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Américo Thomaz: o descendente de ribatejanos que tinha vergonha das suas origens humildes

Américo Thomaz: o descendente de ribatejanos que tinha vergonha das suas origens humildes

Uma biografia de Américo Thomaz com assinatura do jornalista Orlando Raimundo que vai às origens do político que era filho de um campónio de Chãos, aldeia do concelho de Ferreira do Zêzere.

Orlando Raimundo conta num livro de 290 páginas a história do filho do senhor António, um cidadão de Ferreira do Zêzere, que cresceu de pé descalço na pequena aldeia de Chãos e que mal chegou a ir à escola para aprender a ler e a contar.
A biografia lê-se como um romance; Orlando Raimundo esmiúça a vida pessoal, militar e política de Américo Thomaz e não deixa créditos por cobrar sobre a história da vida do político português que ainda hoje é conhecido como o “corta-fitas” do regime de Salazar e figura patética do regime.
O livro de Orlando Raimundo prova, no entanto, exactamente o contrário daquilo que se pensa e escreve sobre Américo Tomaz e a sua influência no regime salazarista: embora o filho do Senhor António Tomaz tivesse andado pelo país durante décadas a inaugurar fontanários, escadas rolantes, ligações de água canalizada ou quartéis de bombeiros, e tivesse sido sempre “um homem monocórdico e taciturno, que se exprimia com notória dificuldade e exasperante lentidão”, Américo Thomaz teve poder e soube exercê-lo nas alturas certas; por exemplo; “o seu papel foi decisivo em 1961 quando traiu o General Júlio Botelho Moniz, ministro da Defesa Nacional, e fez abortar o Golpe de Estado que iria derrubar Salazar; e foi determinante em 1968, quando amarrou o sucessor de Salazar, Marcelo Caetano, ao mastro imperial da nau salazarista, forçando-o a assumir um compromisso solene de nunca abrir mão das colónias sob administração portuguesa”.
Graças ao senhor António, seu pai, cidadão pobre e humilde de Chãos, que um dia veio para Lisboa com carta de recomendação trabalhar como Guarda na Tapada Real da Ajuda, Américo Thomaz teve o berço que nunca esperou nem era crível que tivesse: quando nasceu, a 19 de Novembro de 1894, seu pai, António Thomaz, já tinha conquistado a confiança do Rei D. Carlos como Guarda da Tapada Real da Ajuda e de todos os seus recheios.
Nos seus anos de inocência, Amélia D’Orleães, a princesa de França tornada Rainha de Portugal, que visitava com regularidade a Tapada da Ajuda, deu pela existência do filho tardio de António Thomaz e fez dele seu protegido mudando-lhe a vida e o destino.
O livro de Orlando Raimundo tem muitos capítulos; curtos e muito sucintos, de forma a prenderem o leitor a cada episódio ou fase da vida pessoal e política de Américo Thomaz, que o escritor e jornalista resolveu destacar face aos seus conhecimentos ou da abordagem histórica que resolveu encetar sobre os anos do Salazarismo em que Américo Thomaz teve um papel muito mais importante do que se julga.
Quase no final do livro, Orlando Raimundo conta uma história deliciosa voltando a convocar a terra de nascimento do pai do Presidente da República dos anos de governo de Salazar que, segundo Orlando Raimundo, nunca deixou de ser monárquico, talvez pelo efeito sentimental da protecção que lhe foi dada em criança pela Rainha D. Amélia.
Conta Orlando Raimundo que o último compromisso de Américo Thomaz, que ficou por realizar, era uma visita de Estado a Chãos, onde iria assinalar a chegada da luz eléctrica com o corte de mais uma fita. O convite foi formulado pelo então presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, António Soeiro Silva, que dias antes da revolução dos Capitães de Abril, compareceu na audiência no Palácio de Belém com uma comitiva de “benfeitores”, onde foi acertada a visita de Américo Thomaz e de sua mulher.
Duas notas finais: a primeira para assinalar as dedicatórias deste livro de Orlando Raimundo; quem quiser que tire as suas conclusões: “À memória de António Lucrécio David que me ensinou a gostar de livros e se deixou morrer na guerra, aos 25 anos, em Angola; e aos meus amigos Felisbelo Resende, Canhão da Graça e Zaluar Basílio que se exilaram em Paris e continuam vivos”.
Uma segunda nota para salientar o que qualquer leitor vai descobrir com a leitura deste livro: o pretexto é a vida de Américo Thomaz (“Thomaz com th e z, que sugere uma ascendência aristocrática que de verdade nunca existiu”) mas ao longo do livro o autor vai pincelando a biografia com a história de outros personagens sinistros do regime como foi o caso de Rosa Casaco, que chefiou a brigada da PIDE que matou Humberto Delgado, que é filho de Joana Rosa, nascida em Rossio ao Sul do Tejo, “rapariguinha pobre que se deixou seduzir pelo estudante de Medicina e futuro atleta olímpico, António da Silva Martins, que nunca assumiu a paternidade” de um dos mais conhecidos agentes da antiga polícia política do regime de Salazar e Caetano.

Américo Thomaz: o descendente de ribatejanos que tinha vergonha das suas origens humildes

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