E até com os graus de maturidade com que o pessoal docente encara estes processos de mudança.
Estão envolvidos num novo projecto que passa por acabar com os períodos escolares. Que vantagem é que isso pode ter? A Direcção Geral de Educação convidou seis escolas do país a olhar para o sistema educativo e ver o que pode ser mudado na organização da escola. Quer do ponto de vista do espaço, de metodologias, de calendário escolar ou de avaliação dos alunos e propormos formas alternativas para melhorar a qualidade da aprendizagem.
Passam a estar na primeira linha de uma autonomia que é um desejo geral das escolas. O Estado já tinha com as escolas contratos de autonomia mas que eram muito curtos. Este é um projecto-piloto em que nos deram a chave do tesouro e cabe-nos abrir o cofre e usar bem o tesouro. Esta autonomia também é inquietante porque fomos habituados a ser dirigidos mas estamos a ser acompanhados por instituições de ensino superior e a ideia é replicar estas experiências no país.
Que influência é que este projecto vai ter nas escolas e nos alunos? Os períodos escolares estão muito heterogéneos e alguns deles muito esticados no tempo. Os alunos portugueses são os que passam menos tempo na escola mas mais tempo por dia. Temos muitas interrupções lectivas e depois os alunos são sobrecarregados durante o período de aulas. O paradigma que queremos atingir é equilibrar este panorama.
Que vantagens já obtiveram com a sala do futuro que criaram, com recursos tecnológicos e mobiliário sobre rodas que permite que os alunos se movimentem no espaço? Fomos a oitava escola do país a ter esta sala, onde investimos 500 euros do orçamento da escola. Envolvemos os alunos, professores e funcionários na montagem da sala, que sentem o espaço como deles. O nosso laboratório do futuro, o Active Lab, já gerou este ano de apoios, para aquisição de materiais, mais dinheiro do que o orçamento que o Estado dá para funcionamento da escola.
Acredita que são passos efectivos para um processo de mudança? Esta questão dos laboratórios de aprendizagem virou uma moda ultimamente. Até ao final do ano devem aparecer uns 100 e daqui a um ano podem ser 500. Este movimento de mudança deixa-nos satisfeitos porque estamos na linha da frente na Europa. E é um movimento que nasce nas escolas, da necessidade de os professores mudarem, e que não é imposto por despacho ou lei. Temos o exemplo do projecto de programação e robótica, que foi uma iniciativa do ministério, que não foi imposto. A expectativa era de que fosse para 100 escolas e temos duas mil, o que significa que há vontade das escolas de mudarem.
Em que medida esta estratégia permite uma maior ligação à comunidade? A relação com a autarquia é das melhores. Também temos a sorte de ter uma rede de parceiros, de empresas, que colaboram connosco não só em apoios como em formação, com aulas partilhadas, levando os alunos às empresas e trazendo estas para a escola.
A ligação da escola com os pais não é fazer aquilo que os pais reclamam? Temos de perceber na ligação dos pais, da escola e dos parceiros qual é o papel de cada um. Os pais pintaram algumas das salas desta escola, com astros, com tabelas periódicas, etc. Convidámos a trazerem os elementos de fora para dentro da escola. Temos sofás que vieram de empresas, alunos que trouxeram almofadas, tapetes, cortinas. Os alunos têm que sentir que a escola é o espaço deles e que se podem sentir nela como em casa. Por exemplo, muitos professores trabalham no sofá em casa porque estão mais confortáveis e obrigamos os alunos a estarem horas, sentados, no mesmo espaço onde não se reconhecem.
O panorama geral das escolas é de que estas ainda são muito fechadas. Então não é! No futebol todos somos um pouco treinadores de bancada e na escola todos somos um pouco de educadores.
Tenta-se incentivar a que os alunos sejam interventivos mas depois têm de estar sossegados na sala a ouvir o professor. Sou da ideia de que numa aula de 90 minutos o professor não deve falar mais de 15 minutos.
Que influência tem o peso dos programas escolares? Os programas estão obesos. A Educação foi convocada a congregar tudo o que foi inovação na sociedade. Os miúdos estão neste momento carregados com informação e muitos dos conteúdos não são apreendidos pelo aluno. Os professores devem ser gestores de informação e gerir é fazer opções. Quando um professor me diz que não tem tempo para dar tudo o que está no programa sinto-me preocupado.
