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Uma galinha que se podia chamar dignidade e a história de quem decide que é mais forte que a morte

Uma galinha que se podia chamar dignidade e a história de quem decide que é mais forte que a morte

Conversa entre o deputado Duarte Marques e a presidente da Nersant, Salomé Rafael

Há um lado menos conhecido do deputado do PSD, Duarte Marques. Para além das actividades parlamentares é vice-presidente de uma organização não governamental que apoia projectos em África. Foi graças a esse trabalho voluntário que teve oportunidade de assistir a uma demonstração de dignidade que o marcou para sempre. Salomé Rafael, presidente da Associação Empresarial Nersant e empresária na área da educação, testou todos os limites da sua resistência e força de vontade quando, gravemente doente, decidiu que a sua hora ainda não tinha chegado.

Duarte Marques é vice-presidente de uma ONG (organização não governamental) denominada Helpo que trabalha na área da educação e da alimentação e apoia projectos em vários países, nomeadamente em Moçambique. Um dia, naquele país, durante a visita a uma aldeia onde a organização tinha ajudado a organizar uma horta escolar, teve uma lição prática de dignidade.
“O chefe da aldeia disse que a horta era muito boa mas que infelizmente só tinham duas galinhas e elas não eram suficientes para pôr ovos para tantas pessoas. Imaginem qual foi a minha surpresa quando na altura de nos despedirmos ele me ofereceu uma das galinhas. Eu pensei que era um crime aceitar, e fiz questão de não aceitar, mas fui logo alertado por quem me acompanhava que se o fizesse seria mal interpretado e que haveria dificuldade em continuarmos a trabalhar com aquela comunidade”.
O deputado nunca mais irá esquecer aquele momento. “Engoli em seco, trouxe a galinha e percebi que com esse gesto tinha dado dignidade àquelas pessoas e tinha feito crescer a sua auto-estima. Essas histórias marcam e têm que ser contadas. Às vezes damos pouco valor à sorte que temos em viver onde vivemos”, declara.
Salomé Rafael também teve que mostrar dignidade numa fase de grande dor e sofrimento. Para o conseguir, conta que teve que testar até ao limite a sua força de vontade.
“Estive gravemente doente durante dois anos. Nessa altura decidi que não tinha chegado a minha hora e testei os meus limites. Saí muitas vezes de casa quando não devia. Estive muitas vezes a trabalhar quando os médicos me proibiam de o fazer mas a vontade de viver levava-me a superar-me. A ter força de vontade para vencer a fragilidade que a doença me impunha. Sempre fui uma pessoa lutadora, resistente, persistente. Naquela altura lutei contra a doença e sempre consegui manter a minha dignidade”, explica.
Quantas oportunidades se dá a um mentiroso? E a um amigo mentiroso? A presidente da Nersant diz que dá sempre uma segunda oportunidade a quem lhe mente mas que não consegue estabelecer limites quando está em causa um amigo.
“Eu tenho amigos que são mesmo, mesmo mentirosos e a esses tenho que dar muitas mais oportunidades. Às vezes estou a ouvi-los e acho que já nem eles acreditam no que dizem. Têm uma criatividade brutal. Muitas vezes já sei que a história não é bem assim mas faço de conta que acredito, para não me aborrecer. Já em relação à lealdade é diferente. Aí sou muito severa”, afirma.
Duarte Marques também tolera mais as mentiras dos amigos. “Quem mente uma vez mente mais vezes. Seja amigo ou não, quando apanho uma pessoa a mentir uma vez já sei que tenho que ter cuidado com ela. Mas também é verdade que as mentiras dos amigos nos ‘chateiam’ mais. Seja como for, o principal é não sermos nós a mentir”, refere.
Quando era criança e lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, Duarte Marques dizia que queria ser comandante dos bombeiros. Não bombeiro mas comandante dos bombeiros e a explicação é simples: o avô tinha sido comandante dos bombeiros e tinha um tio que era comandante.
O deputado nunca foi bombeiro nem comandante de bombeiros e Salomé Rafael, que em adolescente queria ser actriz mas que em criança queria ser cabeleireira, como a vizinha que lhe deixava brincar com os rolos do cabelo e os ganchos, só agora se sente próxima de concretizar um dos sonhos.
“Estar com os netos é o melhor anti-depressivo que existe. Brinco com eles, converso. O meu neto fez agora seis anos e gosta que eu esteja a desenhar com ele e eu faço-lhe a vontade. A minha neta tem três anos e adora pinturas, maquilhagem. Quer que a avó lhe pinte os olhos, os lábios, que lhe coloque pulseiras, relógios. É muito vaidosa, felizmente. E eu também a penteio. Nesses momentos sou a cabeleireira que queria ser”.

