Cidades portuguesas do interior precisam de melhor promoção
Opinião de José Miguel Júdice, um dos convidados da visita ao centro histórico de Santarém organizada pelo arquitecto escalabitano Carlos Guedes de Amorim
José Miguel Júdice costumava passear nas ruas do centro histórico de Santarém, nomeadamente na zona das Portas do Sol com a sua namorada, que viria a ser a sua primeira mulher, uma vez que ela era da localidade de Vilgateira, no concelho de Santarém. O advogado partilhou essas memórias enquanto percorria as ruas em direcção às Portas do Sol, na manhã de sábado, 24 de Junho.
“Os responsáveis das cidades portuguesas não sabem promovê-las. Nos últimos dez anos não ouvi falar de Santarém, como não ouvi falar de Coimbra, que é a minha cidade. Não há uma cultura de marketing e isso é fundamental para atrair turistas”, referiu.
O antigo bastonário da Ordem dos Advogados foi um dos cerca de duas dezenas de convidados do arquitecto escalabitano Carlos Guedes de Amorim, que organizou uma visita de Lisboa a Santarém, a que deu o nome de “Manhã Cultural”, para mostrar que é possível criar um circuito turístico no centro histórico da cidade ribatejana e atrair mais turistas.
O grupo - de onde se destacavam nomes como os das jornalistas e escritoras Maria João Avillez e Leonor Xavier, do musicólogo e ex-secretário de Estado da Cultura, Rui Vieira Nery, do juiz do Tribunal Europeu de Justiça, José Luís Vilaça, e do antigo embaixador de Portugal em Paris, e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, António Monteiro - chegou de autocarro à hora marcada, cerca das 10h00, ao Largo do Seminário.
A primeira paragem foi numa pastelaria tradicional da cidade, onde tomaram café e alguns provaram os doces conventuais da cidade. O primeiro local a visitar foi a Igreja da Sé – também conhecida por Seminário – onde foram recebidos pelo padre Joaquim Ganhão, director do Museu Diocesano de Santarém. A visita à igreja e ao museu foi guiada pela conservadora do museu, Eva Neves.
Os convidados apreciaram as obras e as suas histórias mas o momento alto foi quando o padre Ganhão permitiu que se subisse à zona dos sinos que é um miradouro privilegiado sobre a cidade. “Já conhecia Santarém mas não conhecia estes tesouros maravilhosos. Estou encantada. Valeu muito a pena vir de Lisboa a Santarém fazer esta visita”, confessou Maria João Avillez a O MIRANTE.
Após uns minutos de contemplação da vista soberba, o grupo seguiu caminho até à Igreja do Milagre. Antes, na Rua Capelo e Ivens, paragem para ver e ouvir a actuação do Rancho Folclórico do Bairro de Santarém, no âmbito da iniciativa “Verão In...Santarém é um espanto”.
Turistas enchem a cidade para visitar Igreja do Milagre
À porta da Igreja do Milagre dezenas de pessoas aguardam sentadas em bancos, ou em pé para entrar no templo religioso. A grande afluência de gente neste dia deve-se ao facto de nesse fim-de-semana se terem celebrado as 40 horas de adoração do Milagre. À sombra de uma árvore o padre Ganhão explica aos convidados de Guedes de Amorim a história da Igreja do Milagre, que atrai milhares de pessoas a Santarém. Depois de uma passagem pelo interior do santuário seguimos em direcção à Igreja da Misericórdia, onde assistimos à actuação da aluna e professora organista do Conservatório de Música de Santarém, Maria Sofia Saramago, de 12 anos, e Marta Cruz, respectivamente.
Na Igreja da Graça foi visitado o túmulo de Pedro Álvares Cabral. Com fortes ligações ao Brasil, a escritora Leonor Xavier garantiu que o descobridor do Brasil não está esquecido em terras de Vera Cruz. A também jornalista recordou, junto ao túmulo de Álvares Cabral, que participou 11 vezes no Carnaval do Rio de Janeiro, integrando escolas de samba.
A última vez que saiu numa escola de samba o tema era sobre a língua portuguesa: “Vem ouvir o Vira da Mangueira/Meu universo é a língua portuguesa”, cantarolou. No final, o antigo embaixador de Portugal, António Monteiro colocou uma coroa de flores junto do túmulo de Álvares Cabral.
A chuva que caiu não incomodou o grupo de visitantes que se dirigiu para as Portas do Sol, onde decorreu o almoço. Antes de regressarem a Lisboa ainda houve tempo para visitarem a Igreja de Nossa Senhora da Piedade.
Ricardo Gonçalves desafiado a promover nova candidatura de Santarém a património mundial
Cristina Castel-Branco é arquitecta paisagista e integrou, durante dois anos, a equipa que preparou a candidatura da cidade de Santarém a património mundial da UNESCO. Ainda hoje tem dificuldade em digerir o que aconteceu. “O ministro dos Negócios Estrangeiros da altura, Jaime Gama, enviou a candidatura da ilha do Pico [Açores] e deu indicações para não ser enviada mais nenhuma candidatura. Foi um trabalho que demoramos dez anos a preparar, fizemos todas as alterações que a UNESCO nos disse para fazer e no final a candidatura não é enviada para Paris”, lamenta em conversa com O MIRANTE.
A arquitecta paisagista, que é mulher de José Miguel Júdice, afirmou que já disse ao presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, para voltar a apresentar a candidatura. “Tenho todo o material da candidatura digitalizado. Está tudo pronto”, disse.
Recorde-se que a candidatura de Santarém foi a grande bandeira dos quase 10 anos de mandato do socialista José Miguel Noras à frente da Câmara Municipal de Santarém, tendo sido preparada pelos técnicos do “Projecto Municipal Santarém a Património Mundial”, estrutura criada em 1995 e que acabaria por ser extinta em 2002, pouco depois da liderança da autarquia passar para o também socialista Rui Barreiro que acabou com o projecto.
A candidatura, formalmente entregue ao Governo português em 1998, durante uma deslocação do então ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, a Santarém, acabou por receber um “balde de água fria” quando, no início de 2000, a cidade foi visitada por um perito do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), organização de consultoria da UNESCO. Ao afirmar que Santarém “não pode ser considerada como tendo um valor universal excepcional”, o relatório que resultou dessa única visita levou à suspensão da candidatura e a uma reformulação, realizada ao longo de 2001.
“Santarém não pode continuar a ser um apeadeiro de Fátima”
O arquitecto Carlos Guedes de Amorim refere que o objectivo desta iniciativa foi “acordar Santarém” que, sublinha, tem tudo e não está a saber aproveitar. “Em Santarém não é preciso ser criativo porque já existe tudo, não é preciso investir dinheiro, só é preciso pôr as coisas a andar. A câmara, em conjunto com a igreja e a associação de comerciantes, devem dinamizar o centro histórico porque assim os turistas vêm, como vimos hoje que a cidade está com turistas. No entanto, é preciso que a cidade esteja todos os dias repleta de turistas”, afirma.
Guedes de Amorim defende que o município de Santarém deve criar parcerias com as agências de viagem para que a cidade não seja apenas um “apeadeiro” de Fátima, onde os turistas vêm com o tempo contado e apenas visitam a igreja do Milagre. “Tem que se dinamizar a cidade para criar motivos para que as pessoas fiquem mais tempo. Se os comerciantes tiverem as lojas abertas, os turistas vão querer visitar e comprar e assim se cria um ciclo onde vem tudo por arrasto”, refere. “É preciso sair deste marasmo e dar vida à cidade que é tão bonita e tem encantos que merecem ser conhecidos”, conclui.