Concorda que os processos de mudança nas escolas são sempre muito lentos? Tudo o que é muito rápido pode não funcionar.
O facto de em Rio Maior existir uma escola superior de desporto traz alguma vantagem para as outras escolas? Temos uma ligação crescente com a escola superior. Ultrapassámos os estudos meramente académicos de alunos do ensino superior que vinham recorrer à nossa matéria-prima para elaborarem as suas teses. Já há exemplos, como a Escola Activa, em que a escola superior promove uma prática regular de exercício físico, colaborando com os nossos alunos e professores do primeiro ciclo, ou até na preparação de actividades para alunos com necessidades educativas especiais, a outras colaborações, mas ainda não estamos onde queremos.
O sistema atrofia os alunos e depois andamos preocupados a ligá-los à escola
O grande desafio hoje é motivar os alunos, já há uma estratégia nesse sentido? A resposta a esta questão passa por colocar a aprendizagem centrada no aluno. Hoje temos uma aprendizagem centrada no professor. Temos a sala de aula num modelo de autocarro, tudo em filinhas, que vem da altura da revolução industrial, em que as pessoas eram formadas para estarem em linhas de montagem. Daqui a 10 ou 15 anos as pessoas têm de ser promotoras do seu próprio emprego. Actualmente já temos muitas boas cabeças a trabalharem no país para o estrangeiro, para empresas de outros países. Por isso é necessário colocar os alunos a produzir o seu conhecimento.
E como é que se pode orientar o ensino para uma nova realidade? Há variáveis no ensino que muitas vezes negligenciamos. O perfil do professor é importante mas não tem um peso tão grande quanto se pensa. Há estudos que indicam que 16 por cento do sucesso dos alunos é produzido pelo espaço onde estão, por variáveis como a organização, a luz, os sons, da qualidade do ar… Temos de ter isto em atenção.
Como é que caracteriza o ensino? Temos escolas do Século XIX, para ser simpático, porque algumas são do Século XVIII, com professores do Século XX, para alunos do Século XXI. Andámos a gastar milhões em escolas e o único sítio onde não intervieram foi dentro da sala de aulas, que deve ser flexível. Colocamos mobiliário pesado, fixo, e não nos podemos adaptar à realidade. O espaço deve ser maleável, com mobiliário que se possa movimentar rapidamente. Neste momento temos uma aprendizagem igual para todos e nem todos aprendem da mesma forma e à mesma velocidade, e isso traz desmotivação.
E como é que vê a formação dos professores? Tivemos um tempo em que a formação de professores foi deixada de lado. Houve muitas escolas, e fomos um caso desses, em que houve preocupação de promover a formação, quer interna quer externa. Actualmente com o plano de promoção para o sucesso escolar, volta-se a ter um programa de formação regional baseado naqueles que são os projectos das escolas.
Cada governo que entra muda qualquer coisa na Educação. Não é tempo de começar a haver estabilidade? Sem dúvida. Por isso é que acho que é preciso dar autonomia às escolas para que fiquem mais à margem das mudanças políticas. Enquanto estivermos neste paradigma das constantes mudanças de filosofia política para as escolas, andamos aos ziguezagues. As escolas deviam inclusivamente terem autonomia para contratarem os professores. Entrámos num projecto de inovação pedagógica com uma equipa e este ano há concurso nacional para colocação de professores. Possivelmente metade da equipa pode sair e lá vamos ter de recomeçar do zero.
Se se puser no papel de aluno como é que vê a escola? O sistema atrofia os miúdos de tal maneira nos primeiros anos de escolaridade, com um peso muito grande de matéria, com falta de espaço para se libertarem do condicionalismo que têm dentro da sala de aula, que estes começam a desligarem-se da escola. Depois andamos no resto da aprendizagem preocupados em voltar a ligá-los à escola. Este é um movimento, no mínimo estranho. Temos de ter a noção de que antigamente subíamos às árvores, brincávamos. A informação não está apenas nas escolas e ela deve ser trabalhada na aprendizagem.