“Uma estreia na criação de um romance com um final aventureiramente feliz”

Salomé Rafael e Duarte Marques nunca pensaram escrever um romance e se alguma vez isso lhes passou pela cabeça puseram logo a ideia de parte por reconhecerem a sua incapacidade para levar a cabo tal tarefa. No entanto, desafiados por O MIRANTE, aceitaram criar um esboço de uma história para um livro despretensioso. A troca de ideias decorreu em ambiente de grande cumplicidade e brincadeira.
Os dois começaram por definir a época em que se desenrolaria a acção e estiveram de acordo em situá-la no tempo presente. O local escolhido pelos dois foi a Lezíria ribatejana, nomeadamente na zona de Salvaterra de Magos. A primeira discordância foi quanto ao sexo do protagonista principal.
“Tem que ser um homem. Nestas coisas o protagonista é sempre um homem”, antecipou-se o deputado que, apesar de tudo, iria ceder e aceitar que fosse uma mulher e que se chamasse Diana, como sugeriu a presidente da Nersant. “Tendo em conta que a Salomé diz que os homens ribatejanos não são tão machistas como se diz, aceito que a protagonista seja mulher”.
“A Diana anda a passear à beira-Tejo perdida nos seus pensamentos. De repente surge uma figura masculina que lhe prende a atenção”, começa Salomé Rafael. “Quem chega é um homem num barco. Um pescador”, acrescenta Duarte Marques. E a conversa continua alegre com os dois a darem a Diana como casada e senhora de um espírito romântico e aventureiro.
O deputado precipita a acção. “Ouve-se uma voz de um homem que também vai chegando. É o marido ciumento. O pescador tenta pôr o motor do barco a funcionar e falha algumas vezes”. Salomé Rafael escolhe aquilo que diz ser um final feliz. “Ela parte” afirma. E parte com quem? pergunta-se... Com o pescador!”, declara, peremptória.

“Não é para me gabar mas fomos aplaudidos de pé e devíamos ter ganho o festival”

Duarte Marques está habituado a actuar no grande palco da Assembleia da República, onde é deputado do PSD eleito pelo círculo eleitoral de Santarém, e apesar de dizer que não é grande actor tem no currículo uma certa vontade de ser estrela da companhia.
“Na escola em Mação tínhamos um clube de teatro e em determinada altura participámos num festival de teatro. A peça que tínhamos ensaiado, ‘O Testamento do Tio Vicente’, era uma história dura, difícil mas com alguma ironia à mistura. Para grande pena minha eu só entrava no primeiro acto”, conta.
O deputado lembra-se que na representação da peça, para um público constituído por crianças, sentiu nascer em si uma certa vocação para a representação e não foi de modas, acabando mesmo por alterar o texto para dar asas à sua veia artística.
“Aquilo estava a ser muito chato. As crianças não percebiam a história. Pressenti que iria ser um fracasso e no final do primeiro acto fui ter com a ensaiadora, que era a professora de português, e convenci-a a deixar-me entrar no segundo acto.
Ela ainda resistiu e disse que eu estava maluco mas aquilo estava a ser tão mau que acabou por ceder e lá entrei no segundo acto. Os meus colegas ficaram doentes, porque eu estraguei-lhes as falas todas mas o que é facto é que fomos aplaudidos de pé pelas crianças e se não ganhámos o festival devíamos ter ganho”, diz com entusiasmo.
Num tom divertido, diz que a teatralidade é uma ferramenta importante da comunicação e que o improviso também e que a experiência que viveu no grupo da escola foi importante. “Temos uma líder parlamentar. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, que é actriz e isso nota-se muitas vezes. Não sei como ela é em palco mas a fazer teatro na Assembleia da República consegue bons números. Claro que ela é profissional e eu sou um simples amador. Mas tenho escola”, conclui.

Uma galinha que se podia chamar dignidade e a história de quem decide que é mais forte que a morte

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