“Só há greves quando os trabalhadores decidem e não quando o PCP quer”
António Filipe tem ligação a Alcanena e é deputado do PCP eleito por Santarém
O MIRANTE aproveitou a conversa da série Duetos entre o presidente da AIP, José Eduardo Carvalho, e o deputado António Filipe, para colocar algumas questões sobre a forma como o Partido Comunista Português olha para os empresários e as suas organizações.
Como é que olha para os patrões e para aqueles que os defendem, como José Eduardo Carvalho, que foi presidente da Nersant e é hoje presidente da AIP? Olho com uma visão marxista. Há uma classe empresarial e há uma classe trabalhadora. Há interesses que são convergentes e há interesses que são antagónicos. O facto de termos em Portugal indústrias que produzam riqueza é importante para todos mas os trabalhadores, enquanto classe social, têm interesses relativamente ao melhoramento das suas condições de vida, das suas condições de trabalho. Eu faço parte de um partido, fundado por trabalhadores portugueses em 1921, que foi criado e existe para defender os interesses dos trabalhadores e lutar por eles.
Os patrões continuam a ser os inimigos dos trabalhadores. Numa democracia estabilizada o conflito entre empresários e trabalhadores não tem que ser um conflito bélico. Obviamente que há pontos de vista diferentes e cada pessoa, em função da posição social que ocupa, defende determinados interesses. Existe um poder político que é função da correlação de forças que existe, por vezes cede mais aos interesses patronais e noutros momentos aos interesses dos trabalhadores.
Há ou não uma evolução na forma como o Partido Comunista olha para o sector empresarial? Com este Governo há um ano e meio que quase não há greves. Está a partir do princípio que é o Partido Comunista que decreta as greves. Não é.
Mas mobiliza os trabalhadores. Mobiliza os trabalhadores em defesa dos seus interesses mas a decisão sobre fazer mais ou menos greves é uma decisão deles. O Partido Comunista pode decretar as greves que quiser mas só há greves quando os trabalhadores decidem ir para a greve.
A postura do PCP em relação aos empresários continua a ser a mesma? Nunca houve da parte do PCP uma perspectiva de liquidar o empresariado. O que há é uma perspectiva de defender os trabalhadores. Eu há pouco estava a dizer que a visão que tenho é uma visão marxista. É uma visão que assenta na consideração de que há leis objectivas de desenvolvimento das sociedades. Na sociedade capitalista em que vivemos há uma contradição entre capital e trabalho. Isto é uma coisa que Marx estudou há quase duzentos anos e que do nosso ponto de vista não está ultrapassada. Esse conflito social existe, objectivamente.
Na maior parte das reuniões de empresários o alvo não são os trabalhadores. O que ouvimos quase sempre são ataques ao Governo. Por não baixar os impostos; por criar dificuldades ao investimento e ao desenvolvimento.... Em muitos casos os empresários têm razão. O PCP foi um dos paladinos para que baixasse o IVA da restauração. Houve uma grande luta dos empresários que teve o apoio do PCP. Em relação a custos de contexto, há muitos anos que o PCP anda a dizer que os empresários portugueses são confrontados com custos de contexto, nomeadamente de energia, absolutamente inadmissíveis, que prejudicam fortemente a sua competitividade. Aí os empresários têm todo o nosso apoio. Agora, quando nós defendemos que haja um aumento significativo do salário mínimo nacional, por exemplo, os empresários contestam. Mas isso nós continuaremos a defender.
Não há muitos deputados do PCP em iniciativas das associações empresariais. Não são convidados ou arranjam desculpas para não comparecerem? Posso dizer que a primeira vez que eu e o José Eduardo Carvalho falámos pessoalmente sobre estes assuntos foi a convite da Nersant, em 2009, era eu candidato a deputado pelo círculo de Santarém. Nós nunca fugimos a conversar sobre as coisas.
Dois cientistas que tiveram colunas de divulgação científica em O MIRANTE dizem que nos laboratórios do Estado os novos investigadores estão a ser contratados por seis meses... O trabalho científico em Portugal é marcado pela precariedade. Em vez de termos investigadores científicos pagos como tal, temos falsos bolseiros. O que é preciso, e há iniciativas legislativas em discussão sobre essa matéria, é passar a haver contratos de trabalho científico. Os investigadores não podem ter bolsas em vez de contratos como deve ser.
São situações que dependem da reforma do Estado? Reforma do Estado? Eu não sei o que isso é. Desde os 10 anos que oiço falar sucessivamente em reforma do Estado. Ainda está para vir um Governo que não assuma como prioridade a reforma do Estado mas no fim só temos um monte de papéis A4 a que chamam a reforma do Estado.
O PCP não tem uma boa oportunidade agora? O PCP não está no governo. Isso há-de ser no futuro. O governo é do Partido Socialista que, com demasiada frequência, toma medidas que o PCP contesta veementemente.
O PCP ajudou a viabilizar este governo. O PCP não quer o regresso a um governo como o anterior porque isso foi desastroso para o nosso país. Foi por isso que fez o acordo com o PS. O nosso compromisso é com aquele acordo e mais nada. O governo é do Partido Socialista, não é um governo de esquerda nem é uma coligação. É um governo minoritário, como já houve outros, que subsiste porque acordou determinados pontos que eram considerados essenciais e que têm vindo a ser cumpridos mas o acordo fica por aí.
“A divergência é absoluta quando o tema é a legislação laboral”
O presidente da AIP considera que o PCP tem estado do lado dos empresários em relação a questões como o preço da energia e a carga fiscal, por exemplo, que retiram competitividade às empresas portuguesas mas refere que a nível da legislação laboral o PCP tem uma posição completamente divergente, por questões ideológicas.
“Enquanto os empresários têm uma perspectiva liberal do funcionamento da economia o PCP continua, como explicou o António Filipe, a manter uma visão de antagonismo entre capital e trabalho. Se em certas áreas do funcionamento da sociedade as posições entre empresários e o Partido Comunista se podem aproximar, na parte laboral, nomeadamente em relação à legislação laboral, elas afastam-se por completo. Aí há uma efectiva separação de águas”.
Sobre entendimentos entre PCP e empresários a nível do funcionamento da sociedade, o empresário e dirigente associativo dá como exemplo os presidentes de câmara com quem conseguiu entendimentos na altura em que foi presidente da Nersant - Associação Empresarial da Região de Santarém.
“É difícil alguém fazer um juízo negativo do trabalho dos autarcas do PCP com quem lidei nessa altura, nomeadamente em termos de personalidade, competência, relações pessoais. António José Ganhão (Benavente), Sérgio Carrinho (Chamusca) e António Mendes (Constância) são casos paradigmáticos. Eu acho até que este distrito devia homenageá-los para além das homenagens como as que foram feitas a Sérgio Carrinho, por exemplo, em almoços. Eles foram importantes, juntamente com alguns outros, a nível da gestão autárquica, da gestão local e do desenvolvimento regional. Só alguém que não tenha noção destas coisas e que seja faccioso e sectário é que pode não ter esta visão”, diz José Eduardo Carvalho.